Katherine anda pelos corredores, sem saber exatamente qual seu destino.

Por que os estranho lhe dissera aquilo? 'Cuidado com os olhos azuis'? Mas ele próprio não tinha olhos azuis?

'Não, Katherine', ela se repreende. 'Pense. Pense melhor'. Do jeito que ele falara, era como se falasse não de 'olhos azuis', simplesmente, mas de algo diferente. Mais como seres, 'Olhos Azuis', como nomes próprios.

Mas... devia ela confiar no ser? Afinal de contas, poderia estar apenas tentando confundi-la. O que era ele, afinal? Não era um fantasma, nem nada que já tivesse visto. Um demônio? Não. Ela nunca conhecera demônios capazes de fazer aquilo.

Que diabos era ele?

Por fim, Kath acaba se dirigindo ao seu armário. Se arrepende de não ter trazido seu caderno da sala, mas sempre podia pegar emprestadas algumas das folhas de seu fichário escolar.

Ela se senta encostada na parede. O chão está frio, mas ela nunca se incomodou muito com temperaturas.

Então se põe a rabiscar o estranho. Ela nunca fora muito boa em desenho realista - sempre fora melhor em mangás -, e tampouco prestara muita atenção à aparência do homem. Estava preocupada demais, tentando descobrir quem era o estranho.

Mas, mesmo assim, ela tenta se lembrar de cada detalhe que pudesse de sua face.

Suas mãos deslizam pelo papel, rápidas e ligeiras. Naquele momento ela empenhara todos os seus anos de estudo do estilo - como costumava chamar - de 'Desenho Rápido'. Linhas oblíquas e extensas, mas precisas. Rascunho solto e esboço, dando forma e volume à imagem.

Ela arranca a página. Havia algo errado. Desenha de novo, dessa vez semicerrando os olhos um pouco mais. Então, por cima das linhas, torna a aumentá-los um pouco. Perfeito.

Os lábios, como eram? Ela não conseguia se lembrar. Acabou desenhando um dos mais simples que se lembrava; estava certa de que, quando estivesse acabando o desenho, conseguiria se lembrar.

E o cabelo? Repicado, ela se lembrava. Espetado. Solto. Rebelde. Várias palavras podiam descrevê-lo. Curtos e escuros. Eram castanho-escuros ou negros? Um meio termo, provavelmente. Livres. Soltos.

A expressão estava bem presa à sua mente. O queixo erguido, e a cabeça inclinada para frente. Não parecia bravo, nem nervoso, nem feliz. Nem mesmo neutro. Apenas extremamente atento.

Tinha quantos anos? Trinta? Ela rabisca as dimensões. Não, estava velho demais.

Percebendo o equívoco com a idade - provavelmente graças à barba rala, que era tão imperceptível que ela nem se dera ao trabalho de desenhar, mas que parecia 'amadurecê-lo' ('envelhecê-lo' parecia um termo inadequado) - ela redimensiona o desenho. Vinte anos? Vinte e cinco?

'Isso. Vinte e cinco.' Ela desenha com uma energia que quase faria frente à que dedicava em suas batalhas.

E seu braço escorrega, riscando o desenho bem no meio.

Com um rosnado de fúria, ela arranca a página. Na seguinte, ela pratica cada parte do rosto individualmente - os olhos, o nariz, os lábios, o cabelo - e, na seguinte, torna a desenhá-lo.

No desenho realista, ela ainda deixava algo a desejar, mas a imagem a satisfaz; a despeito de suas habilidades no estilo, ele está muito melhor do que o de muita gente - fiel e satisfatório.

Terminando o rabisco com a esferográfica preta, ela pega o estojo de lápis de cor, que também tirara do armário e largara em seu lado, e tira de lá todos os tons de azul vivo que consegue achar.

Cobalto. Ciano. Um meio termo entre os dois. Seis tons, ao todo. O preto, o cinza, o branco e o prata.

Ela pinta os olhos primeiro com os tons neutros. Então, passa as cores vivas, que já ficam com a intensidade ideal graças à primeira camada de cores.

Ela pega o preto, cinco tons de marrom, o branco e um cinza escuro e pinta o cabelo. Com mais quatro tons de salmão, ela pinta a pele.

O sinal toca. Ela se levanta num salto, e guarda todos os seus materiais e os papéis rapidamente no armário.

– Ei, Kath, está tudo bem?

Ela se vira. Chris está atrás dela, parecendo preocupado, seus belos olhos azuis tensos e brilhantes.

– Soube que você saiu da aula, hoje. Aconteceu alguma coisa?

– Não, eu estou bem, só...

Ela se interrompe.

Os olhos de Chris se fixam nos dela, intensos. O que o estranho dissera? 'Olhos Azuis'.

Ela nunca vira olhos azuis tão vivos. Não eram vivos como os do estranho que a alertara, que eram de um tom vivo, até raro, mas natural.

Os de Chris eram como uma palheta de tintas TGA ciano. Como seus lápis de cor ou seus giz pastel.

– Você usa lentes? - ela pergunta, tentando disfarçar a tensão.

– O quê? - ele diz. - Não, por quê?

Ninguém tinha olhos tão azuis. Não sem lentes de contato.

– Nada. Só estou um pouco enjoada. Com licença, vou falar com o meu irmão.

E se apressa no corredor, torcendo para ter entendido corretamente onde era a sala de Sam, e para os intervalos do irmão entre uma aula e outra serem exatamente iguais aos seus.

.

– Sam!

O garoto moreno se vira. O que sua irmã estava fazendo ali?

– Oi, Kath. O que foi?

A irmã corre até ele, mas para ao ver um dos rapazes do refeitório tocar seu ombro com a mão, o cumprimentando pelo que fizera com Dick. Kath se ressente internamente ao perceber que o irmão estava conseguindo se ajustar na turma, mas se contém ao decidir que era melhor assim: se ele fosse provocado, acabaria aturando muito mais do que Kath, o que certamente não seria bom. Ela, pelo menos, estava disposta a retrucar.

– Eu preciso falar com você. - ela diz. Então, outro garoto aparece atrás de Sam.

– Ei, Sam! - cumprimenta Daniel. - Essa aí é a sua irmã?

– É. Katherine - ele confirma. - Kath, esse aqui é Dan, um amigo.

– Falaí, garota! - ele diz. - Beleza?

Kath o olha, e então enrigesse, mas logo disfarça a reação. Apenas Sam percebe.

– Ah, Dan, dá uns instantinhos para a gente, por favor? - ele pede. O amigo concorda, animadamente, e se afasta um pouco para falar com uma garota que passava ali perto. Sam abaixa o tom de voz, mas apenas um pouco. - O que aconteceu?

– Acredite, nem eu sei direito. - ela afirma, tensa, e descreve o que acontecera na sala.

– Então, você o desenhou?

A garota confirma.

– Queria que você e o Dean dessem uma olhada, depois. Para ver se parece algo que eu não tenha pensado ainda.

– Ele disse 'Olhos Azuis'? - Sam pergunta.

– Sim. Mas não parecia que ele estava se referindo a uma característica física. Era mais como um ser, uma criatura, tipo 'Os Olhos Azuis'. Com maiúsculas.

Os pensamentos de Sam voam para Daniel.

– Ele parecia muito nervoso? Tipo, se estivéssemos prestes a ser atacados ou algo do tipo?

Kath pensa em como responder.

– Não. Na verdade, ele não parecia muito nada. Sério. Ele ficou o tempo todo assim - ela imita a expressão do estranho.

Então o sinal toca novamente.

– Ai, droga. A gente pode falar depois, Kath? - Sam pergunta. - Tenho mesmo que ir. Aula de ciências. Leva o desenho para casa, ok? Não esqueça ele no armário nem algo do gênero. - Katherine sempre se esquecia das coisas.

Ela bufa, impaciente.

– É só me lembrar de pegar depois, bestão - ela diz. - Mas ok. A gente se fala depois.