Exilados e Caçados

A torre parecia se erguer infinitamente. Lucas, Nathália, Oliver e Isabel já tinham dado centenas de voltas nela e avançado mais de oitenta andares pelo menos, mas eles pareciam não sair do lugar. Era impossível saber o quanto tinham subido na verdade, uma vez que apenas a seção da torre em que estavam se iluminava. Acima e abaixo apenas o negrume da escuridão. Abaixo ainda havia o agravante dos sons de batalha, cada vez mais distantes, entre Apolo e o Cavaleiro Templário.

De tempos em tempos o negrume de baixo se iluminava num flash, como se fossem raios saltando dentro de uma nuvem de tempestade, mas sem emitir nenhum som. Subiram mais um pouco até que Lucas caiu de joelhos. Estava suado e muito cansado. Todos pararam por um segundo enquanto Isabel dava-lhe de beber. Cuidadosamente Nath colocou Jade no chão e Oliver apoiou a cabeça da amiga no seu colo. O silêncio entre eles era entrecortado apenas pela respiração ofegante de Lucas.

Jade continuava num estado semi-desperto, como uma pessoa que está acordando aos poucos de uma anestesia geral. Às vezes ela falava frases desconexas, mas na maior parte do tempo parecia fixar os olhos nas mechas de cabelo, outrora loiras e brilhantes.

Jade sentou-se apoiada nos braços fortes de Nath. Ela esforçou-se para sorrir, o rosto agora pálido iluminado pela luz difusa da torre de degraus de mármore banco. A filha do deus da guerra a olhava com uma estranha ternura. Não, ternura não era palavra. Era pena. Olhar para Jade era como olhar para um aleijado. Um corredor que perdera suas pernas, um pintor que perdera suas mãos, um cantor que tivera sua língua arrancada.

Oliver olhou a amiga com carinho. De certa forma os cabelos castanhos lhe caiam bem. Nunca tinha imaginado que sem os poderes de Apolo Jade teria cabelos castanhos ondulados. Eram escuros sim, mas floresciam com um brilho de esperança.

– Temos que continuar – sentenciou Lucas, olhando temerosamente para baixo. Não demoraria para a batalha entre Apolo, o pai de Jade, e o cavaleiro templário se encerrasse. – quanto mais tempo ficarmos aqui, pior para nós.

Jade sorriu ao ser colocada de volta às costas de Nath. Olhando de longe, degraus abaixo Isabel parecia ainda mais calma, seu semblante petrificado numa expressão que faria a “poker face” de Lady Gaga ficar envergonhada. Ela olhou triste para baixo quando constatou do que se tratava. O pai de Jade a havia retirado seus poderes e sua influência. Ela agora era uma deserdada. A esperança de que saíssem incólumes dali acabara de morrer. Em seu lugar, um desespero tão denso quanto a escuridão que os cercava acometeu seu coração.

Eric parou de correr. Estava longe o bastante da batalha. Olhou o que carregava nas mãos. Aquilo que tinha arriscado a vida, não apenas dele como a de seus companheiros para buscar. Tudo acontecera como Hermes descreveu. Bem, nem tudo, pensou o jovem. Não contava com a batalha com Apolo. Ou os ferimentos de Jade. Ele tirou da mochila um pequeno envelope de sedex dos correios e colocou o objeto dentro dele. Não era mais que um pequeno cilindro de ouro, não maior que uma caneta bic.

Eric não conseguia entender como aquilo poderia ser tão valioso, mas achou melhor não discutir com as ordens do seu pai agora. “Se eu tentar explicar tudo agora você não será capaz de entender. E mesmo que consiga, não temos tempo para isso. A ampulheta já está em movimento. Não temos um segundo a perder. Apenas faça o que eu peço e vamos ficar bem. Palavra de Hermes, palavra de pai”.

Ele selou o envelope e colocou um dracma por cima, bem onde deveriam vir os selos de postagem. A carta se iluminou num brilho esbranquiçado e sumiu, sem deixar restos para trás. A carta tinha partido, mas o peso na consciência permanecia. Ele sabia que estava fazendo a coisa certa, não sabia? A sua voz interior tentava convencê-lo disto, mesmo que ele não tivesse assim tanta certeza. De uma coisa ele tinha certeza: se descobrissem o que vinha fazendo, provavelmente não entenderiam também e pior, provavelmente o expulsariam do grupo.

Pouco depois Eric os acompanhou, mas mesmo ele não foi capaz de aliviar o clima ruim que os acompanhava. Por um lado isso era bom, pensava o semideus, pois assim ninguém suspeitava do que ele tinha feito.

Subiram por mais alguns minutos quando ouviram um terrível grito vindo do fundo do abismo. Seguido pelo grito duas nuvens de vapor brilhante passaram pelo grupo. Uma de cor azulada subia calidamente em direção ao topo da escada. Parecia emanar calma e paz, uma estranha sensação de dever cumprido. Nathália sobre em seu coração que estava vendo a alma do seu meio irmão erguendo-se para o merecido descanso nos Campos Elíseos. A segunda nuvem era brilhante, densa, quente, alarajada. Ela serpenteava no escuro como se tentasse agarrar qualquer coisa em seu caminho. Oliver e seus amigos tremeram quando a nuvem parou junto a eles e assumiu a face de Apolo, distorcida por uma série de feridas de batalha. Seu rosto se contorceu numa careta e depois se desfez em meio aos vapores que se elevavam.

– Estamos ferrados – deixou escapar Eric, sentindo os joelhos fraquejarem.

Subiram por mais algum tempo até que deram de cara com uma porta de ferro. Mas ela não tinha nada de medieval. Aprecia uma porta de manutenção, dessas corta-fogo, colocadas para saídas de emergência. Todos abriam caminho enquanto Eric forçava sua barra para baixo. O vento quente e úmido da capital cearense beijou-lhe o rosto enquanto ele desembarcava no alto do shopping del Passeo. A julgar pela lua e pela loucura de avisos do frank já passava da meia-noite.

Quando o último dos meninos passou pela porta ela tremeluziu e passou a ser uma porta comum, dando passagem à escada de incêndio. Restavam a eles descerem por ela novamente, mas pelo mundo mortal desta vez e ganharem o mundo. Afinal, não importavam as feridas, tinham uma missão a cumprir.