Campo de Batalha

As coisas podem sair do controle no campo de batalha em pouquíssimo tempo. Oliver sabia disso. Treinara até a exaustão com Karina e nos momentos que tinha de folga via os treinos de elite do santuário. Três grupos especiais eram assim chamados de elite. As flechas douradas (a unidade de elite dos arqueiros de Apolo), o martelo escarlate (a unidade de elite dos berserkers de Ares), eram dois deles. Incrivelmente formidáveis. Mas nada se comparava minimamente a unidade mista dos lanceiros. Os caras fariam os soldados de Leônidas, do filme 300 de Esparta, parecerem recrutas. Lutar contra eles no campo de batalha era pedir para tomar uma surra. Coordenados como peças de um relógio suíço eles entravam e saiam do campo de batalha como máquinas absolutas de combate.

E agora lá estava ele, lutando contra os melhores que o santuário tinha para oferecer. Mas com uma desvantagem adicional: não poderia usar armas. Não podia arriscar ferir gravemente ou mesmo matar colegas que estavam apenas sendo enganados por Apolo e seus esquemas de dominação global. Sabia que além do treinamento diferenciado eles tinham o melhor que o chalé de Hefesto poderia oferecer em geringonças de guerra. Até o mais inofensivo membro do chalé de Hefesto poderia fazer com que “Q” (o criador de armas e equipamentos dos filmes de James Bond) parecesse um amador. As lanças hidráulicas poderiam passar de bastões de 40cm para lanças de até 4m de comprimento, com várias pontas afiadas – sem falar de um sem número de outras funções que ele nem desconfiava. Essas estavam carregadas com pontas de taser, ajustadas para atordoar – e não para fritar. Pelo menos Dezan parecia que estava se segurando também. Se não fosse o bastante estavam usando armaduras completas de bronze celestial (elmo incluso), além de um relógio-escudo, que o garoto suspeitava, poderia resistir facilmente a um disparo de canhão.

Eric foi um dos primeiros a cair. Ele tentou correr, aproveitando-se da sua incrível velocidade para romper a barreira dos lanceiros, mas eles se fecharam numa posição de defesa chamada “porco espinho”. Por pouco ele mesmo não se empalou nas lanças. Usando seu corpo como arma Nathália conseguiu deter dois dos lanceiros. Sua força e esperteza em combate dariam mais trabalho do que os outros. Oliver por sua vez recuava junto com Jade, arrastando a colega com dificuldade. Desde quando ela tinha ficado tão pesada?

Uma lança acertou o braço de Lucas. Ele gritou horrorizado quando o membro pendeu paralisado e sem força ao longo do corpo. A eletricidade da ponta das demais lanças se aproximava dele, crepitando no ar. O garoto caiu de joelhos no chão, chorando. Implorando que sua mãe, Deméter, intercedesse por ele. Implorava que aquela guerra, aquela loucura cessasse. Nathália jogou-se na frente dele, recebendo em seu peito a carga de três estocadas. A guerreira gritou de ódio e frustração antes do corpo ceder à torpeza da eletricidade. Ela caiu no chão, a boca entreaberta deixando escapar o suspiro aquecido de saliva convertida em vapor.

Alguma coisa quebrou dentro de Lucas. Ele assumiu uma postura de luta, com os punhos cerrados, enquanto entoava baixinho algum tipo de cântico ou mantra. As lágrimas em seu rosto secaram e sua pele começou a adquirir um tom amarronzado. Ele estava crescendo a olhos nus. Crescendo não... ele estava inchando, a pele crescendo e rachando, criando uma crosta como se fosse uma grossa casca de arvore. Não apenas isso: suas mãos estavam crescendo também, músculos convertidos em nós de galhos e troncos grossos. Seus cabelos foram convertidos em fios de samambaia e os pelos do rosto tornaram-se espinhos longos e finos como agulhas.

Uma das lanceiras levou a mão à boca contendo o grito de horror quando o garoto levantou. Ele parecia uma versão miniatura e mais brutal dos Ents do filme Senhor dos Anéis. O seu rosto estava congelado numa expressão fria e triste, como se ele tivesse usado alguma espécie de último recurso. Algo que ele estava arrependido de ter feito. Quatro lanceiros atacaram em formação atingindo o seu peito e disparando uma carga letal de eletricidade. Lucas não esboçou qualquer reação de dor. A eletricidade parecia fazer tanto mal a ele quanto água doce pode fazer mal a um peixinho dourado. O seu novo braço esquerdo, grosso como o tronco de uma nogueira simplesmente agarrou duas das lanças e com força sobrenatural as arremeteu para o outro lado da rua, levando consigo os dois lanceiros como bonecos de pano nas mandíbulas de um labrador brincalhão. Os dois bateram dolorosamente na parede de pedra de uma casa centenária, caindo desacordados em seguida.

– Reagrupem! – berrou Dezan – formação dupla cruzada!

Os lanceiros restantes se reagruparam em duas colunas coesas. Lanças à frente, intercalando posições entre a coluna da frente e a de trás, criando uma compacta parede de lanças. Qualquer coisa que chegasse perto seria devidamente estocada. Lucas caminhou na direção deles. Dezan aguardou, esperando que estivesse longe o bastante do monstro. Ele cruzou os braços sobre a cabeça, entrelaçando-os como se fossem uma trama, fazendo os dois braços se fundirem num único tronco caloso, flexível como uma serpente. Na ponta, as mãos juntas se encheram de espinhos e cresceram até ficar do tamanho de uma bola demolidora. Lucas girou o poderoso quadril fazendo a bola de espinhos girar no ar com um silvo agudo. Antes do fim da segunda volta ele desceu a bola sobre a parede dos lanceiros, despedaçando sua formação, como se uma bola de boliche derrubasse pinos – mas de forma estrondosamente dolorosa.

Dezan gritou e saltou para o lado, evitando por muito pouco o destino de seus colegas. Com um movimento ágil a sua lança encurtou e mudou a ponta. Ele apontou na direção de Lucas, esperando que os outros fizessem o mesmo.

– Em três, dois, um... fogo! – gritou o jovem enquanto uma torrente de fogo grego saia da ponta da lança em direção ao corpo arbóreo de Lucas. As chamas o atingiram em cheio, com força. Ele deu dois passos para trás, tentando proteger o rosto da torrente de chamas e começou a se debater. Os cabelos de sua cabeça, convertidos em folhas de samambaia, queimaram enchendo o ar com um desagradável cheiro de queimado. Quanto mais ele tentava abafar o fogo mais ele se espalhava pelo seu corpo. Lucas ainda reuniu forças para mais um ataque, mas o fogo finalmente o derrubou antes que completasse seu intento.

– Não! – o grito de Oliver ecoou pela rua enquanto sua espada surgia em sua mão e ele corria em direção aos lanceiros. – Saiam de perto dele, seus canalhas!

Oliver não sabia como, mas tinha que impedir que as chamas consumissem seu amigo. Ele sabia, quase que instintivamente, que semideuses e fogo não combinavam muito bem. Com um golpe seco ele explodiu a tampa de um velho hidrante vermelho, fazendo a agua jorrar uma dezena de metros acima. Usando a espada como tampão ele remanejou o jato na direção do corpo flamejante do amigo que quase não mais se movia no chão. Quando ele estava em vias de terminar foi atingido por uma lançada elétrica no peito. Ele caiu pesadamente no chão encharcado, a espada mágica desintegrando-se no ar. Ele ainda teve forças para olhar para cima e ver Dezan e seus soldados restantes à sua volta.

– Nada contra você Oliver. Estou cumprindo ordens. – Dezan parecia sincero em suas palavras.

– Os nazistas deram a mesma desculpa em Nuremberg, canalha – cuspiu Oliver antes de desmaiar.