Na Manhã Seguinte

POV Natasha

Peguei mais um dos objetos para restaurar da senhora West, as peças de roupa para doar e confirmou o jantar para a família do Pavel. Fui novamente ao antiquário do Dimitri. Assim que entreguei o objeto ele começou a trabalhar.

— Eu não vou consegui - desabafei olhando-o

— O quê? - ele perguntou sem desviar o olhar do que fazia

— Não vou conseguir matar os West - fui mais específica

— Então não faça, posso tirar você daqui e te levar pro seu pai - ele falou me olhando

— Se eu não fizer, enviarão outro pra fazer - digo olhando-o - Preciso encontrar um jeito.

— Natália, você... - ele começou a falar mas o interrompi

— Eu preciso pensar um pouco - falei olhando-o - Volto depois para buscar a peça

— Sua mãe não concordaria com a sua missão - ele falou me fazendo parar e olhei por cima do ombro

— Minha mãe não está aqui - disse, coloquei a mochila nas costas e sai

Comecei a caminhar em direção a casa do Pavel, levando algumas peças de roupa, quando estava me aproximando da casa dele o vi conversando com alguns garotos da mesma idade.

— Pavel, quem era a aquela garota que você trouxe ontem? - um dos meninos perguntou

— Quem? - Pavel perguntou se fazendo de desentendido

— A ruiva, ela é linda - O outro garoto falou - Será que ela tem namorado?

— Não sei - O primeiro garoto falou - Mas se for, Pavel pode ter uma chance

— Vocês são idiotas - Pavel falou apoiado na parede

— Bom dia, rapazes - falei me aproximando e eles me olharam assustados por não terem me visto chegar - Está tudo bem?

— Sim, está tudo certo - Pavel respondeu rapidamente

— Poderia conversar com você, a sós? - pedi olhando-o, mas pelo canto de olho pude notar os amigos dele fazerem uma rápida troca de olhares

— Tudo bem, já estavamos indo embora - O primeiro garoto falou começando a sair acompanhado do amigo e murmurou um boa sorte.

— O que está fazendo aqui? - Pavel questionou

— É assim que se trata uma amiga? - perguntei olhando-o

— Desculpa - ele falou após um suspiro

— Sem problema - falei, abri a mochila e entreguei uma bolsa a ele - Toma, acredito que irão gostar.

— O que é isso? - ele pegou abrindo a bolsa

— Roupas, espero que com isso não precise roubar por um tempo - falei simplesmente

— Cala a boca - ele falou olhando em volta se certificando que não havia ninguém - Nunca fale sobre isso por aqui.

— Ficou nervoso? - perguntei com a voz carregada de ironia

— Não enche - ele rebateu revirando os olhos

— Antes que eu esqueça, meus pais querem conhecer a sua família - falei simplesmente - E estão convidados pro jantar na sexta.

Pavel me olhou, pude notar em seus olhos um misto de raiva e frustração.

— Leve isso embora - ele falou me devolvendo a bolsa

— O que? - perguntei sem entender

— Achei que fosse minha amiga - ele murmurou se afastando

— Como é? - indaguei sem entender a reação dele

— Eu não preciso que tenham pena de mim e da minha família - ele falou se contendo para não gritar e ri com sarcasmo

— Acha que estou com pena de você? - questionei após parar de rir

— Trazendo roupas, oferecendo um jantar na sua casa - Pavel falou me olhando - Porque mais seria?

— Por razões pessoais - respondi simplesmente, não iria admitir que estava tentando buscar uma redenção

— Que seriam? - ele perguntou incrédulo com a minha resposta

— São pessoais por uma razão, não acha? - rebati a pergunta sem me abalar

— Não preciso da sua caridade - ele falou firme

— Ótimo, porque não a tem - falei firme - Se eu quisesse fazer caridade teria chamado a policia no dia que tentou me roubar, pouparia sua mãe de um desgosto no futuro

— Olha como fala comigo - ele tentou se manter firme

— Ou o quê? - me aproximei dele, que automaticamente se retraiu intimidado - Vai me bater? Me ameaçar? Me diz, Pavel, o que vai fazer?

Ele permaneceu em silêncio enquanto me olhava, peguei a bolsa com as roupas e joguei para que ele segurasse

— Se quer ficar em silêncio, tudo bem - falei olhando-o - Tem o endereço da minha casa na bolsa, na sexta estejam lá ás 20h. Não faltem, não irá gostar de me ver irritada.

Ele permaneceu em silêncio, mas parecia não querer discordar de mim.

— Nos vemos na sexta, Pavel - disse e me virei voltando em direção ao antiquário do Dimitri.

Segui meu caminho pensativa. O que fazia pelo Pavel e pela família, não é caridade, não é por pena, só estou me iludindo enquanto os ajudo, tentando equilibrar minha própria balança de senso de justiça, terei me matar aqueles que me acolheram, aqueles que chamei de família, aqueles que foram e são tão importantes para mim. Me identifiquei com o Pavel, porque assim como eu, ele conhece o peso de se sentir responsável pelas pessoas que ama. Em poucos minutos eu estava no antiquário, assim que cheguei empurrei a porta e entrei.

— Onde estava, Natalia? - Dimitri perguntou assim que me viu entrar

— Fui caminhar, precisava pensar um pouco - falei simplesmente

— Em quê? - ele perguntou

— Em tudo - respondi simplesmente

— Vai mesmo fazer isso? - ele perguntou se referindo a minha missão me entregando a peça restaurada

— Eu tenho - disse sem me abalar e peguei a peça

— Você não precisa passar por isso, não precisa fazer isso - Dimitri falou novamente - Seu pai e seu irmão estão vivos, posso leva-la até eles.

— Eu já fui longe demais para desistir agora - falei firme

— Você não é uma pessoa má, Natalia - Dimitri falou me olhando nos olhos - Posso ver isso, você vai mudar de ideia

— Não se apegue a isso, vai se decepcionar se fizer - falei e me encaminhei em direção a saída

Voltei para casa dos West, ajudei nas tarefas de casa, continuei levando diariamente itens para restaurar no antiquário de Dimitri, não toquei mais no assunto da minha missão, o Dimitri também não fez questão menciona-lo, o que eu agradecia internamente, tentei descobrir mais sobre os meus pais biológicos, mas ele alegou que só contaria mais sobre eles se eu desistisse dos meus objetivos e fosse com ele. Dimitri me deu um prazo até a sexta para que eu me posicionasse definitivamente se iria ou não abandonar tudo e voltar para minha família. Ele me entregou um dispositivo, parecia um brinquedo, alegou que poderíamos nos comunicar com ele e não seria rastreado.

Infelizmente, os dias passaram muito rápido, não fui para o antiquário, precisava ajudar a senhora West a arrumar a casa para fazer as refeições, no meio da tarde, estava no meu quarto separando as roupas que usaria no jantar, já chega, preciso fazer isso hoje, não posso mais adiar, quanto mais eu demorar, mais será difícil acabar com isso, depois do jantar. Precis estar focada, por mais que a proposta do Dimitri de simplesmente largar tudo fosse tentadora.

Enquanto me preparava pro jantar, meu olhar revezava entre a mala e o dispositivo que estava sobre a mesa, minha mente a mil pensamentos por segundo. Ignorei tudo o que sentia e fui me arrumar, após um banho demorado e ter me vestido, sai do quarto indo em direção a cozinha, onde vi a senhora West mexendo em umas das panelas.

— Mãe, olha o horário, vai se arrumar, eu termino o jantar - falei me aproximando

— Não se preocupe comigo, querida - ela respondeu sem desviar o olhar

— A ideia do jantar foi minha, eu insisto - falei tirando a colher da mão dela - Vai se arrumar.

— Está bem, querida - ela falou secando as mãos - Obrigada.

— O papai e o Nando chegaram? - perguntei antes dela sair

— Estão lá em cima - ela respondeu e eu assenti

— Está bem - falei direcionando a atenção para a panela

Quando o jantar estava pronto, desliguei o fogo e comecei a colocar a comida em travessas de vidro com tampa para ficarem sobre a mesa.

— Porque está fazendo isso, Natasha? - o senhor West perguntou entrando na cozinha

— Na travessa é mais fácil de se servir - falei desconversando

— Sabe que não é disso que estou falando - Ele se aproximou, olhei brevemente pela porta me certificando que nem o Fernando e nem a senhora West estavam por perto - Você veio pra uma missão e resolve dar um jantar beneficente?

— Não começa com seus questionamentos, senhor West - falei olhando-o seriamente

— Isso não faz sentido, Natasha - o senhor West falou me olhando - Você é uma espiã.

— Eu sou uma arma - falei olhando-o friamente - Nos últimos anos fui treinada para isso.

— Exatamente, foi treinada pra fazer coisas desumanas - ele falou sério

— Me diz, senhor West, estou errada em querer preservar um pouco de humanidade em mim? - perguntei olhando-o, ele permaneceu em silêncio e sequei as mãos olhando pro relógio e desviei o olhar para ele - Nossos convidados podem chegar a qualquer momento, espero que consiga evitar comentários e olhares como esse durante o jantar.

Coloquei o pano pendurado e sair da cozinha, voltei para o meu quarto, me olhei mais uma vez no espelho, ajeitando a roupa, abri a minha mala e peguei o frasco com o sedativo, precisava fazer parecer um acidente e sabia exatamente como proceder.

Guardei o remédio na roupa e sai do quarto quando ouvi a campainha tocar, vi o Pavel e os pais entrarem enquanto terminava de descer a escada.

— Bem vindos - falei me aproximando deles - Já conheceram meus pais e meu irmão?

— Já, agora sei de onde herdou toda educação - A mãe do Pavel falou

— Muito obrigada - falei sorrindo - Por favor me acompanhem.

— Fiquem a vontade, irei por a janta - A senhora West falou

— Não essa noite mamãe - falei olhando-a - Sente-se, irei servi-los, quero que seja memorável para todos nós.

— Obrigada, querida - ela respondeu com sinceridade e se sentou a mesa da sala de jantar como os demais

Fui para a cozinha, peguei o frasco de remédio e derramei um pouco no creme de leite azedo, agitei para misturar e peguei a travessa funda que tinha Borscht (sopa de beterraba e tomate) e coloquei no centro da mesa.

— Não esperem por mim, sirvam-se enquanto trago o restante do jantar - falei olhando-os e retornei para a cozinha

Coloquei sobre a mesa o frango a Kiev, goluptsi e o draniki (panqueca de batata) o creme de leite azedo

O jantar fluía normalmente, a senhora West era muito comunicativa sempre mantendo um diálogo fluido e amigável com Pavel e sua família, após terminarmos a sopa, nos servimos do frango a Kiev e goluptsi, quando finalizamos nos servimos do Draniki, todos se serviram, mas apenas alguns colocaram o creme de leite.

— O creme de leite azedo foi feito pela Natasha - A senhora West falou me olhando com carinho - Tenho certeza que está delicioso.

— Só porque foi a sua receita, mamãe - falei olhando-a e sorri levemente

A frase dele foi o último incentivo para fazer todos se servirem do creme, eu coloquei no canto do prato me certificando de que não encostaria nas panquecas e comemos, depois de alguns segundos eles começaram a ficar sonolentos, mas seguiram com a refeição, peguei o guardanapo e limpei a boca me levantando.

O senhor West notou que não estava como eles, rapidamente ele levou a mão a boca e forçou-se a vomitar tudo.

— Pensou rápido, senhor West - falei indo na direção dele, enquanto as pessoas a mesa começavam a desmaiar

Mesmo tendo vomitado, ainda havia sedativo em seu organismo deixando os seus movimentos mais lentos e seu corpo mais fraco, ele se deixou cair da cadeira e foi se arrastando até a bancada, puxou a arma e tentou apontar na minha direção, simplesmente chutei a arma que parou de baixo de um dos móveis

— O que... tá... fazendo? - ele perguntou se esforçando pra não apagar

— Estou cumprindo a minha missão - falei e dei um soco deixando-o inconsciente

Com um pouco de esforço o coloquei novamente na cadeira que ele estava, poderia simular um homicídio doloso terminado em suicídio, recuperei a arma do senhor West de baixo do móvel, apontei primeiramente sobre a cabeça da senhora West, mas no momento em que eu ia puxar o gatilho, senti minha mão soar, meu pulso tremer e congelei.

— Não consigo fazer isso - murmurei soltando a arma no chão.

Dei alguns passos para trás e levei as mãos a cabeça, tentando controlar a respiração.

O que eu faço?

O que eu faço?

Preciso cumprir a missão, mas quero mante-los a salvo. Olhando as pessoas desacordadas a mesa, tive uma ideia, subi a escada correndo indo em direção ao meu quarto. Peguei o dispositivo que estava sobre a mesa e acionei.

— Natália? - Dimitri me chamou quando permaneci em silêncio

— Você disse que poderia me tirar do país e me levar a um lugar seguro, não é? - perguntei séria

— Sim - ele respondeu com firmeza

— Essa proposta poderia se estender aos West? - perguntei simplesmente

— Claro - ele respondeu simplesmente

— Você tem trinta minutos para chegar aqui - falei simplesmente e coloquei o dispositivo sobre a bancada novamente

Peguei uma seringa, coloquei o sedativo e apliquei outra dose do remédio nos West e nos convidados.

Olhei o Pavel e os pais inertes e me aproximei. Tinha que por aqueles três em outro lugar, depois de muito esforço consegui. Fui até a cozinha, peguei uma faca de carne e voltei para a mesa, me aproximei dos três e após murmurar um sinto muito, retirei uma evidência física dod corpos. Estava na sala de jantar quando ouvi as batidas na porta, quando abri o Dimitri entrou.

— Porque eles estão desmaiados? - ele perguntou olhando-os

— Porque ia mata-los, mas não tive coragem - respondi simplesmente - Temos que tira-los daqui. Rápido.

Dimitri assentiu, fomos até eles, Dimitri olhou para as mãos deles, mas não comentou nada e nós colocamos os West no carro dele.

— Volto em alguns minutos pra te buscar - Dimitri falou fechando a porta

— Quando voltar, não estarei aqui - falei e ele me olhou

— Como assim? - ele questionou

— Não cumpri o meu objetivo - falei e ele me olhou incrédulo

— Se voltar sem matar os West, você morre - Dimitri falou me olhando

— Eu sei me virar - falei olhando-o - Só os tire daqui e entregue essa carta a eles quando estiverem em segurança.

— E quanto a sua família, Natália? - ele perguntou me olhando

— Irei ve-los em breve - falei simplesmente - Só preciso terminar o que comecei

— Ainda pensando na vingança? - Dimitri falou me olhando

— Já paguei um preço muito alto para estar aqui - falei simplesmente - Passei por coisas que não desejo a mais ninguém, agora que sei quem são os desgraçados que mataram a minha mãe, tenho que fazê-los pagar.

— E o que fará depois? - ele perguntou

— Pretendo ver minha família novamente, todas as duas - falei olhando os West - Se ainda estiver disposto a me ajudar a sair daqui quando tudo acabar.

— Tudo bem, sabe como me encontrar - ele disse e foi em direção a porta do motorista - Até, Natália.

Apenas assenti e ele saiu me deixando sozinha em frente a casa que um dia chamei de lar.