Dean chega ao quarto tarde da noite.

Sam está lendo sentado numa cadeira, próximo à mesa de jantar, e Katherine está sentada no sofá.

– Oi, manos! - cumprimenta o louro.

Mas não obtém resposta.

– O que foi, gente?

– Você estava com Celeste? - inquire Kath, de supetão.

A pergunta o pega de surpresa.

– E se eu estivesse? - ele pergunta, defensivo.

Na verdade, era exatamente onde ele estava.

Sam suspira. Kath continua.

– Dean, você não pode continuar andando com ela. - ela se levanta e anda até poucos metros do irmão. - Não sei se você percebeu, mas você está... mudando.

– 'Mudando'? - ele ecoa, incrédulo. - De que droga você está falando?

Ela bufa, impaciente.

– Dean, você está muito mais desligado, distraído...

– E daí se estou? O que isso quer dizer?

– ... irresponsável, alheio...

– Como assim 'alheio', caramba?

Ela bufa de novo.

– Dean, algo está acontecendo com você. Você esqueceu de mim e Sam. Não está preocupado com Mary nem com o fato de que o pai não dá notícias há sete dias, a despeito do nosso acordo de sempre manter-nos comunicáveis. Só o que você sabe falar é 'Celeste isso', 'Celeste aquilo', 'a Cel me disse...'. Alguma coisa está estranha. Você sabe disso.

– Claro, muito estranha. - ironiza Dean. - Dá um tempo, Kath. Só porque você teve uma alucinação há uma semana...

A caçula ruboriza.

– Não foi uma alucinação!

– ... eu não posso mais falar com uma grande amiga, e só porque estou mudando? Ah, dá um tempo, Kath!

– Viu! É disso que estou falando! - ela exclama. - Você não percebe? Você nem liga mais para segurança, para o sobrenatural nem nada disso! Nem quis ajudar quando eu e Sam fomos matar aquele bando de vampiros no domingo...

– Era só a uma hora daqui, e vocês já lutaram com monstros piores.

– VIU! Caramba, Dean, você nunca me deixa Caçar nada! Nem um simples fantasma! E agora aparece um ninho inteiro de vampiros e você simplesmente diz 'vocês já lutaram com monstros piores'? Alguma coisa está errada aqui, Dean. Essa tal de Celeste... tem alguma coisa muito errada nela. Ela está te manipulando! Agora, você só liga para ela, até parece que é uma deusa! Você...

Cala a boca!

De súbito, o ambiente se silencia completamente. Kath se sobressalta com o grito do irmão mais velho e recua um passo, enquanto Sam arregala os olhos e se vira o primogênito.

– Cala a boca, Kath! - ele repete, enfatizando. - Pelo menos uma vez na vida, cale a boca!

Ele avança mais um pouco em direção à caçula, que empalidece e recua mais um passo.

– Você não consegue parar de reclamar, não é? - ele continua, raivoso. - Quando não é Celeste, é uma alucinação! Quando não é uma alucinação, é um bicho-papão debaixo da cama! Caramba, Kath, você só sabe reclamar! Só porque você é medrosa, não tem que descontar isso em mim!

A garota fica ainda mais pálida.

– Mas...

– NÃO! Agora, você vai me escutar! - ele interrompe. - Fica aí, reclamando que eu nunca te deixo caçar com a gente? E sabe por que eu faço isso? Sabe? - ela abre a boca, mas nenhum som sai dela. - Por que você é um peso! É menor? É mais fraca? Desculpas! Você é uma inútil, Katherine! - ele continua avançando em direção a ela, que recua, assustada. A cada palavra, é como se a garota tivesse levado um tapa. O sangue continua a fugir de seu rosto, e ela arregala os olhos, horrorizada. - É medrosa, é burra, é idiota! Nunca acerta droga nenhuma, nem consegue ficar de olho num cara enquanto nós procuramos a toca de um maldito wendigo! Não consegue ficar de guarda quando vamos queimar os ossos de um fantasma qualquer, nem procurar a droga dos saquinhos das bruxas! Você não sabe lutar, não consegue vigiar... você não consegue fazer droga nenhuma! É sempre o peso! Está sempre atrasando a gente, atrapalhando, ferrando com tudo! Pequena? Fraquinha? Mais nova? Desculpas! A verdade é que você é um peso morto, Kath, e sempre será! Você NUNCA vai ser uma Caçadora!

A essa altura, ele já acuou Katherine contra a parede.

O sangue fugiu completamente de seu rosto. Dean nunca a vira tão pálida.

A garota o encara por longos segundos, em silêncio. Seus olhos estão tão abertos que poderiam ser duas bolas de gude.

Chocada, assustada e horrorizada, a garota leva as mãos à boca, cobrindo-a. Lágrimas começam a escorrer de seu rosto, primeiro apenas duas, depois mais e mais.

A garota começa a soluçar. Seus ombros balançam com os soluços, seu rosto brilha com as lágrimas geladas, e ela parece encolher, esmagando-se contra a parede atrás de si.

Só então Dean se dá conta do que fez.

Sua irmãzinha, a quem ele devia proteger... à sua frente, horrorizada... horrorizada com ele.

Dean finalmente volta a si, e encara a garotinha à sua frente.

– Ah, meu Deus... - ele sussurra. O que acabara de fazer? - Meu Deus... Kath, me desculpa!

Ele estica o braço para tocá-la, dando um passo à frente, mas Kath se achata ainda mais contra a parede, os soluços se tornando mais fortes, e as lágrimas, mas intensas, já faziam cintilar, molhada, toda a face da garota.

Então, ela dispara.

.

A caçula dispara em direção à porta.

Ela corre escadaria abaixo, enquanto Dean e Sam se precipitam em sua direção.

Mas, se há algo que ela tem de melhor do que eles, é velocidade.

Logo ela já chegou ao térreo.

A chuva forte lá fora deixa a visibilidade quase nula. O barulho é ensurdecedor contra a porta de vidro do Motel, mas ela não liga.

Tudo está completamente escuro, a não ser por um poste próximo à porta, que não para de piscar.

Ela dispara pela porta, sem se barrar nela nem por um instante. Já não consegue enxergar atravéz das lágrimas em seus olhos, e os soluços já fazem estremecer todo o seu corpo.

Kath corre rua afora. Ela tropeça em um buraco, jogando ainda mais água e terminando de encharcar sua calça, cai no chão com força, arranhando profundamente as mãos, mas se levanta no mesmo instante. Nada no mundo a atrasaria ou a faria diminuir a velocidade naquele momento.

Ela já não enxerga nada, mas não liga.

Só o que quer é se afastar o máximo possível daquele lugar.

.

Dean e Sam saem pela porta do Motel, em direção à rua.

O mais velho corre com todas as suas forças, mas é em vão.

Ele pisa no mesmo buraco da rua, e cai.

Mas Dean não se levanta.

Ele apenas olha para frente, à tempo de ver Katherine desaparecer, engolida pela escuridão da noite, e o som de seus passos se perder nos chicotes na chuva.