Corremos o mais rápido que conseguimos em direção à saída principal do internato. Théo carrega uma pequena mochila em suas costas e minha arca em seus braços. Como era de se esperar, o portão está fechado, ambos. Um deles é destinado para a entrada dos carros, é um portão enorme, sendo que metade dele se eleva quando algum veículo precisa passar. O outro é destinado à passagem de pedestres.

— Você consegue derrubá-lo, Charlie? – Théo me questiona, animado para me ver em ação.

Paro em frente ao portão menor e dou um chute com toda minha força. Caio no mesmo instante no chão, perdendo o equilíbrio e o portão continua exatamente da mesma maneira.

— O que aconteceu, Théo? – me sinto frustrada por não ter conseguido tombá-lo.

— Você provavelmente ainda não aprendeu a controlá-lo, Charlie.

— Droga! – estou enfurecida.

— Precisamos pensar em algo! E rápido! – ele lembra.

— Quem sabe a saída que dá para o Rio? – sugiro.

— Acho que é a nossa única alternativa – ele menciona, desanimado por ter que dar a volta em todo o internato.

— Vou daqui até lá correndo com os dedos cruzados, torcendo para que ninguém cruze nosso caminho.

— Certo, farei o mesmo – vejo-o arrancar na minha frente, queimando a largada. Ok, não irei pedir que volte.

Corro atrás de Théo, olhando para todos os lados, preocupada com o que pode surgir de qualquer lugar. Meu tutor é bastante ágil e tenho um pouco de dificuldade para acompanhá-lo, mas tenho uma ótima resistência e acabo por ficar “em sua cola” o tempo todo. Não estamos na metade do caminho quando vejo os guardas nos seguindo, estão cerca de duzentos metros atrás de nós.

— Você poderia ter escolhido um internato menor na época – grito para Théo.

— Eu desejava o mais seguro para você – ele justifica.

— Tão seguro que agora não conseguimos sair dele – brinco e vejo-o revirando os olhos pra mim, rapidamente.

— Você já notou que temos companhia? – ele diz.

— Sim senhor! – continuamos correndo o máximo que conseguimos.

— E o que vamos fazer quando chegarmos ao Rio?

— Eu pretendo tomar um banho rápido, cerca de cinco minutos, depois quero treinar ginástica rítmica para a gincana aqui do internato.

— Estou falando sério, Três!

— Vamos nos jogar e nadar eternamente, até estarmos a salvo.

— Estamos ferrados!

— Também acho, paizinho!

Ao chegarmos ao portão aos fundos do internato, os guardas estavam mais próximos do que imaginávamos, provavelmente receberam ordens do Sr. Ezzu ou Ridge para que me pegassem de qualquer forma. Théo possuía uma chave deste portão, já que nosso lar ficava bem próximo dele. Théo rapidamente pegou a chave dentro da mochila, fiquei em silêncio apenas observando os guardas se aproximarem cada vez mais. Não pude deixar de notar o quanto Théo tremia e naquele momento, acredito que pela primeira vez, pude sentir o carinho que aquele homem tem por mim, por nossa missão, nosso planeta. Ele estaria disposto a tudo para me salvar.

Théo consegue abrir o portão alguns segundos depois. Este outro portão era feito de alumínio e tomava conta de toda a extensão traseira do internato. No meio desta dela gigantesca de alumínio havia a porta, que era utilizada basicamente para permitir que os alunos fossem ao rio em horas de lazer ou em aulas práticas de biologia. Assim que vejo o portão aberto corro para atravessá-lo e Théo o faz em seguida. Quando Théo fecha esta porta, sentimos a força de um dos guardas puxando a maçaneta pelo outro lado, com a intenção de abri-lo.

— Eu puxo, você tranca – foram as únicas palavras que ele mencionou.

Enquanto Théo puxava a maçaneta com toda força, consegui colocar a chave na fechadura com um pouco de dificuldade, pois, vez ou outra os guardas conseguiam ser mais fortes e a porta quase abria.

— Agora, Théo! – e então ele fez o maior esforço possível e eu girei a chave no exato momento em que a porta fechou completamente. Conseguimos!

≥ — ·

Assim que Sete conseguiu eliminar o Daliperiano, fui em direção ao local de onde as imensas chamas haviam saído e localizei a casa dela facilmente. Ela estava me esperando na rua e embora eu saiba o que ela está arriscando ao me encontrar – sua proteção que provavelmente duraria muito tempo –, sou recebido de braços abertos. Não me recordava há quanto tempo não abraçava alguém. A tutora de Sete, assim que me viu, também correu para me abraçar.

— Como é bom ver um de nós – Sete diz.

— Estou feliz por ter encontrado você, Sete – afirmo.

— Embora eu saiba que o momento é especial, nós temos que sair daqui o quanto antes – lembra Swane.

— Sim. Vou pegar o que preciso e já deixaremos a casa – Sete é a primeira a entrar na casa.

— Sejamos rápidas, November – Swane enfatiza.

Até então eu não sabia o nome de Sete, assim como não sei o nome de Cinco. Mas November é um nome bastante diferente, achei interessante. Combina com ela.

Pouco tempo depois ambas estavam prontas. Swane estava com uma mala de rodinhas de porte médio, enquanto November carregava uma mochila e uma bolsa de mãos, que logo me ofereci para carregar. Swane dirigiu até o aeroporto e de lá pegamos voo até Irlanda, conforme combinamos com a Cinco.

Cinco, já estamos dentro do avião – aviso-a.

O piloto permite a utilização desse tipo de comunicação a bordo? – ela brinca.

— ­Na verdade ele pediu para desligarmos os anéis tipiênicos só na decolagem – November responde, sorrindo ao meu lado.

Menos mau – Cinco responde. – Eu já estou quase chego à Irlanda em duas horas, no máximo.

Nós vamos demorar mais umas dez horas – menciono.

Enquanto isso você poderia procurar um lugar para ficarmos, Cinco? – November sugere.

Claro, deixem comigo!

Ah, Cinco, como foi com a sua tutora? – questiono.

A gente conversa sobre isso outra hora, tudo bem? – ela responde, não parecendo estar muito feliz.

Certo. Boa viagem – digo.

Para vocês também!

Qualquer coisa me liga – brinca November.

≥ — ·

Ao chegar à Irlanda, ainda no aeroporto, questiono ao fiscal mais próximo se existe algum tipo de imobiliária por perto. Ele me indicou um site muito utilizado no país, no qual as pessoas divulgam ofertas de alugueis cuja negociação se faz diretamente com o proprietário, não necessitando de tanta burocracia. Anoto o site que ele mencionou em minha mão, pego minha bolsa e vou até uma lan house no próprio aeroporto. Olho as ofertas rapidamente, filtrando pela quantidade de quartos, porém, a maioria possuía um ou dois quartos. Assim que encontro uma casa com três quartos, anoto o número e ligo do próprio computador, utilizando o headset.

— Olá, bom dia – diz a voz ao telefone.

— Oi. Meu nome é Clarisse, estou ligando a respeito do anúncio do aluguel da casa.

— Olá Clarisse, eu sou a Maya. Então, a casa deste anúncio já está ocupada.

— Sério? Que droga – lamento.

— Mas eu tenho uma oferta... Seria para quantas pessoas?

— É... – raguejo um pouco, não sabendo como explicar. – São quatro. Minha tia e meus dois primos – estou torcendo muito para que a tutora de Sete seja parecida com ela ou com Dois.

— Ah sim – Maya me parece um pouco assustada. – Eu dividia minha casa até semana passada, quando os universitários voltaram para a terra natal. Pretendo dividir novamente, pois a casa é muito grande só para mim. São quatro quartos, sendo que um deles é meu. Nos três restantes, um deles é de casal e os outros dois de solteiro.

— Acho que é perfeito, Maya.

— Quando vocês podem vir aqui conhecer?

Olho no relógio e na Irlanda são 08:00h e já faz três horas que conversei com Dois e Sete, então eles devem chegar aqui por volta das 15:00h, se o voo não atrasar.

— Podemos marcar para às 16:00h? – sugiro.

— Ótimo!

Maya me passa o endereço do local e eu digito em um bloco de notas no computador, encaminhando para a impressora logo em seguida. Terminamos de conversar e eu me dirijo ao caixa para pagar, pensando no que farei nas próximas sete horas.

≥ — ·

O rio é bastante extenso em todas as direções. Para ambos os lados não é possível ver sua margem, mas sei que a frente teríamos que nadar cerca de trinta minutos para chegar a terra firme e é isso que decidimos fazer. Como está muito escuro, não sabemos se estamos seguindo na direção correta. O receptáculo de madeira nos ajuda a flutuar – primeira real serventia dele.

— Assustada? – Théo questiona.

— Não, estou aproveitando meu banho à luz das estrelas.

— Têm horas que me dá vontade de te dar uns tapas – ele menciona, rindo.

— Saiba você que agressão contra mulheres é crime.

Nadamos em silêncio o restante do trajeto. Por sorte o rio não tem tanta profundidade e poucos são os momentos que não conseguimos tocar os pés ao chão. Sinto-me exausta por tudo que aconteceu hoje, porém, sei que não terei uma noite confortável em um colchão macio e um cobertor fofinho. Ao chegarmos à margem lembro-me que agora teremos que enfrentar uma vasta floresta e não faço a mínima ideia onde isso termina.

— Acho que é uma boa hora para você abrir o receptáculo, Charlie – Théo menciona.

— Verdade! Estou torcendo para que Willow Típien tenha colocado uma barraca aqui dentro – digo.

— Uma barraca, dois travesseiros, cobertores, comida, roupa seca e alguns alimentos – ele acrescenta.

— Talvez um barco seja uma ótima opção também.

— Concordo – ele responde, rindo.

— Como faz para abrir? – questiono.

— Coloque sua delicada mão direita em cima no receptáculo, depois pense em seu número e levante a sua mão – ele orienta e imediatamente faço como ele indicou.

O receptáculo se abre e ilumina o local, já que uma das pedras ali dentro possui luz própria, forte o suficiente para deixar tudo bem claro. Achei útil, mas espero que ela tenha mais serventias.

— Você está com sorte, Charlie – Théo menciona.

— Justifique.

— Temos aqui a pedra do teletransporte – ele segura uma pedra em formato retangular em suas mãos.

— Como funciona?

— Você pode utilizá-la apenas uma vez por dia e consegue carregar até dois tipiênicos junto de ti. Você precisa segurá-la com a mão direita também, pensar em seu número e em algum local que já esteve ou viu por fotos ou vídeos.

— E o que você acha de utilizá-la agora?

— Acho ótimo!

Fecho o receptáculo e entrego para Théo, em seguida sinto suas mãos tocando nas minhas – acho que precisa ter contato entre as pessoas para que ela se teletransporte junto – e as seguro fortemente. Faço exatamente como ele mencionou e penso no último país que estudei no internato: Portugal.