Os novos herois do Olimpo

Enfrentando seus problemas.


– Tem certeza disso Jade? – Oliver perguntou enquanto continuava a procurar as marcas indicadas pela namorada no meio da mata. Estavam nisso há pelo menos quinze minutos, desde que a menina insistira em parar num pequeno bosque de buritis. “tem uma coisa que eu quero pegar aqui” disse ela para convencer o garoto. “vai valer à pena, eu prometo”. Tomara que valesse mesmo, pois tudo que Oliver pensava era em como deter o seu pai.

– Já falei que tenho certeza! – disse a menina exasperada – É que faz muito tempo que não venho aqui. Esse é o bosque, com certeza – ela continuou procurando até que encontrou o que buscava: marcas cravadas no tronco de um buriti. Ela seguiu as indicações cravadas na casca das árvores até que chegou numa mangueira cortada bem na sua base. Da árvore, antes frondosa, restara apenas um pedaço do tronco de uns trinta centímetros de altura, com raízes grossas que se enroscavam no solo duro, completamente seco. A árvore deveria ter sido enorme, pois seu tronco tinha pelo menos 50 centímetros de diâmetro. Estranhamente uma pedra tinha sido jogada por cima do tronco cravado ao chão, fazendo o que mais parecia uma bizarra escultura pós-moderna do que alguma coisa natural. Jade tentou sem sucesso mover a pedra. Era pesada demais para ela.

– Permita-me, madame – disse o menino. Ele deu uma cuspidinha na palma das mãos e as esfregou como fazem os personagens de desenho animado. Depois segurou a pesada rocha, que deveria ter pelo menos uns quatrocentos quilos e a levantou sem esforço com apenas uma das mãos.

– Mas como!? – Jade não pode esconder o espanto. O menino, no entanto, limitava-se a sorrir, levando a enorme pedra na mão como se fosse feita de isopor.

– Massa. – disse ele calmamente pondo a pedra no chão – Eu descobri que parte dos poderes de Astréia é afetar o campo de gravidade. Posso mudar a direção da gravidade, sua força ou intensidade. Em outras palavras, posso aumentar a massa de um objeto para que ele fique pesadíssimo ou leve como uma pluma.

– E como você teve essa ideia? É muito criativa – comentou Jade testando a pedra que apesar de ainda estar leve ficava mais pesada a cada instante.

– Não é exatamente minha. Nos quadrinhos sempre tem algum herói com poder sobre a gravidade. Harry Leeland, o falecido Bispo Negro do Clube do Inferno, na revista dos X-men me deu essa ideia. Achei que se eu pudesse deixar as coisas mais pesadas também poderia deixá-las mais leves. – explicou o menino com propriedade.

– Sabe, Ollie, às vezes é bem vantajoso ter um namorado nerd como você. “Às vezes”... – disse Jade dando uma bitoquinha no rapaz e dirigindo-se para ver o tronco desobstruído. Ela não queria admitir, mas estava fascinada pelos novos poderes de Oliver. Especialmente a forma como ele os desenvolvia. Mas ela suspirou em pensar que a “pegada” do namorado precisaria de muito mais treino. Por fim ela parou na frente todo tronco e inspecionou em volta até achar uma raiz que não era uma raiz. Era uma alavanca camuflada. Ao girar a alavanca-raiz o tampo do tronco cortado se abriu, revelando uma escada de ferro apoiada numa parede de tijolos. Jade desceu primeiro, seguida de perto por Oliver.

– Quando eu era pequena – explicou ela – o santuário era gerido por guerreiros experientes. Eles ensinavam técnicas que muitos campistas hoje desconhecem. Um deles, um híbrido, nos ensinou a construir essas casamatas. Devem existir outras pelo santuário, mas só conheço essa aqui.

– Híbrido? – Perguntou Oliver, subitamente tomado de curiosidade.

– É. Um caso raro. Ele é descendente direto de um filho de Ares com uma filha de Atenas. Normalmente semideuses não têm filhos. Mas este era especial. Ele nos ensinou que estar preparado é o primeiro é o primeiro passo para a vitória.

A escada desceu por uns bons dez metros antes de chegar ao fundo do poço. Lá os dois meninos tiveram de se abaixar: o túnel fora projetado para crianças e não para jovens. O túnel seguiu por mais uma dezena de metros até chegar numa porta de madeira. Jade a empurrou e entrou. Com a ajuda de um isqueiro ela acendeu uma tocha que estava empoeirando num suporte da parede. Era um quarto de alvenaria. Tinha pelo menos 20 a 30 metros quadrados. Havia racks de armas com lanças, adagas, espadas, arcos e flechas. Numa estante encontravam-se antigas armaduras de couro e num nicho na parede muitas roupas. Calças jeans e camisetas do Santuário, junto com pares de tênis. Tudo, claro, cheirando a mofo.

Jade não esperou, nem deu qualquer aviso e foi logo tirando o vestido de festa que estava usando desde que tinham saído do Terraço Itália, ainda em São Paulo. Num instante ela estava só de calcinha e sutiã na frente do nicho das roupas. Escolheu uma camiseta larga, um par de jeans azul desbotado da Lewis e um all star preto. Depois ela passou no rack de armaduras e escolheu uma peça que parecia ter saído do filme Tróia: protetores nos braços e canelas, uma armadura que cobria o peito e um cinto grosso, com bainha.

– Vai ficar só olhando ou vai trocar de roupa?

O menino enrubesceu. Não estava acostumado a trocar de roupa na frente dos amigos. Ainda mais na frente de uma mulher. Meio sem jeito ele foi até o nicho de roupas e escolheu as roupas que queria: camiseta sem mangas do Santuário, jeans azul marinho (modelo Lewis clássico) e um par de chuteiras topper. Quanto estava terminando de se vestir ele viu que Jade já estava pronta para a guerra: trazia um escudo redondo grande de ferro, uma espada grega na cintura, junto com um par de adagas e nas mãos um arco longo composto. Nas costas trazia duas alijavas recheadas de flechas, unidas por fita silvertape.

Quando ele terminou de se vestir Oliver percebeu um porta-retratos derrubado no chão. Nele pode ver a foto de alguns campistas bem jovens. Entre eles Jade e Nathalia, bem jovens também. O menino chutou que tinham dez anos ou menos. Estavam recebendo uma medalha de prata. No meio das duas estava Dezan. Não sabia o que era mais incrédulo: saber que existia em algum lugar do santuário uma casamata melhor do que aquela ou que ambas as meninas tiveram um caso ao mesmo tempo com Dezan. Ele tirou a foto do porta-retratos e guardou no bolso da calça nova.

– Podemos ir agora – disse Jade confiante. – Agora eu posso ser mais que um simples escudo.

Os dois seguiram pela estrada que ladeava a pista do lago. O objetivo era sair pelos chalés dos deuses maiores passando pelo lado oposto do coliseu, chegando até a sede do santuário. A imagem era desesperadora. Existiam marcas de explosões em todos os lugares. Muitos dos chalés apresentavam danos consideráveis: o teto do chalé de Afrodite não existia mais; as paredes do lado oeste do chalé de Apolo estavam derrubadas, devassando o seu interior completamente queimado; o chalé de Zeus era apenas um monte de escombros e o chalé de Hermes parecia que tinha sido esmagado por um robô gigante. Não que na opinião de Jade aquilo fosse realmente ruim para o chalé de Hermes. Intactos mesmo apenas o chalé de Posseidon, devidamente protegido por quatro monstros elementais de água e o chalé de Astréia, embora Oliver suspeitasse que os invasores tivessem tentando, com gosto, destruir o lugar. A batalha tinha sido bastante feroz. Mas o que incomodava mesmo eram as onipresentes marcas de sangue. Estavam em todo lugar.

Olhando de longe o prédio da sede parecia um pedaço redondo de pudim deixado no jardim, cercado por um mar de formigas vermelhas. Havia centenas, não, milhares de katómeros em volta do prédio. Estavam todos alinhados em colunas. Os da frente atacavam tentando romper um muro de sacos de areia erguido em volta do perímetro da sede, defendido pelos campistas. Os mais do meio faziam chover de tempos em tempos uma tempestade de flechas, muitas delas incendiárias. Nas linhas mais ao fundo havia minotauros vestidos como legionários romanos, lestrigões como soldados de infantaria, dois touros mecânicos, e até mesmo um gigante com jeitão abobado. Todos aguardavam sua vez de participar do cerco. E lá em cima, ubíquo no céu, estava o meteoro.

– Pelas barbas de Ymir – exclamou Jade – Eu sabia que seriam muitos inimigos, mas não tantos.

– É... tem o bastante deles para três temporadas de Walking Dead. Mas acho que podemos dar conta deles. – disse o menino inspecionando a lâmina da espada mágica. – Eu posso tentar abrir um caminho reto até a sede e entramos.

– Antes de planejar como derrotar nosso exército glorioso, menino, é melhor que você tente primeiro sobreviver.

A voz era estranhamente familiar. Oliver virou-se e viu uma Súcubo vestida com o uniforme de soldado grego. Atrás dela, seis colunas de katómeros aguardavam seu comando. Oliver esfregou os olhos. Ela sorria com a boca fechada, os lábios espichados de uma forma não natural como se estivessem imitando o Coringa na sua fala mais famosa: “why so serius”. As mãos terminavam em garras compridas, pintadas com esmalte vermelho-bombeiro.

– Você é aquela cosplay de Morrigan, do Darkstalkers, que eu e o Eric derrotamos na beira do rio, lá no Goiás. Os dentes já cresceram todos de volta? – caçoou o menino. – Caí pra dentro, banguela!

A Súcubo gritou de ódio e mandou os katómeros atacarem. Oliver sorriu ao ver que nem todos os dentes da boca do monstro haviam nascido de novo. As seis colunas de dividiram em duas hostes de filas duplas, cada uma atacando de um dos lados do flanco. Jade sorriu.

– Eu pego esses à direita e você pega os da esquerda. Quem terminar primeiro, ganha. O perdedor tem que cozinhar um jantar para o vencedor, vestido de empregado. – disse Jade sacando o arco e apontando para o primeiro Katómero.

– Não parece justo – disse Oliver apontando a mão para o grupo e fazendo com que pelo menos duas dúzias deles fossem arrematados para cima, como se a gravidade tivesse sido invertida com o triplo da força. Os corpos caíram no chão logo em seguida, espatifando-se como bexigas cheias de suco de groselha – mas tenho certeza que você vai ficar linda de uniforme de empregadinha francesa, me chamando de “Mestre Oliver”. – divertiu-se finalmente o garoto.

Jade sorriu de volta, e disparou seis vezes para cima. Alguns katómeros foram atingidos na cabeça e nos ombros e caíram no chão. Outras flechas acertaram apenas o chão. Nada muito impressionante. Na cabeça de Oliver a imagem de Jade como empregadinha francesa parecia cada vez mais perto da realidade. Isso até que a primeira explosão tomou o campo de batalha, seguida de mais cinco. Quando a poeira assentou metade da coluna de katómeros jazia em pedaços e a outra metade já se preparava para enfrentar a menina.

– Flechas com ponta de C4 – esclareceu Jade – nem todo mundo tem o poder de uma estrela na ponta dos dedos. Você vai ficar uma fofurice de mordomo latino. Com rosa na boca e tudo!

A batalha começou para valer. Para cada grupo que Oliver devastava com seus ataques manipulando a gravidade Jade parecia ter a resposta à altura, seja com suas flechas, seja com sua recém-descoberta super habilidade com a espada. Ela tinha uma boa vantagem porque não precisava se preocupar com ferimento algum. Os ataques dos katómeros a acertavam em cheio, mas causavam tanto estrago quanto pétalas de rosa jogadas delicadamente sobre a lataria de um tanque de guerra. O seu escudo era apenas um acessório para golpear inimigos que passavam do lado.

Oliver partiu para a luta com a espada. Manipular a gravidade era sim divertido, mas ele ainda estava aprendendo. Era preciso poupar energia, seja para a batalha contra a Súcubo, seja quando fosse enfrentar seu pai. Tanto ele quanto Jade estavam a ponto de dizimar suas respectivas colunas quando foram envolvidas por uma névoa densa. Os movimentos dos dois foram ficando mais lentos como se a névoa estivesse se solidificando. Oliver não pensou duas vezes e saltou para cima, empurrando-se pela força inversa da gravidade, deixando a névoa gelatinosa lá em baixo. Os Katómeros restantes e Jade estavam presos. Oliver manobrou no alto e pousou com alguma dificuldade. Logo que se virou foi atingido na nuca pelo golpe da Súcubo. Atordoado o menino sentiu suas mãos sendo algemadas para trás.

– Não se preocupe mocinho. Depois que eu cansar de brincar com você eu vou dar um jeito de maltratar a sua amiguinha – disse a Súcubo antecipando o momento que iria rasgar lentamente o peito do garoto com suas garras vermelho-bombeiro.

– Você não tem nem chance – disse Oliver confiante. – não vai encostar o dedo em mim.

– E que exército vai me impedir? – perguntou a Súcubo, pouco antes de ser jogada para cima pelo efeito da força gravitacional. Enquanto estava subindo a bruxa xingou e insultou o quanto podia, tendo certeza que aquele era apenas um contratempo. Foi só quando ela foi atingida pela clava de Eric e jogada com a força de uma bala de canhão em direção do solo que ela soube que seus dias na terra tinham chegado ao fim.

– Strike Um! – gritou Eric, flutuando de asas abertas segurando um tetsubô (um tipo de clava japonesa, feita de toda de ferro). Lá em baixo Nathalia esperava a Súcubo com sua nova moto-lobo. A Súcubo foi esquartejada e devorada pela moto-lobo antes que pudesse sentir dor.

– Este exército... – comentou Oliver enquanto Isabel o libertava e Lucas tratava de libertar Jade. – Este exército aqui.

Lá em cima, sentado na beira do meteoro, o pai de Oliver observava tudo com um par de binóculos. Quando o menino levantou o braço para o alto e mostrou o dedo médio os binóculos foram esmagados por Tomás Albuquerque. Se era guerra que o filho queria, ia conseguir.

Longe dali, em São Paulo, Jefferson Figueiredo estava terminando de fazer a peça encomendada pela Dra. Cassandra. Fazia dois dias que não saía de sua loja, na Avenida Jabaquara. De tempos em tempos ele parava e olhava a peça e pensava no que poderia fazer. Depois dava de ombros e continuava o trabalho. Se não fosse ele, quem poderia fazer aquilo?