Os Remanescentes

Capítulo 1: Sobrevivente


— Eu sou uma sobrevivente.

— Uma sobrevivente? Mas, uma sobrevivente do que exatamente? – o velho perguntou, esfregando sua testa machucada.

Respirei fundo, refletindo se contava a verdade a ele ou não.

Existiam apenas dois tipos de pessoas que iriam parar naquele lugar: exilados políticos ou fugitivos. Por exilados me refiro a pessoas que foram trazidas a força até este inferno, ou melhor dizendo, até Hellheim, a terra do fogo e da solidão. Já do lado dos fugitivos estão aqueles que não tinham nada em seu país de origem e nem aqui na verdade, e os ladrões também... E ao analisar o velho a minha frente já sabia muito bem a que grupo ele pertencia: dos ladrões.

Ele era baixo, desconfiado e tinha um brilho estranho no olhar. Como todos que chegavam até aqui ele estava ferido e confuso, seu destino era claro, todos que aqui chegavam terminavam da mesma forma, mais cedo ou mais tarde... Toda semana era igual, a guarda trazia novos prisioneiros encontrados nas terras vizinhas, alguns com mais saúde, outros nem tanto, todos com uma única finalidade: trabalho forçado na extração de vibranium.

O trabalho era extremamente manual, pesado e insalubre, completamente diferente de como era em Wakanda. O vibranium era extraído de antigas minas de mineração, era necessário muito esforço humano para a retirada de pouco material, muitos não resistiam ao grande esforço e duravam poucos dias ou no máximo alguns meses. Se dependesse de mim, nada disto existiria, haveriam maquinas por toda parte para realizar o trabalho pesado, mas a rainha havia sido categórica “se limite a sua tarefa, pequeno verme, garantir que esses moribundos possam trabalhar um pouco mais ou arranjarei outra pessoa para o seu lugar”.

Essa era a minha função naquele inferno: alongar o sofrimento dos que ali chegavam. Porque de uma forma ou de outra, uns antes, outros depois, todos sempre morriam. Estava a quase um ano naquele lugar e não havia conseguido salvar a vida de uma única pessoa, sempre que curados de seus males eles voltavam para as minas e cada vez que voltavam de lá estavam mais frágeis, era desesperador... Ainda me lembro de todos eles, dos que não lembro tenho ao menos um nome em minhas anotações e a promessa silenciosa de que aquilo um dia teria fim.

- Sobrevivente do que? – o velho voltou a indagar, afastando para longe todos aqueles pensamentos.

— Do inferno. – respondi por fim, analisando o corredor onde estávamos e que servia de ala médica.

Ele arregalou os olhos amendoados e astutos, parecia prestes a me questionar algo.

— Você está no pior lugar possível. – continuei - Aqui você é apenas mais um objeto da rainha de Hellheim, sua energia e sua vida pertencem a ela, e você trabalhara na extração de vibranium até o último dia de sua vida. – disse tudo de uma vez, destruindo todas as esperanças dele de liberdade, era maldade e eu sabia muito bem disso, mas ele não parecia do tipo que valia apena iludir.

Como imaginei o velho ficou em choque, Hellheim era um reino conhecido mundo afora, ou melhor, era um reino temido.

— Ela não pode me manter preso aqui! – ele disse por fim.

Soltei um suspiro.

— Ela pode, suas vontades são leis por aqui, e quanto menos você resistir, menos sofrerá.

O velho se remexeu inquieto, não parecia ter aceitado aquilo, parecia que iria se levantar e sair correndo a qualquer momento, e não duvido que o faria se não tivessem aparecido dois guardas que praticamente o carregaram para longe enquanto o velho gritava.

Mais um dia comum, refleti amargurada.

Pelo menos eu imaginava que seria, então tudo começou novamente. A agitação se fez presente e guardas surgiram pelo corredor, agitados, pareciam ter vindo de longe, gritavam palavras sem sentido, em meio as frases soltas escutei um nome que a muita não ouvia: Jotunheim.

— Os patrulheiros chegaram de Jotunheim, venha mulher! – um deles gritou para mim.

O segui, saindo do pequeno corredor para a pequena área externa que circundava as instalações médicas, aqueles eram os únicos locais que eu podia andar livremente.

Do lado de fora o alvoroço era enorme, haviam alguns soldados feridos, mas a atenção de todos estava em um enorme lobo acorrentado ao veículo que os sonatorrek, guerreiros de Hellheim, utilizavam em suas incursões pelos reinos vizinhos.

O lobo era enorme, nunca havia visto nada parecido antes. Ele rosnava para todos, incomodado com algemas presas a seu corpo e pelos evidentes machucados. Estranhamente senti vontade de ajuda-lo e dei um passo a frente, quando de repente um homem barrou o meu avanço.

— A rainha procura por um lobo desta espécie há anos, vamos leva-lo diretamente a ela. – o guerreiro gritou para os outros, depois olhou em minha direção – Shuri, Cuide dos guerreiros feridos, e depois do novo escravo.

— Novo? – Balbuciei confusa.

Corri os olhos pelos transportes, então eu o vi.

Ele estava acorrentado ao lobo, imóvel, parecia morto... Sua pele era extremamente branca e fazia um enorme contraste com os cabelos longos e escuros que cobriam parte de seu rosto, ele estava coberto por sangue e a ausência de um de seus braços foi o que mais me chamou a atenção. Ele parecia já ter passado pelo inferno, me perguntava se resistiria a mais um, provavelmente não, mas eu estava errada. E eu nunca esqueceria aquele dia, o dia que eu o conheci.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.