Os dois deixaram-se levar por sentimentos acumulados. Resumiam naquele momento tudo o que nunca tiveram coragem de dizer. Loki passou uma mão pela cintura de Anne e colocou a outra nos cabelos dela, sentindo-a por inteiro. Anne postara suas mãos ao redor do pescoço do deus e nas costas dele, naquele corpo atlético e esguio.

O beijo fora intenso, urgente. Os lábios encaixavam-se como se tivessem sido moldados um para o outro. Um turbilhão de sensações passava por cada um deles. Anne podia sentir a respiração arquejante de Loki e ele podia sentir cada batimento frenético do coração dela.

Anne não sabia o que esperar disso. Entregou-se ao momento. E Loki descobria até onde uma alma perdida podia ir por causa do sentimento. Anne despertara nele tantos sentimentos incomuns... Ele nunca se interessara por ninguém em particular, ainda que tivesse tido algumas paixões que não passaram de mero desejo momentâneo. Com Anne, era diferente. Ele deixou de lado toda a questão da profecia e passou a pensar no quanto queria proteger Anne. Resguardá-la para si e não deixar que nada a atingisse.

Depois disso, Loki riu sonoramente. E então fez o mesmo que fizera há algum tempo, encostando a ponta do nariz no pescoço de Anne e sentido o cheiro floral do perfume dela.

- Gosto do efeito que provoco em você. – Disse ele, sussurrando.

- Não tem ideia do que está falando... Terceira vez na mesma noite que me surpreende. – Falou Anne, olhando de canto para o deus e sentindo o toque dele.

- Não esperava que isso fosse acontecer. É improvável demais. – Comentou Loki, dando leves beijos no pescoço de Anne. Ela arrepiou-se novamente.

Ela riu e afagou os cabelos de Loki:

- Não parece real. – Comentou, olhando a expressão serena do deus.

E então Loki caiu em si. Como poderia ter feito isso? Ele e Anne se beijaram. Loki estava se deixando levar por emoções humanas e frágeis. Ele se importava com Anne, mas não podia se dar ao luxo de marcá-la dessa forma. O beijo deveria ser uma lembrança só dele. Ninguém deveria ter acesso a isso, nem mesmo Anne. Loki tinha que manter o foco. A invasão dos Jotuns ocorreria dentro de alguns dias e ele estava colocando tudo a perder por causa de uma garota.

Não podia deixar isso acontecer.

Loki deu um tapa em seu rosto, murmurando transtornado:

- Isso não podia ter acontecido!

Anne o olhou confusa, por causa da repentina mudança de atitude.

Loki ainda estava mal acostumado às mazelas do que é amar. Não estava pronto para tanto. Ele tinha que seguir com o plano original. Anne era somente uma peça de seu jogo. E ele precisava se convencer disso o quanto antes.

Ele olhou para Anne malignamente, usando seu poder para fazê-la esquecer-se do beijo. Invocou sua magia...

- Não se preocupe. Não será real. – Disse Loki, sentindo que tinha pelo menos uma parte da mente de Anne sob controle... Tão fácil...

Anne mal se deu conta de que estava sendo atingida por magia. Era como se tivesse ingerido sonífero, porque um sono incontrolável se apossou dela. Lembrava-se apenas de uma música... Uma música que ouvira ainda essa noite, mas não se lembrou de quem a levara até lá. O céu estava tão estrelado...

- Desculpe-me, Anne. Mas eu sou Loki. – Anunciou ele, segurando Anne e impedindo que ela caísse. Ela desmaiou nos braços dele.

Loki não tinha certeza se o procedimento dera certo. Pelo menos, tentara. Tentara fazer Anne se esquecer do beijo, mas tudo fora tão intenso e único para ele que não sabia se poderia de fato tirar isso da mente dela, quando nem mesmo ele conseguia esquecer-se do acontecido.

Por fim, colocou Anne sobre a cama dela, cobrindo-a com um cobertor próximo. Loki tentou olhar com raiva para ela. Tentou odiá-la. Ora, se alguém tinha culpa de tudo isso, era Anne. Ela provocara no deus a compaixão, o medo de perder algo que nem mesmo podia chamar de seu... Era Anne a pessoa que permeava seus pensamentos quando ele deveria estar se concentrando na sua vingança. Anne trazia a luz, mas Loki sabia onde pertencia. Tinha medo de deixar a luz entrar, quando ele era só trevas.

Anne mexeu-se lentamente na cama.

Só tinha duas certezas: Estava com uma dor de cabeça pior do que quando fora dormir. E a segunda certeza, ela mal se lembrava da noite anterior. Tentou reconstruir os momentos pausadamente. Ela estava em uma festa dada por Odin. Lembrava-se do jantar, da música. Mas então, as coisas simplesmente pareciam sumir no ar, como se ela tivesse sido desligada pelo próprio poder. Calculou que devia ter bebido demais, mas ela nunca fora dessas coisas. Olhou para si mesma e viu que estava com a roupa de ontem, mas sem os sapatos. Estava cuidadosamente enrolada em um cobertor, como se alguém a tivesse posto para dormir.

Enfim, levantou-se e percebeu com alegria que estava descansada. Pelo menos, conseguiria agüentar mais um dia de treinamento pesado. Então, olhou para o lado. Loki não estava lá. Loki... Ele era, na mente dela, uma lacuna a ser preenchida. Anne pensou que deveria saber algo mais sobre ele, mas não sabia definir isso com precisão. Era como se alguém tivesse arrancado dela coisas que mereciam ser lembradas.

Sem saber direito porque, desejou ver Loki. Era como se, ao ver o semblante do deus, ela fosse capaz de preencher esses vazios mentais que de repente surgiram nela.

- Senhorita Stein? – Alguém chamou à porta.

Era Steve Rogers.

- Entre, Capitão. – Disse Anne, tossindo. Não esperava visitas a essa hora. Já devia ser de manhã, pela luz que entrava pelas cortinas de seda.

Steve entrou. Já trajava uniformes de batalha.

- Você está bem? – Perguntou ele, entregando um pacote com comida para ela. Sentou-se então ao lado dela e seus olhos azuis focaram em algum ponto acima de seu olho direito.

Anne, invariavelmente, levou as mãos à testa. Havia um corte lá.

- Porque não estaria? – Indagou ela.

- Vejo que você não se lembra da noite anterior. – Disse o Capitão.

Então ele contou o que Gambit lhe dissera. Anne ouvia tudo com franca surpresa. Então ela estava dançando com Loki e Gambit se enfurecera? Tudo parecia tão estranho. Depois, na tentativa de ferir Loki, Gambit acabara acertando Anne. Bom, pelo menos isso explicava a dor de cabeça constante e os lapsos de memória.

- Nossa... É tudo tão estranho. Onde está Loki? – Perguntou Anne, depois de comer um café da manhã completo em sua própria cama, e curtir uma conversa esclarecedora com Steve.

- Não o vi desde cedo. Preciso que você se troque e desça para o treinamento. Você acha que consegue? – Perguntou Steve, compadecido da situação de Anne.

- Claro. Estou bem melhor. Só estava um pouco... Confusa. – Respondeu Anne, levantando-se e abrindo a porta para Steve. – Encontro vocês lá.

- Claro. Mas, Anne... Não leve Gambit tão a sério. Ele está realmente mal pelo que aconteceu. Ele a estima muito. – Comentou Steve, sorrindo tranquilamente. Os olhos azuis dele transpareciam sinceridade e preocupação fraterna.

Anne lembrou-se imediatamente de Alexander.

- Pode deixar, Capitão. – E ela fez um gesto de continência. Steve riu e saiu.

Apesar de tudo isso, Anne não conseguiu se desvencilhar da sensação de vazio que ocupava sua mente. Aquilo a estava incomodando muito e ela sentiu que somente Loki faria essa sensação diminuir. Mas, como em toda manhã, o deus da trapaça se fora.

Anne atravessou a lateral do Palácio debaixo de uma chuva de intensidade média, porém, muito persistente. Ela tomara um banho, trocara de roupa e vestira seu habitual uniforme da SHIELD. Dirigira-se então até o pavilhão onde os treinamentos ocorriam. Lá, encontrou os Vingadores e todos vieram perguntar por ela.

- Você está bem, Anne? Soube que bebeu tanto na noite passada que não se lembra de nada. – Disse Stark, dando tapinhas nas costas dela.

- Não me lembrava de que você era tão chato, Tony. – Replicou Anne, em tom de brincadeira.

- Uma noite e tanto, não? – Disse Natasha, sorrindo.

Anne cumprimentou Barton, Banner e Thor. Este último parecia excessivamente preocupado.

- Chuva não é bom sinal. – Disse, aflito.

- Qual é, Thor? – Brincou Stark. – Só porque vai estragar seu penteado?

E então Gambit apareceu.

Anne não estava procurando por ele, mas seus olhos encontraram os dele acidentalmente. Ele aproximou-se vagarosamente e falou baixo:

- Desculpa por ontem. Eu realmente não queria... Olha, Anne... Já me sinto culpado o suficiente...

- Não se preocupe... – Anne interrompeu-o.

Não sentia raiva dele, mesmo sabendo de toda a história por Steve. Gambit era daquela maneira. Anne não esperava que ele ficasse sereno diante da cena e se juntasse a ela e a Loki pacificamente. E sabia que Gambit jamais a feriria de propósito.

- Eu estou melhor. Foi apenas um acidente... – Ela ia dizendo, quando outro barulho foi ouvido, além da chuva torrencial.

- Senhores! Atenção! – Gritou Fury, observando um clarão azul no horizonte.

Foi como se um raio silencioso e fatal de cor azul escuro perpassasse o céu, cortando-o furiosamente. Todos no lugar pararam. E não eram poucos. Uma legião de soldados asgardianos, os Vingadores e alguns agentes da SHIELD.

Todos petrificados pela visão daquele raio.

E então, Anne ouviu o barulho de armas sendo carregadas e brandidas simultaneamente. Sentiu que era a hora. A tão fatídica hora...

- Algo me diz que nossos convidados finalmente chegaram. – Anunciou Fury.