Finalmente chegou o dia em que eu iria para a faculdade. Eu estava ansiosa por essa nova fase da minha vida.

Meu pai ainda não havia se conformado totalmente com a minha mudança. Durante meses, desde que soube que eu iria para a Califórnia, papai tentou me dissuadir e quando viu que eu não desistiria, ele se lamentava e não escondia as lágrimas. Mamãe o consolava, dizendo que seria bom para eles ficarem sozinhos depois de todos aqueles anos, que eles poderiam viver uma segunda lua de mel e, quem sabe, fazer outros filhos. Papai ria e eu via seus olhos brilharem. Eu virava os olhos, fingindo descontentamento.

Meus pais tinham um relacionamento maravilhoso e um casamento dos sonhos de qualquer pessoa. Eles sempre me contavam sobre o seu amor. Meu pai dizia que fora difícil conquistar minha mãe. Ela negava dizendo que sempre o amou, mas que ele era muito teimoso, por isso, os dois ficaram separados tanto tempo. Eu ria da briguinha deles e ficava admirando os dois juntos. A maneira como meu pai olhava para a minha mãe, como se ela fosse a mulher mais bonita do mundo. E ele sempre dizia que ela era. Mamãe ficava vermelha e falava:

— Oh Ren, eu estou tão velha, gorda, mal humorada...

— Pryatama, você está mais linda do que nunca. E tão mal humorada quanto sempre!

Eu via fotos dos meus pais quando jovens. Eles tinham mudado um pouco. Mamãe ganhara um pouco de peso e alguns fios brancos em seus longos cabelos castanhos, o que eu achava muito charmoso. Papai ganhara algumas ruguinhas ao redor dos olhos azuis e também estava um pouco grisalho. Ambos continuava lindos.

Eu sonhava em ter um relacionamento como o deles, em encontrar um homem que me amasse e que eu pudesse amá-lo tão devotadamente quanto meus pais se amavam. Mas eu ainda não havia encontrado essa pessoa.

Minha mãe tinha a minha idade quando conheceu e se apaixonou por meu pai. Ele foi seu primeiro amor. Mas eu, já tinha conhecido tanta gente, e ninguém havia mexido comigo até aquele momento. A não ser uma vez, há muito tempo. Fora um amor de criança, sem qualquer significado. E havia acabado.

Agora, eu ia para a faculdade, e esperava encontrar o amor. Ou então, eu iria me realizar de outra maneira. Não tinha importância.

Meus pais e meu irmão acompanharam-me na minha mudança. Papai fez questão de irmos todos, usando o avião particular. Eu disse que deveríamos ir em um voo comercial, já que a viagem era curta, mas papai negou-se, dizendo que queria que nós ficássemos à vontade em nossos "últimos momentos juntos, como família".

— Ai pai não exagera! — Eu disse.

— Últimos momentos Ren? Que dramático. — Falou mamãe, rindo.

— Nossa pai, até parece que nunca mais vamos ver Kamala! Você não ficou assim quando eu saí de casa! — Criticou meio enciumado meu irmão Anik.

— Olha só o ciumento! — Papai jogou o braço sobre os ombros de Anik— Não fique com ciúmes meu lindo filho. — E lhe deu um beijo na bochecha.—Se eu pudesse, vocês nunca sairiam de perto de mim.

Assim que desembarcamos no aeroporto, um manobrista trouxe um carro até nós. Era um carro lindo, esportivo e espaçoso, azul, como os meus olhos. Eu sabia que era presente de meu pai.

— Papai, não precisava ter comprado um carro tão caro. Eu prefiro um mais simples.

— Minha filhinha merece o melhor.

— Não adianta reclamar filha, você sabe como seu pai é!

— Eu sei. Mas não pretendo ficar com este carro. Vou trocá-lo por um menor, mais econômico. Este aqui emite muitos gases tóxicos.

— Se você prefere assim, que seja. Mas já que ele está aqui, porque você não dirige até em casa?

Colocamos as malas no carro e nos acomodamos confortavelmente no veículo. O endereço da minha nova casa estava gravado no GPS. Eu me sentei no banco do motorista e guiei até lá. O carro de fato era ótimo, me vi tentada a ficar com ele.

Quando chegamos à casa, ficamos todos impressionados. Era simples, pequena, perfeita para se morar sozinho. Havia uma cozinha conjugada com a sala, um banheiro grande, com banheira e um único quarto. Os cômodos eram grandes e muito bem decorados, com móveis simples e cores claras, como eu gostava. A casa tinha pé direito alto, por isso era bem iluminada e ventilada. Agradeci a meus pais pelo presente perfeito que eles haviam me dado.

A despensa e a geladeira estavam cheios e nós estávamos com fome. Anik sugeriu que pedíssemos comida, mas mamãe se ofereceu para cozinhar.

— Não sei quando vou cozinhar para minha filhinha novamente.

Minha mãe era uma excelente cozinheira e fez meu prato favorito: Espaguete com almôndegas e, de sobremesa, os biscoitos de manteiga de amendoim com gotas de chocolate, que também eram os favoritos de papai. Nós comemos e terminamos de arrumar as minhas coisas. Meus pais voltariam para a casa ainda naquela noite, então Anik sugeriu que visitássemos Sohan.

— A casa dele é perto daqui papai? — Perguntou meu irmão.

— É sim. Mas eu não sei se ele já chegou.

— Já sim. Ele me ligou ontem e disse que estava na Califórnia desde o início da semana. Tio Sunil o trouxe.

— Então vamos lá. Faz tempo que não vejo Sohan. Estou com saudades dele. — Disse mamãe com um grande sorriso.

— Hã, acho que não vou acompanhá-los. Quero descansar um pouco e, já que Sohan é meu vizinho e que estudaremos juntos, eu ainda vou encontrá-lo muitas vezes.

— Tem certeza filha? seria educado ir até lá cumprimentá-lo.

— Tenho certeza mamãe.

Anik me lançou um olhar acusatório e um sorriso com o canto dos lábios, indicando que conversaríamos sobre aquilo mais tarde.

A família de Sohan e a nossa, eram ligadas por laços de afeto e amizade, mais fortes do que muitos laços sanguíneos. Nilima era neta do tutor de meu pai. Papai sempre contava que, ele e seu irmão Kishan passaram por momentos difíceis depois que seus pais morreram. Naquela época, o senhor Kadam cuidou dos dois e dos negócios da família, fazendo-os prosperar e tornando-os muito ricos. Tia Nilima ajudava Kadam e era como uma irmã para meu pai. Então, quando o senhor Kadam e meu tio Kishan morreram em um acidente, papai doou parte das ações para Nilima, tornando-a sócia das empresas Rajaram. Meu irmão e o filho de tia Nilima, têm seus nomes em homenagem ao tutor e ao irmão de papai: Sohan Kishan e Anik Kadam.

Quando éramos crianças, Sohan e eu éramos como irmãos. Por causa dos negócios, Nilima vinha sempre com a família aos Estados Unidos e nós também íamos sempre à Índia. Sohan e eu tínhamos a mesma idade e sempre brincávamos juntos. Anik era um pouco mais velho, mas brincava conosco, cuidava de nós e nos contava histórias. Sohan o adorava, como se Anik também fosse seu irmão mais velho. À medida em que crescíamos, nossa amizade foi ficando mais forte. Quando estávamos cada um em sua casa, nos falávamos e até brincávamos pela internet. Eu o adorava.

Quando tínhamos nove anos, houve um problema na sede japonesa das indústrias Rajaram, fazendo com que um dos sócios tivesse que instalar-se de forma permanente naquele país. Mamãe estava terminando seu doutorado, por isso, decidiu-se que Nilima e sua família iriam viver no Japão.

Sohan nunca fora muito dedicado aos estudos. Apesar de ser muito inteligente, ele preferia passar seu tempo na academia, treinando artes marciais com seu pai. Por isso, Nilima o matriculou em uma das escolas mais rígidas do Japão. Isso fez com que Sohan se tornasse mais disciplinado e muito mais ocupado. Nós não podíamos mais passar horas em frente ao computador, conversando com o outro. No início, nos falávamos apenas por algumas horas nos fins de semana. Estas poucas horas foram se encolhendo até tornarem-se um "oi" eventual. Nós não nos encontramos nenhuma vez, naqueles três anos. Eu estava com muita saudades de Sohan, sentia sua falta e queria muito vê-lo novamente.

Quando tínhamos treze anos, voltamos a nos ver. Tia Nilima tinha voltado para a Índia havia poucos meses e meus pais foram àquele país, ambos à trabalho. Eu estava ansiosa, louca para reencontrar Sohan. Meu coração disparava todas as vezes que eu pensava nele. Quando eu me lembrava do seu sorriso, eu sorria também. Eu não entendia direito o que eu sentia, mas comecei a achar que eu estava apaixonada.

Quando chegamos à casa de tia Nilima, Sohan não veio nos receber. Anik perguntou por ele e tio Sunil nos disse que ele estava na academia, treinando. Corremos até lá. Entramos no grande salão, cheio de armas, onde nós três costumávamos brincar juntos e vi Sohan de costas, girando habilmente um bastão. Anik chamou por ele.

Meu coração disparou quando ele se virou e sorriu. Sohan largou o bastão e correu até Anik, abraçando-o com empolgação:

— Anik! Como estou feliz em vê-lo! Faz tanto tempo. Sinto falta das suas histórias.

— Pois tenho ajudado mamãe em suas pesquisas e eu aprendi várias histórias novas. Vou contá-las todas a você.

Sohan soltou meu irmão e virou-se para mim. Seu sorriso largo diminuiu um pouco e seus olhos verdes encontraram os meus. Eu esperava que ele me abraçasse e dissesse que sentiu minha falta, como eu senti a dele. Eu esperava que ele me chamasse para treinar com ele, ou para ver sua nova coleção de alguma coisa, como ele sempre fazia, que me contasse suas novidades. Mas ele não fez nada disso.

— Como vai Kamala? — Perguntou formalmente, com uma mesura.

Senti meu coração se partir em dois. Meu amigo, uma das pessoas mais importantes para mim, a quem eu não via há anos e de quem eu morria de saudades, me tratou com frieza e desprezo. Senti meus olhos se encherem de lágrimas, mas levantei a cabeça com altivez, impedindo-as de caírem.

— Estou muito bem obrigada.

Sohan sorriu de leve e voltou-se novamente para Anik:

— Então Anik, o que você acha de uma luta, como nos velhos tempos?

Antes que meu irmão respondesse, eu pedi licença e saí apressada daquele lugar.

Depois disso, eu não procurei Sohan. Durante todos os dias em que ficamos na Índia, eu fiz questão de acompanhar meus pais em seus trabalhos. No início, fui com mamãe, mas não me interessei nem um pouco por história ou arqueologia. Então, fui com papai a uma reunião da empresa e descobri minha vocação.

Eu adorei todos aqueles números, gráficos, dados e especulações. Fiz muitas perguntas a papai, mesmo depois que chegamos em casa e quis acompanhá-lo no dia seguinte. Percebendo meu interesse, mesmo sendo tão jovem, meu pai começou a me ensinar sobre os negócios. Ele tentou ensinar a Anik, que não se interessou.

Agora, eu estava na faculdade e pretendia, depois de me formar, assumir os negócios da família, conforme o desejo de papai.