Ninguém tinha entendido nada. Pouca gente sabia quem era Astréia e mesmo os filhos de Atena, reconhecidos CDFs ainda estavam especulando se aquela era realmente a deusa das estrelas. “Mas a última vez que ela deu as caras foi ainda na guerra da titanomaquia”, “Ouvi dizer que ela se refugiou nas estrelas por que viu o futuro negro da humanidade e ficou com pena de nós”, “Esse deve ser o primeiro filho reconhecido dela em eras”, “Uai, onde é que ele vai ficar? Não tem chalé de Astréia…” foram alguns dos comentários que os grupos de campistas reunidos teceram quando os dois, Oliver e sua mãe, saíram em direção a área dos chalés.

Andaram em silêncio até que fizeram a curva em direção a área dos chalés. Ali, Astréia diminuiu seu brilho. Ela estava iluminada como uma árvore de natal, com quase três metros de altura, em toda sua glória e esplendor. Provavelmente seria o que os humanos chamam de roupa para impressionar. Aos poucos ela foi diminuindo, tanto de tamanho como de brilho. As roupas também mudaram, saindo do “toga grega” para a “mulher madura descolada do século XXI”: um vestidinho escuro, com motivos de estrelas, folgado, brincos em forma de lua nova e maquiagem leve. Sapatos pretos, femininos, combinavam com as pernas longas e brancas. Uma hora ela parou, olhou Oliver no fundo dos olhos deu-lhe um abraço longo e carinhoso.

Como Oliver esperou a vida toda por esse dia. Era o primeiro abraço que ele recebia da mãe – pelo menos era o primeiro abraço que ele se lembrava de receber. Era macio, quente e muito reconfortante. Ele não sabe quanto tempo ficou lá, o silêncio sendo cortado apenas pela respiração ofegante e emocionada dos dois. Algumas vezes ele sentiu o abraço da mãe afrouxar e isso apenas o fazia apertar ainda mais. Certa vez ele lera que felicidade é aquele momento que você não quer que acabe. Aquela era a felicidade. Ele se sentia feliz pela primeira vez na vida.

Finalmente Astréia afastou com firmeza delicada o filho. Mesmo em forma humana ela ainda era alta e majestosa. Ela se ajoelhou diante dele e começou:

– Em nome das estrelas, como você cresceu! Está lindo. Mais lindo do que nunca.

Oliver ficou sem jeito. Não se dava bem com elogios, especialmente os que soavam sinceros. E aquele soava mais que sincero.

– Você deve ter muitas perguntas, meu querido. Mas antes vamos até a minha casa – ou melhor, a sua casa. Lá conversaremos com mais privacidade. Para que lado fica o chalé de Astréia?

– Não acho que exista, mãe. Eu só vi chalés dos 12 deuses maiores.

A face de Astréia transfigurou-se numa careta, um misto de raiva, espanto e desgosto e depois de um segundo voltou a sua expressão serena e plácida.

– Estou sumida do mundo a tempo demais. Não me admira que alguns tenham me esquecido. Mas podemos consertar isso agora.

Ela enfiou a mão na pequena bolsa que surgiu amparada em seu ombro e de lá sacou um pequeno cristal, comprido e fino, do tamanho de uma caneta esferográfica. Ela jogou o cristal para cima, descrevendo um arco longo indo cair num pequeno lago que ficava nas costas dos chalés. Ao tocar a água o cristal expandiu-se em várias direções, formando paredes e várias formas. Ele crescia como um ser vivo, enorme e majestoso. Ao final parecia uma versão estilizada da sede da liga da justiça, mas feita de cristal multicolorido: as paredes e escadas feitas de material leitoso e opaco enquanto que janelas e portas feitas de linhas bem mais transparentes.

– Tenho certeza que Posseidon não vai se importar de que eu coloque sua casa lá. Temos uma boa relação, seu reino e o meu. Não se preocupe: ela é feita com diamantes que eu tirei de Júpiter. São virtualmente indestrutíveis – Por isso acho que você vai ter alguma dor de cabeça para abrir uma janela extra. – ela sorriu.

Oliver não sabia que havia diamantes em Júpiter ou que eles poderiam ser moldados daquela forma. Mas isso era apenas mais uma das coisas que ele não sabia. De certa forma Astréia estava certa: existia muita coisa que ele queria saber. Mas as perguntas simplesmente não se organizavam na sua cabeça era como se uma multidão enfurecida de perguntas tentasse passar ao mesmo tempo pela mesma pequena entrada individual.

Astréia fez menção de continuarem. Ela continuou falando:

– Eu fiquei tão preocupada com você, meu pequeno – ela pegou no braço de Oliver e inspecionou, como uma mãe cuidadosa que inspeciona as mãos do filho antes do jantar. A tatuagem em forma de estrela brilhou quente ao toque da sua mão. – Espero que tenha gostado da espada que lhe mandei de presente.

– É, ela é legal. – disse Oliver sem jeito.

– Ela é uma das armas mais poderosas do Olimpo. O trabalho dela é manter você vivo e a salvo. Ela vai emprestar seus poderes a você sempre que precisar, mas quanto mais habilidoso você se tornar menos ela vai precisar emprestar e dessa forma, mais poderosos vocês vão ser. Imagine como se ela fosse parte de você, uma pequena parte de mim que sempre vai estar com você, não importa o que aconteça. No final é como se você tivesse o poder de uma estrela na ponta de seus dedos. Foi forjada por Hefesto, com a minha ajuda – ela sorriu como se tivesse sido atingida por uma lembrança deliciosamente divertida – aliás, como será que o velho coxo está se saindo? Quando o conheci ele mal dava conta de martelar uma espada direito. Mas não acho que isso interesse a você, não é mesmo? Você quer saber e coisas mais “pessoais” não é mesmo?

Oliver engoliu um seco. Estavam quase a beira do lago, no espaço entre os chalés quatro (Atena) e cinco (Ares). Ele mal conseguiu concordar com a cabeça.

– Bom, por onde podemos começar?

Um relâmpago cegou os dois por um instante. Quando o brilho cessou viram que não estavam mais sozinhos. Ao lado deles estava um homem alto, já na beira dos cinquenta-sessenta anos, vestindo um terno Armani cinzento, com abotoaduras douradas em formas de raio. A gravata de azul intenso combinava com os olhos de mesma cor. Os cabelos grisalhos longos e meio ondulados, presos atrás da cabeça lhe emprestavam um ar sóbrio. A sua face parecia-se demais com um desenho que Oliver vira antes, na capa do jogo Age of Mithology II. Não havia dúvidas. Estavam na frente de Zeus, em carne, osso, divindade e raios em pessoa.

– Pai… – sussurrou Astréia, visivelmente consternada com a presença de Zeus. Seu corpo curvou-se para frente, a fim de prestar seus respeitos a seu Pai. Oliver mal teve tempo de ver quando o punho de Zeus acertou Astréia na altura do peito, jogando a deusa dezenas de metros em direção a água. O soco fora tão forte que ela quicou na terra e depois na lagoa duas vezes antes de desaparecer numa explosão de água.

– Sua desobediente! Os milênios de exílio nos céus não ensinaram nada a você? Você está proibida de pisar no reino da terra. – O relâmpago surgiu em sua mão, aumentando de tamanho até ficar do tamanho de uma lança longa – Eu deveria ter destruído você e toda sua soi quando tive chance.

Zeus parou um instante e fitou a casa de Astréia, no meio do lago. Sua face se contorceu de fúria e ele arremeteu o seu relâmpago recém-preparado contra a edificação. A explosão ribombou como seu o rei de todos os trovões tivesse caído ali do lado. Janelas quebraram e vidros trincaram nos chalés quatro e cinco. Mas apesar de todo o estardalhaço sonoro, nenhum arranhão transpareceu no cristão de diamante jupteriano. Zeus então voltou-se para Astréia. De alguma forma ela tinha dado um jeito de sair da água. Sua boca estava manchada de sangue. Ela cambaleava. Zeus arrancou do solo uma rocha e a ergueu sobre a cabeça com apenas uma das mãos.

– Vou mandá-la de volta para o céu, desobediente dama das estrelas, mas antes vou lhe dar uma surra que não vai esquecer pela próxima era.

Zeus ergueu a rocha novamente. Dobrou de leve o braço para trás e num brilho fugaz de luz azul a rocha foi reduzida a pedriscos. Zeus olhou para trás e viu Oliver, espada em punho, olhando fixamente para ele. Seu corpo estava envolto a uma luz azulada e seus cabelos ondulavam como se ele estivesse debaixo da água. A espada apontava diretamente para o pescoço de Zeus.

– Ora, ora, ora… se não é o fedelho das estrelas? Mostre respeito pelo rei dos deuses moleque, antes que eu reduza você e a imbecil da sua mãe a poeira cósmica.

Oliver não estava raciocinando. Ele não estava nem ao mesmo pensando. Ele era puro sentimento de raiva, revolta, desespero. Ele tinha encontrado sua mãe. O mundo voltara a fazer algum sentido e agora ele estava arriscado a perder tudo por que o cara da capa do Age of Mithology teve um acesso de raiva. Ninguém iria tirar sua mãe dele. Ninguém.

– Eu vou falar uma vez só. Afaste-se da minha mãe, ou…

– Ou o que? – Zeus empertigou-se, um relâmpago dez vezes mais brilhante surgindo em sua mão – o que você vai fazer? O que você pensa que pode fazer?

Astéron thráfsma! – gritou Oliver, quando da sua espada surgiu um raio de energia concentrado, tão forte e brilhante como ele jamais havia sonhado poder disparar.

Zeus cruzou os punhos sobre o rosto a fim de se proteger do disparo. Mesmo com os dois pés cravados no chão a força do disparo o arrastou quase uma dezena de metros. Seu terno Armani estava em frangalhos e a sua calça parecia que pertencia a uma coleção inspirada no look incrível Hulk de vestir. O raio cessou e o rei dos deuses olhou em volta, espantado. Ele não estava ferido, embora seus braços estivessem fumarando discretamente. Ele estava visivelmente espantado, seja com o fato de um meio-sangue ter levantado a mão contra ele, seja pelo fato do ataque ter sido tão impressionante.

A face de espanto deu lugar a expressão de raiva. Zeus saltou no ar, descendo com o punho pronto para esmagar Oliver. Entretanto o golpe encontrou apenas a terra nua. Zeus olhou em volta e poucos metros dali um rapaz segurava Oliver como se tivesse terminado de puxá-lo. Oliver não pode ver, mas reconheceu o toque veloz do amigo Eric.

– Valeu cara. – disse Oliver se recompondo – deixa-me apresenta vocês. Esse é Zeus, meu avô.

– Vem cá, você não cansa de arrumar confusão, não? E além do que, tecnicamente, ele também é meu avô. Olá senhor Zeus, vovô Zeus… É melhor que nos acalmemos a todos não é?

Zeus fez menção de atacar de novo quando ouviu uma voz chamá-lo. Era uma voz conhecida dos três. Hermes estava vestido a caráter quando falou:

– Pai celestial, cessa vosso ataque. Antes que o pior aconteça. Ainda podemos remediar a situação, eu imploro. – ele soava sincero e mesmo Oliver sentiu seu espírito de luta arrefecer. Só ali Oliver percebeu que seu amigo tremia e finalmente deu-se conta do acontecido. Ele tinha atacado o rei do Olimpo! Nada bom para um cara no primeiro dia de acampamento.

– Cala-te mensageiro. Esta luta não te pertence. Some antes que eu resolva voltar minha ira contra ti e contra os teus. – Zeus voltou-se para Astréia, relâmpago em punho. Ele ergueu o relâmpago e preparou-se para disparar, quando ouviu o grito de Hermes.

– Não me deixas escolha, Pai. Eu invoco o édito de Zeus. “Que nenhum deus erga sua mão contra outro, sob pena de encarceramento, numa prisão que apenas Zeus pode abrir!”

Zeus pareceu confuso por um momento, mas depois seu rosto se converteu numa expressão de espanto, como se ele mesmo tivesse percebido que estava cometendo uma grande bobagem. Grilhões de ouro surgiram em suas mãos e pés e ele foi envolto por uma luz dourada. Ele ainda tentou gritar, mas foi em vão. Num instante ele estava lá e no outro, tinha sumido.

Astréia estava recomposta, mas ainda curvada. Ela foi prontamente amparada por Oliver. Hermes sorriu ao ver a meio-irmã.

– Faz muito tempo mana. Desde quando mesmo?

– Desde muito tempo. – ela sorriu confiante – obrigado por manter sua palavra. E agora, o que foi que houve?

– O édito de Zeus. É novidade, você não conhece. Mas temos de ir ao Olimpo agora mesmo. Antes que uma guerra civil comece pelos atos impensados de Zeus.

– Não seria a primeira vez – Astréia suspirou – e quanto aos meninos?

– Ah, não se preocupe. Eu já falei com Eric tudo o que ele precisa saber para que as coisas se ajustem.

Num brilho de luz os dois sumiram. Oliver e Eric se olharam e só então perceberam a plateia de semideuses observando tudo em silêncio. Ia ser uma noite de muitas explicações ao conselho.