Os Mutantes de Rineerland
Do outro lado.
Queria atravessar as grades, me vingar de Julietta... Tudo por Clara. Ela era minha amiga, melhor: minha única amiga durante uma vida toda. Estiquei o braço em sua direção, mas não era o bastante:
– Você está bem?
– Não muito. - Ela estava encharcada, e com frio. Tremia com o olhar cheio de lágrimas. Abraçava seus próprios joelhos, se arrastando até perto das grades. Assim eu pude tocar seu joelho, para reconfortar.
– Por mais que eles sejam frios, eles se amam... E se defendem.
– Ele parou a própria irmã... Por mim... - Sussurrou.
– Na verdade, eu pedi.
– Pensei que tivesse que fingir que é mudo.
– Nem tive que abrir a boca.
– Então, já que foi você... Obrigada. - Encostou sua mão molhada em cima da minha, em agradecimento.
– De nada.
Parei um pouco para ver seus olhos azuis: mesmo estando triste, no fundo deles, mostrava apenas felicidade e gratidão. Mesmo que ela desviasse o olhar, sabia que ela continuava curiosa pra me ver. Assim como eu também sou... Queria ter um espelho, saber se as cicatrizes foram embora. Mas nem todas elas podem ir; eu ainda sinto falta da luz, e enquanto eu não ver a luz, não serei ninguém. Ela parecia ter uma ideia para me libertar, para nós libertar. Mas ao mesmo tempo tive outra. Antes que eu pudesse espalhar minha ideia incrível, ela abriu a boca para dizer:
– Será que conseguimos fugir? Eu tenho um plano... - Ela sussurrou.
– Diga.
– Descobri que vão passar a fazer ronda aqui um soldado quando está escurecendo, ele vem aqui dentro... E ele tem as chaves...
– Eu sei onde você quer chegar, não temos nada para fazê-lo desmaiar.
– Na verdade eu tenho... - Ela foi atrás as sombras e trouxe uma bandeja velha.
– É mesmo, o calabouço é tão antigo que usam como dispensa de tralhas! - Falei depois de algum tempo de raciocínio: - Só que não quero sair... Não quero que vejam meu rosto.
– Tudo bem... Eu saio e tento me filtrar na família Real, chegar até eles e pedir um cargo em alguma casa. Então sempre poderei te visitar. Ou melhor: vou me tornar dama de companhia de Julietta.
– Ok, boa sorte. - Estiquei a mão na direção da garota.
– Mas eu não vou ainda...
– Melhor despedir logo, depois não vamos ter mais tempo.
– Ok. - Ela foi em minha direção, apertando minha mão. - Vou te tirar daqui...
– Eu não quero sair, já disse.
– Por mais que diga que é feio, não adianta insistir... Um dia você vai virar rei, e eu vou te ver... Isso se eu estiver viva. - Incluiu.
– Clara, admita: eu nunca serei rei.
– Veremos. - Era a segunda vez que ela falava aquilo.
– Nunca, Clara. Nunca.
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