Anne tomou um banho e vestiu sua roupa de agente da SHIELD e Vingadora. Os outros esperavam para conversar com ela. Assim, enquanto se trocava, Anne observou-se em um espelho. Ela parecia, de alguma forma, mais atlética... Sentiu que seu corpo tinha mudado nesses três dias que dormira após ter sido curada.

Ainda não tinham contado a ela como isso ocorrera. Natasha apenas disse que ela fora curada de uma maneira difícil, e que poderia ter consequências. Quando Anne perguntou que tipo de consequências, Natasha desconversou e disse que elas falariam sobre isso mais tarde. Anne ainda não sabia como tinha sobrevivido. Mas sentia-se forte como nunca.

Sentia que estava mais ágil, veloz, forte e esperta do que quando adquirira seus próprios poderes. Ela notou isso quando acordou. Levantou-se rapidamente, não teve dores de cabeça e nem tonturas, como sempre tinha quando se feria. Não sentiu nada disso. Notou até que seus reflexos estavam mais rápidos, de alguma maneira. Seja lá o que tivessem aplicado nela, a deixara ainda mais poderosa e fatal. Ela sentia isso.

Observou também seu cabelo e suas feições no espelho. Ela poderia estar exagerando ou estar um pouco animada demais com toda aquela situação, mas pareceu notar traços diferentes. Seus cabelos pareciam levemente azuis, e ganharam um volume que realçava ainda mais os cachos. Os olhos pareciam levemente mais astutos, os lábios inclinavam-se em um sorriso irônico, que fez com que ela se lembrasse de Loki... A expressão dela estava maligna, perversa... O que tinha acontecido com ela? Anne rapidamente jogou água em seu rosto e observou-se novamente no espelho. Deveria estar ficando louca. Ela estava imaginando coisas porque estava animada demais com a segunda chance que recebera. Devia ser isso.

Ela respirou aliviada quando deixou o banheiro e pôde caminhar com tranqüilidade até a Sala de Reuniões, indo encontrar os outros Vingadores e ter sua curiosidade finalmente saciada.

- Loki? Mas... Como? Por quê? – Disse Anne, surpresa.

Todos estavam reunidos entorno de uma mesa na sala de reuniões do segundo andar do Palácio de Asgard. Nick Fury tomou a liberdade de iniciar a discussão e contou, de uma vez só e sem interrupções, como Anne fora curada. Contou que ela recebera poder diretamente de Loki, e que por isso seu corpo tinha se adaptado ao veneno. Loki tinha passado essa imunidade para ela. Porém, ela ficara dependente de transfusões sanguíneas para o veneno permanecer adormecido.

Tudo isso, conforme ia sendo dito, fazia a expressão de Anne oscilar entre curiosidade e incredulidade. Como Loki poderia tê-la salvado dessa maneira? Ela não entendia. Obviamente, ficou contente. Loki lhe dera uma segunda chance de sobreviver, e isso a deixou temporariamente animada. Em seguida, lembrou-se de quem era Loki.

O deus jamais teria feito isso de graça. Loki devia ter visto alguma vantagem que superava o fato de ele precisar doar parte de seus poderes. O deus devia saber que, de alguma forma, ao doar seus poderes para salvar Anne, ele se daria bem. Passasse o tempo que fosse necessário passar. E isso conseguiu deixar Anne confusa. Não necessariamente irritada, mas confusa certamente. Naquele momento, além da alegria por estar viva e da natural desconfiança, o resto que sentia era um misto de sensações indefiníveis.

- Não sabemos a resposta. – Disse Fury, batendo os punhos na mesa. – Meu trabalho é manter os Vingadores vivos. Você está viva. Não me interessa porque Loki fez isso. Não devia interessar a você também. O que você e Loki têm a ver?

Tony Stark riu de maneira abafada. Anne o repreendeu com o olhar.

Depois de passar alguns minutos conversando com os Vingadores, Thor chamou Anne. Ele lhe disse que, caso ela desejasse falar com Loki, o deus da trapaça a esperava no quarto dele.

Anne não via como isso poderia responder todas as suas perguntas, mas decidiu tentar. Afinal, o deus da trapaça lhe devolvera a vida.

- Sabia que viria. – Disse Loki, que estava parado à janela. Era um fim de tarde, então a luz que entrava no quarto era pouca e pálida. A cortina de linho estava semicerrada.

Anne fechou a porta com cuidado. Entrou vacilante e não se aproximou muito do deus, sem saber direito o motivo. Ela falou hesitante:

- Eu tenho que te agradecer. Primeiro, pelas tardes que você passou comigo quando eu estava... Mal. E também por... Doar-me seus poderes. Você salvou minha vida.

- Percebo o quanto é difícil pra você admitir isso. Agradecer a mim, um mero traidor... – Disse Loki sarcasticamente. Ele virou-se e encarou Anne pela primeira vez.

- Já conversamos sobre isso. Decidimos esquecer o que você já fez. – Anne comentou, avançando dois passos. Eles olharam um para o outro durante um tempo.

- Você conseguiu me surpreender de novo, deus da trapaça... – Ela continuou falando.

Agora eles estavam frente a frente. Ao mesmo tempo em que estavam tão perto, Anne nunca sentiu Loki tão distante. Os acontecimentos complicados estavam voltando para assombrar os dois. E Anne estava decidida a não deixar isso acontecer.

- Eu sou bom nisso. Mas não ouse achar que foi a última vez... Sempre serei capaz de surpreender você, Senhorita Stein. – Afirmou Loki, com seu sorriso de lado característico e os olhos verdes lampejando.

- Pode começar contando porque me salvou. – Alfinetou Anne, curiosa para saber dos motivos do deus.

Loki pegou as mãos dela num gesto repentino. Anne teria se assustado, não fosse seu reflexo agora excepcional. Loki falou mansamente, como se quisesse que cada palavra ficasse muito bem explicada para Anne:

- Sei o que deve estar pensando. Ora... Eu já lhe disse várias vezes. Não suporto a ideia de ver você sofrer. Quando você tinha os pesadelos, eu acalmava você. Quando todos me desacreditaram, pude ver que você tinha fé em mim. – Agora Loki parecia quase transtornado. Ele gesticulava conforme ia falando, intensificando suas expressões. - Eu... Eu simplesmente não suporto a ideia de não ter você perto. Estou a ponto de dizer que...

- Dizer o que? – Provocou Anne, prevendo o que poderia sair da boca do deus. Loki agora estava tão perto dela, que ela podia sentir aquele ar fresco e gelado que soprava dos lábios dele.

- Quem sabe, eu tenha salvado você por que... Gosto. Gosto de você, assim, talvez. – Falou Loki, sorrindo misteriosamente.

Até agora, os olhos de Anne e Loki nunca estiveram em tanta sintonia e sincronia como naquele momento. Loki não precisou continuar, nem deixar mais claro. E Anne não precisou dar uma resposta, ou continuar a falar. O olhar deles resumia tudo. Anne não podia acreditar no que ouvia. Sabia que era o mais perto que chegaria de uma possível declaração do deus. E finalmente ela se deu conta. Ela retribuía esse sentimento. Ela gostava de Loki, e Loki dela. Por ora, isso bastava. Eles não precisavam complicar tudo isso com relacionamentos sérios ou espalhando isso para os outros. Eles se gostavam, e isso dizia respeito a eles apenas. Não havia Blackout ou prisioneiro de guerra buscando vingança... Eram apenas duas pessoas que se gostavam. Anne e Loki não iriam dificultar nada. Deixaram os sentimentos e os desejos falarem mais alto.

- Nesse caso, talvez eu também goste de você... – Ela falou, e Loki aproximou-se ainda mais.

Os corpos se encostaram, e Loki passou um braço pela cintura de Anne. O outro, ele manteve no ar, envolvendo a mão direita dela. Loki se sentiu bem.

Ele nunca havia sentido isso antes em toda sua vida.

Ele podia dizer que, sim, gostava de Anne. De alguma forma, naquele momento, ele percebeu que esse toque de mãos valia mais do que um tiro disparado a um inimigo... Loki percebeu o quão rica podia ser essa experiência de viver por alguém. De se preocupar com alguém... Ele se sentia completo. Saber que olharia para frente e encontraria os olhos vívidos de Anne o fazia se sentir melhor. Ele sentia que, ao ter certeza de que teria Anne ao seu lado, a solidão ou a vingança não importavam tanto.

- Duas surpresas em uma única tarde. Você andou treinando? – Perguntou Anne, ao que Loki lhe beijava o pescoço suavemente.

- Não imagina quanto. Só não quero que pense que te salvei por interesse. Quando digo que gosto de você, estou sendo sincero. Não só com você, mas sincero comigo mesmo. – Disse o deus da trapaça pausadamente, enquanto parava de beijar Anne.

- Eu acredito em você. – Disse Anne, sentindo que arrepiava. - Como posso agradecer por ter me salvado?

Loki segurou os cabelos de Anne entre os dedos e voltou-se para encará-la. Um sorriso de malícia perpassou por seus lábios finos. Ele falou:

- Ficando parada.

E tornou a beijar Anne, dessa vez nos lábios. O beijo não tinha tom de despedida, como outrora. Tinha um tom de urgência. Loki encaminhou Anne delicadamente até sua cama, de modo que ela ficasse no colo dele. Loki tinha uma mão na cintura de Anne e outra ao redor da nuca dela, onde ele sabia que ela tinha arrepio. Loki conhecia quase todos os pontos vulneráveis de Anne e se sentia satisfeito cada vez que sentia a pele macia dela se arrepiar sob seus dedos.

E Anne tocava Loki no peito, delicadamente tirando o sobretudo dele. Com a mão livre, ela bagunçava os cabelos do deus.

Então, Anne compreendia. Agora, percebia. Era Loki quem despertara pesadelos nela. O deus da trapaça originava as torturas noturnas dela. Porém, isso era até involuntário. Ele sempre vinha salvá-la e afastá-la desses pesadelos. Ele era a mão que batia, depois assoprava. E isso tudo parecia ocorrer apenas dentro da mente de Anne. Um sonho dentro de um sonho, porque ela nunca presenciara Loki abraçando-a como ele afirmara naqueles tempos... Mas imaginava aquilo todas as noites, sonhando com a certeza de que o deus a visitaria em sua mente para fazê-la ficar bem. Porém, a ideia de Loki se distanciar dela a incomodava. Não mais podia se distanciar dele ou sequer permitir isso.

E Loki também percebera. Não sabia se a profecia sobre Anne estava totalmente completa, ou se era apenas uma parte. Mas Anne lhe trouxe, sim, a dominação. Loki aprendeu a dominar a si mesmo. Anne, como descendente de Licht ou não, trazia luz dentro de si. Ela era o oposto de Loki, que era só trevas. Anne significava a esperança de redenção para o deus da trapaça. Sempre estivera escrito: A luz, Anne, viria e, por meio da paixão, poderia salvar Loki da obscuridade. Mas isso eram apenas suposições... Nada era previsível assim.

Quando eles estavam daquela maneira, abraçados, no calor do momento, beijando-se apaixonadamente, Loki falou, sussurrando de maneira sedutora:

- Uma vez, eu disse a você que queria que se tornasse meu sonho. Estava errado. Seja minha realidade, Anne.

E tornou a beijá-la. Os corpos iam sugestivamente se encontrando e deslizado pela cama espaçosa do deus da trapaça.

- Então é assim... Eu e você... – Disse Anne, murmurando no lóbulo da orelha de Loki.

- Aqui, e agora. – Confirmou ele, envolvendo Anne novamente em seus braços, nos seus beijos e carinhos fascinantes. Anne e Loki se entregaram um ao outro, perdidos no êxtase do momento que vivenciavam, agora definitivamente pertencendo um ao outro.

- Tem certeza, Clint? – Perguntou Anne.

- Sim. Não se preocupe com suas coisas. Fury mandou arrumar tudo. Creio que elas já foram mandadas para a Terra por meio do anel-portal de Thor. – Comentou Clint, cujos olhos moviam-se para todas as direções. Realmente, hábitos de gavião.

O fato era que Anne, após passar a noite com Loki, acordara e fora se arrumar. Quando Anne saiu do quarto, não se despediu do deus, mas sabia que ele não estava dormindo. Ao chegar a seu quarto, não encontrara nada além de uma muda de roupas. Depois, quando encontrou os Vingadores, ela descobriu que eles iriam partir. Deixariam Asgard em questão de minutos. Agora, todos estavam reunidos na frente do Palácio, aguardando somente a chegada de Fury.

- Está tudo bem, Anne? – Perguntou Steve, parecendo preocupado.

- Estou... Só queria me despedir de uma pessoa. – Ela comentou. Sentiu que Steve não a julgaria por isso.

- Vá. Eu cubro sua ausência. Mas chegue antes de Nick voltar... – Disse Steve, dando tapinhas nas costas dela.

- Obrigada, Capitão. – Anne sorriu.

Então, ela correu diretamente para o quarto de Loki, infeliz pelo motivo que a levava a fazer isso.

Bateu na porta duas vezes e entrou. Hesitou um pouco, temendo encontrar o deus em trajes íntimos, mas percebeu que, depois do que acontecera, isso não fazia o menor sentido. Ela entrou e se deparou com Loki totalmente vestido, olhando para ela por meio do reflexo de um espelho.

- Achou mesmo que eu deixaria você partir sem se despedir de mim? – Disse Loki, irônico.

Ele estendeu os braços e Anne correu até ele, encostando sua cabeça no peito do deus. Loki a abraçou, e sentiu o quão aflita Anne estava.

- Quando você estava envenenada, descobri que não gosto de despedidas, Senhorita Stein. – Disse Loki, encarando Anne nos olhos. Não queria que ela chorasse.

Anne riu, embora o desespero estivesse estampado em seu rosto.

- Você sabe que isso é apenas um “até logo”, não sabe? – Perguntou Loki, erguendo o queixo de Anne para poder encará-la novamente.

- Sei... Mas não quero deixar você. – Ela falou, tentando parecer séria. A qualquer momento uma nova lágrima podia escapar pelos seus olhos.

Loki sorriu, inclinando os lábios e exibindo seus dentes brancos:

- Não vai me deixar. Meu poder está percorrendo seu corpo a todo o momento. Uma parte de mim vai estar percorrendo seu corpo o tempo todo. Por muito tempo.

Um beijo se seguiu.

Não tinha um tom de despedida, embora o fosse. Tinha, como Loki dissera, um tom de “até logo”.

- Até mais. Agora, vá. Não irrite o Fury com sua demora. Ele poderia esquecer você aqui comigo... – Provocou Loki.

- Ora, deus da trapaça... Mude, por favor. – Loki sorriu. E Anne finalizou, olhando significativamente para Loki e fazendo-o se lembrar do beijo que tiveram em meio à chuva e à batalha.

Ainda poderiam repetir muitos beijos como aquele.

A viagem de volta à Terra transcorreu bem. Todos se reuniram nos jardins e aguardaram a chegada de Fury, que veio com mais agentes da SHIELD. Todos se despediram de Odin, de sua esposa, e de alguns chefes de guerra asgardianos. O deus asgardiano supremo, Pai de Todos, agradeceu a ajuda e afirmou que manteria contato. De alguma forma, parecia ontem mesmo que Anne desembarcara ali.

Essa atmosfera dourada de uma nova manhã, resplandecendo sobre construções de marfim, ouro e pedras preciosas... Essa atmosfera dourada parecia deixar tudo com mais jeito de sonho. E agora, ela teria que partir. Ela se sentia como se estivesse voltando para o mundo real. E de fato estava.

A última coisa que Anne viu, antes de girar no tornado vermelho do anel-portal de Thor, foi Loki na janela, a expressão indecifrável de alguém que jamais mudaria.