Loki estava em seu quarto, depois de um jantar particularmente tedioso. Estava deitado em sua cama confortavelmente, odiando cada minuto que passou no chão de pedra daquela cela estúpida. Ficou observando que havia outra cama em seu antigo quarto, mas sem saber o motivo disto. Ficou com uma impressão ruim ao ver que na cama do outro lado havia um uniforme da SHIELD cuidadosamente dobrado.

Talvez os pais tivessem modificado o quarto para evitar lembranças de Loki, ele não sabia direito... Também não soube explicar porque pensou em Anne assim que adentrou aquele recinto.

E então, como se seu pensamento se materializasse bem a sua frente, Anne apareceu, abrindo a porta com uma agressividade desnecessária.

- O que faz aqui? – Perguntou Loki, irritado, levantando-se abruptamente.

- Más notícias, senhor deus da trapaça. Vou dividir o quarto com você. – Anunciou Anne, transtornada. Ela pegou seu uniforme de cima da cama e observou ao redor.

O quarto era bem parecido com o de Natasha, só que mais espaçoso. Em um guarda roupa entreaberto, Anne viu algumas malas pretas de couro e deduziu que eram coisas para ela deixadas por Nick. Bufou.

- O que? – Disse Loki, interrompendo seus gestos. – Mas esse é o meu quarto...

E então Loki parou, estático. Sentiu uma leve descarga elétrica percorrer-lhe o corpo. Então era isso. Os deuses queriam que ele lá ficasse, sem sequer poder protestar...

- Lamento, mas são as ordens. Não pense que fiquei contente em... Passar a noite ao seu lado. – Falou Anne significativamente.

Ela fixou seu olhar nos olhos verdes e vítreos de Loki. Havia muito mais em sua fala do que simplesmente aparentava haver. Loki percebeu que Anne também sabia algo sobre o motivo daqueles pesadelos... Talvez ela já imaginasse que Loki tivera algo a ver com aquilo, de certa forma.

Então, Anne saiu de lá com o uniforme em mãos. Ela foi até o quarto de Natasha e trocou-se lá, deixando o vestido branco onde o encontrara. Não queria trocar de roupa com o deus em seu quarto... Além disso, Loki a olhou daquele jeito sinistro. Anne teve a sensação de que o deus se importara demais com o fato de ela ser uma possível descendente do Reino de Licht.

Ou pelo menos, ele se importara mais do que ela. Era típico. Loki devia estar interessado nos poderes de Anne, no que ela era capaz de fazer... Já devia até mesmo desconfiar da natureza dos poderes dela. Enfim, já trocada e um pouco mais calma, Anne saiu e encontrou os colegas de equipe no Salão Principal.

Eles seguiram para o lado de fora, passando por toda a lateral do Palácio e chegando até uma área coberta, repleta de armamento pesado. Era como um gigantesco acampamento de guerra afastado estrategicamente do Palácio.

- Ainda bem que tirou o vestido, Senhorita Stein. – Disse Tony, brincando com ela.

Desse modo, eles passaram a tarde toda treinando com armas, lanças, arcos, e flechas asgardianas. Natasha e Clint adaptaram-se com facilidade à maioria das armas. Steve gostou mais de alguns fuzis e Tony preferiu testar sua armadura nova. Thor não precisava de treinamento, então ajudou os outros Vingadores a manusearem os equipamentos. Banner achou melhor não invocar o Hulk e por si só, não gostava muito de treinamentos. Limitou-se a ficar em um laptop procurando assinaturas energéticas de Jotuns próximos.

Havia também alguns Oficiais ajudando nos treinos e voluntariando-se para pequenos duelos. Alguns foram emocionantes, como o que Natasha travou com um dos oficiais. Ele, que parecia não acreditar no potencial de Viúva Negra, acabou levando minutos para se recuperar depois de levar um chute doloroso. Até mesmo Nick juntou-se ao grupo e estava tentando manusear umas lanças. A situação atual deveria ser mesmo grave, ao ponto de Fury se sujeitar a treinos coletivos.

Já Anne perdeu todos os duelos em que participou. Não estava com cabeça para aquilo, de modo que mal se esforçou. Sentiu que precisava de uma boa noite de sono, mas só de pensar no fato de pesadelos aparecerem, desistiu. Não havia escapatória, de um jeito, ou de outro.

Já eram mais ou menos seis horas da noite. Ainda estava claro e haviam se passado dois dias desde que eles chegaram a Asgard. Anne observou a paisagem dourada do lugar e maravilhou-se como se fosse a primeira vez.

Só havia ela naquele galpão. Todos já tinham se retirado. Anne preferiu ficar e treinar mais um pouco, uma vez que não conseguira se concentrar durante a tarde. Então, ela começou a mexer no laptop de Banner. De alguma forma que ela nem era capaz de imaginar, Banner conseguira algum meio de entrar na internet. Ele pegou algumas fotos dos irmãos de Anne para que ela pudesse ver quando tivesse vontade. Anne nunca poderia agradecer a ele tamanha gentileza.

O laptop estava em uma das mesas e Anne de pé, fitando o sorriso jovial e travesso de Andrew e a expressão séria, porém feliz, de Alexander. Quase chorou, quando foi interrompida:

- Qual desses é seu pretendente? – Uma voz gélida soou atrás dela.

Anne já estava quase acostumada com isso. Passado o susto inicial, virou-se e confirmou o que deduzira: Loki.

- Nenhum. São meus irmãos. – Contou ela, engolindo o pranto.

- Irmãos? – Disse Loki, surpreso. – Achei que fosse mais... Solitária.

Anne desligou o laptop com medo de que Loki prestasse atenção demais nos seus irmãos.

Virou-se e viu que o deus brincava com sua lança, fazendo movimentos de luta.

- Pra que veio aqui? – Perguntou ela.

- Odin me mandou treinar porque prevê um ataque dentro de alguns dias. Por que a pergunta, Senhorita? – Disse Loki, ironicamente. Pronunciara Odin com uma repulsa que incomodou Anne.

- Eu também preciso treinar. – Disse ela, pegando uma lança que estava em um suporte.

- A senhorita me acompanha em um duelo? – Convidou Loki, curvando-se pateticamente.

Anne parou um tempo para refletir antes de responder. Loki era um deus. Isso era o suficiente para ela temer um duelo. E de fato temeu, não podia negar isso. O que a confortava era que tinha a sensação de que Loki não queria machucá-la. Ela sentia que o intuito dele não era esse. Seu sexto sentido estaria errado?

Mas, como ela aproveitava o presente e viu uma boa oportunidade de conhecer os pontos fracos do deus, Anne aceitou:

- Claro, Loki. – Confirmou ela.

E seguiu-se uma luta ferrenha.

Loki estava com sua lança e Anne com a dela. Ela já treinara combates assim antes, na SHIELD. A maioria dos golpes foi travada e a luta estava equilibrada. Anne investia pelas laterais, mas Loki mal movia o olho e defendia-se com precisão. Ele atacava mais de frente, e Anne se esforçava para conseguir se desviar da maioria dos ataques. Tudo pareceu mais uma dança descompassada.

O que fazia Anne perder a luta, contudo, era a resistência e os reflexos divinos de Loki. Não havia treinamento contra isso. Loki era um deus com habilidades específicas. Anne teria de lidar com isso.

- Sente saudade de seus irmãos? – Perguntou Loki inesperadamente. Ele sequer suava.

- Claro que sim. Por que não sentiria? – Respondeu Anne, ofegante. A luta não parara.

- Não sabe nada sobre irmãos. Nunca viveu à sombra dos seus. – Disse Loki, ressentido.

Se Anne estivesse mais atenta e esperta, poderia tê-lo desarmado. Mas ficou surpreendida com o que ele falava.

- Eu sei da sua história, Loki. Talvez devesse ter conversado com Thor sobre seus problemas. Não precisava ter guardado tanto rancor. – Inferiu Anne, procurando onde atacar.

Mas isso deixou Loki furioso. Ele estava com a expressão furiosa e voraz. Avançou rapidamente pela lateral de Anne e, com um movimento rápido, tirou a lança das mãos dela, deixando-a sem saída.

Loki jogou, então, sua própria lança para o lado e se postou na frente de Anne, colocando as mãos na parede em que ela estava encostada. Anne não tinha para onde fugir e o rosto do deus estava a centímetros do dela.

- Você não sabe de nada. Nunca saberá. – Afirmou ele.

Anne permaneceu onde estava, temendo verdadeiramente alguma atitude incontrolada de Loki. Sentia o hálito fresco do deus em suas bochechas... Um hálito levemente gelado.

- Não há lugar para pessoas como você no meu mundo obscuro, Senhorita Stein. – Continuou ele, a voz ameaçadora e sedutora.

- Você não precisa ser assim, Loki. – Disse Anne, tentando chamar-lhe à razão.

- Você não sabe de nada, garota. Estou fadado a isso. Eu já disse. Não há lugar pra pessoas como você no meu mundo. – Loki falou, mas parecia estar tentando convencer mais a si mesmo do que a Anne.

- Como pode saber? – Gritou ela, agressiva.

Os olhos de Loki agora eram travessos, mas ainda continham uma notória ameaça. O sorriso lateral do deus surgiu em seu rosto marmóreo. A centímetros de Anne... Ela achou que era perto o suficiente para eles se tocarem.

Era como um ímã. Anne simplesmente travara, atraída por aquele deus... Não conseguia pensar, nem raciocinar. Era como se estivesse congelada. Podia jurar que inclinara a cabeça mais para o alto, como que para alcançar o rosto do deus...

Loki afastou-se repentinamente e falou, a voz risonha:

- Bom, talvez haja. É o que vamos descobrir.