Os Filhos de Umbra

Capítulo Especial- Maria e Milena


Capítulo Especial- Maria e Milena

Deixe para lá, eu vou achar alguém como você

Não desejo nada além do melhor para vocês também

Não se esqueça de mim, eu imploro

Vou lembrar de você dizer

"Às vezes o amor dura, mas, às vezes, fere"

Maria desceu do carro, um fusca branco que seu pai mantinha impecável, e observou a pequena casinha de telhado triangular vermelho. Sua roupa era um vestido branco de bolinhas rosas e um babado preto na saia, os cachinhos loiros despenteados e com frizz devido a viagem. Não que sua mente de 11 anos se importasse com isso, tinha problemas mais importantes na cabeça.

Como a separação dos pais.

Como a vinda para aquela cidadezinha minúscula do interior completamente sem graça e distante de sua mãe e de seus amigos.

Seu pai ajudou Milena a descer do carro, enquanto Maria olhava entediada o quintal amplo e a casa de dois andares de madeira. A janelinha do sótão até que parecia uma graça, e talvez as árvores do quintal fornecem um bom balanço, mas nada se compara a sua própria casa. Sua irmã parou ao seu lado, observando a casa.

–E então? O que acharam? –o pai questionou, olhando as duas com demasiada expectativa.

–É... Diferente. –Maria tentou elogiar, usando o primeiro adjetivo em que pensou ser verdadeiro.

–Legal. –a irmã deu de ombros, sem ligar muito, ajeitando a alça da mochila marrom nas costas.

–Vocês vão adorar. –o pai continuou, como se as respostas tivessem sido satisfatórias, pegando as malas das meninas. –É uma ótima cidade, super calma. Depois de arrumarem suas coisas podem ir conhecer as outras crianças. Vai ser divertido.

–É. Super divertido. –Milena ironizou, pegando sua mala e a bolsa que guardavam suas coisas e indo para dentro da casa.

–Por que a gente não podia ficar com a tia Joana lá em Pindaíba do Sul? –Maria insiste, lembrando da irmã gêmea da mãe que com certeza ficaria com as irmãs.

–Eu sou o pai de vocês, Maria. Vocês tem que ficar comigo, não com a Joana. –ele esclarece, suspirando.

–E a mamãe?

–A mãe de vocês não pode ficar com vocês agora. –ele continua. –Sabe como funciona essas coisas de viagem.

–Eu... Não gosto dela, papai. –Maria argumenta.

–Da sua mãe? –ele ergue as sobrancelhas.

–Não. Dela.

–Maria.... –ele balança a cabeça. –Leila fica magoada com isso.

–Ela fica? –Maria repete, se afastando. –E quanto à mim?

–Chega, Maria. Para dentro, agora! –ele mandou, pegando as malas da mais nova. Maria obedeceu, segurando o nó na garganta.

A sala era simples, dois sofás e três poltronas, uma mesinha com um rádio, um telefone fixo e alguns livros. Havia uma mesa de jantar para seis pessoas com um bonito vaso de flores colorido. O piso era todo de madeira e as paredes eram brancas. Maria se perguntou onde a irmã estava, até que ela desceu da escada, com uma cara nada boa.

–Nosso quarto é o sótão. –ela revirou os olhos. –Vem ver.

Maria a seguiu, observando as pinturas do pai e as fotografias dele com ela e Milena, dele com a mãe das meninas e dele com ela. Maria desviou os olhos. Milena chegou numa porta, que quando ela abriu se mostrou uma escada. Milena subiu na frente, e Maria ignorou o rangido da escada.

O sótão era triangular e forrado. Havia um armário de madeira, duas camas de solteiro, dois criados mudo com um abajur e um tapete.

–Sem graça, não? –Milena observa, muito crítica. Maria repara num canto do lugar, onde o pai havia colocado as telas de pintura com a tinta. –Saudades de mamãe. Queria poder viajar com ela.

–Eu também. –Maria concorda, se sentando na cama da direita.

–Como... Vai ser a partir de agora? –a irmã a olha.

Maria deita na cama, fechando os olhos.

–Você já achou ela? –Maria pergunta.

–Ainda não. Acho que ela saiu, algo assim. –a irmã dá de ombros.

Maria se vira na cama, olhando a parede.

–Bem, podia ser pior. O sótão podia ser sujo e cheio de aranhas. –ela sente um arrepio na espinha só de pensar.

A irmã deu uma risada com a sua reação, se deitando com Maria, tentando levantá-la.

–Vamos dar uma volta na cidade, Maria? Por favor? –ela pede, os olhinhos azuis de vários tons pedintes. Como dizer não?

–Lena... –Maria reclama, mas a irmã a interrompe.

–Vamos. Por favor.

Maria senta na cama.

–Tá. Vamos logo.

(***)

Milena agarrou na mão da irmã enquanto a guiava pela casa, até saírem pelo quintal.

–Lena... A gente vai acabar se perdendo. –Maria alertou, sendo puxada.

–Relaxe, Maria. –a irmã revira os olhos. –Deve ser por aqui.

Após outras quadras, ela conseguem avistar a praça. Era bonita, com várias árvores e uma grama bonita, bancos de concreto, um parquinho caseiro com poucos brinquedos e uma quadra de futebol onde alguns meninos jogavam bola. Elas se aproximaram.

Uma menina de cabelos pretos num corte Chanel montava um jardim ali, plantando árvores do lado de uma menina calma de cabelos castanhos claros de um sorriso bonito, com o cabelo numa trança cheia de flores.

Maria gostou delas instantaneamente, que a olharam curiosas. A de cabelos pretos Chanel a olhou com carinho, se levantando.

–Oi!! Vocês não são daqui, né? –ela as olhou.

–Não. Viemos do Sul, mas nossa mãe mora em São Paulo. –Milena estendeu a mão. A menina a puxou num abraço, a surpreendendo.

–Bem vinda à Sococó da Ema! –ela a soltou, abraçando Maria. –Sou a Berenice, mas pode me chamar de Berê.

A menina de cabelos castanhos claros se levantou, balançando o vestido imundo de terra, que não aprecia incomodá-la.

–Sou a Jasmine. –ela sorriu, se apresentando e após uma boa olhada em si mesma, continuou. –Acho que é melhor só um aperto de mão mesmo.

Ela sorriu e estendeu a mão, que as gêmeas aceitaram.

–Jasmine ama natureza e essas coisas. –Berenice explicou. –A cor natural de pele dela é terra.

Jasmine revirou os olhos, voltando a terminar de plantar as pequenas mudas.

–Floresçam, pequenas. –ela se levantou. –Então... Por que vieram pra cá?

–Nosso pai se mudou pra cá. –Maria explicou.

–Agora nossa mãe vai viajar e não podemos ficar com ela. –Milena continuou.

–Que pena.

–Que pena nada, Jas! –Berenice interrompeu, pegando as duas pelas mão. –Vocês vão amar essa cidade. Vem, vou te apresentar todo mundo.

Berenice saiu puxando as duas, enquanto Jasmine as seguia, revirando os olhos pela amiga. Vários grupinhos de meninas brincavam de boneca ao redor. Maria se soltou de Berenice, acompanhando Jasmine, que começou a indicar os grupos de meninas.

–Aquela é a Mirela, filha de um dos médicos da cidade, nada legal. Aquela é a Rosa, um amor de pessoa. Aquela é a Olga, ela também é bem legal. Aquela é a Amanda. –seu nariz fez uma careta, mas ela não explicou.

Elas acabaram chegando na quadra, onde os meninos jogavam futebol e algumas meninas que sorriam e acompanhavam o jogo.

–Aquele é o Roberto. –ela apontou o moreno de sorriso convencido. –Aquele é o Matheus. Ele é bem legal, me acompanha até em casa depois da escola. Aquele é o Túlio. Aquele ali, o menorzinho, é o José. O no gol é o Olavo. Aquela figura ali é o Osmar. –Jasmine revirou os olhos. –Ele é irmão do Olavo, assim como o Ricardo, que está na mureta, e o Paulo, no outro gol. A Lila e a Tina estão com o Ricardo, assim como a Creuza. E aquele é o Vinicius.

Jasmine aponta um menino de cabelos pretos que acabara de fazer um gol. Creuza comemorou por ele, agitando as mão. Lila e Tina sorriram.

Bonito, Maria observou, mas guardou para si mesma.

Milena cutucou a irmã, um sorriso nos lábios.

–Até que aqui é legal.

Maria assentiu, ainda com suas dúvidas e ressentimentos. Não queria se apegar à Sococó da Ema pela vontade e pela esperança de que a mãe as acolhesse e não as jogasse com o pai e a madrasta.

Suspirando, ela voltou a se apoiar na grade e ver o futebol dos meninos.

(***)

–Maria! –uma voz a empurrou na cama, a fazendo abrir os olhos. O cabelo preto enrolado, os olhos claros numa mistura de verde e castanho, as maças do rosto altas e delineadas, sobrancelhas escuras. –Acorda. Vocês tem escola.

Maria se sentou na cama, olhando Leila acordar a irmã, que acordou mais rápido que ela. Sobre a nova namorada de seu pai, ela só tinha uma certeza: Se madrasta fosse boa, não começaria com “má”.

Leila saiu do sótão assim que as duas acordaram.

–Ela vai nos acordar todo dia? –Maria sussurrou, com medo dela ouvir e encher o saco por isso.

–Espero que não. –a irmã devolveu, com o mesmo medo no olhar. As duas sabiam da culpa que Leila tinha na separação dos pais.

Maria, resignada, se levantou da cama, em direção ao banheiro. O uniforme das duas estava no criado mudo de cada uma, mas não fazia muita diferença. Como gêmeas, pegavam a roupa uma da outra o tempo todo. Maria requisitou o banheiro primeiro, e logo depois dela Milena desceu, enquanto Maria colocava a roupa, que era uma saia preta longa que ia até o joelho, uma blusa branca e um casaco, um sapato preto fechado e uma meia branca.

Maria arrumou os cachos, deixando-os soltos. O cabelo dela era um pouco mais cacheado que o de Milena. Quando as duas estavam prontas, as mochilas estavam arrumadas, ao pé da cama.

–Leila pensou em tudo para nos tirar da casa. –Milena comenta, olhando os cadernos, livros, materiais e o lanche devidamente arrumado.

Maria revirou os olhos, só pegando a mochila.

–Não me surpreende.

As duas descem a escada, entrando na cozinha. A cozinha era o único cômodo cujo piso não era de madeira, e tinha um fogão, um forno, uma geladeira, uma mesa, a pia e alguns armários. Milena pegou os copos enquanto Maria pegou o leite na geladeira. As duas beberam, pegaram uma maçã pra cada uma e saíram da casa, sem encontrar o pai ou Leila.

Não que fizesse alguma diferença.

Elas seguiram as instruções de Berenice e avistaram o prédio da escola, da sede, onde elas estudariam até o colegial, e segundo Berenice, era quase a mesma coisa que o anexo onde ela estudou. A diferença era que o prédio tinha dois andares, marcado pela rampa gigante que ligava os dois andares, e era mais completa que o antigo prédio, com mais banheiros, mais bebedouros e salas, uma quadra maior.

O portão era de metal e grande, e as assustou um pouco, mas Berenice se materializou no outro lado, sorrindo pra elas.

–Vocês chegaram! Vem, temos que ver a sala de vocês. –ela puxa as duas até uma secretária, formada de duas mulheres com fichas. –Bom dia, Mari, bom dia, Lola.

–Bom dia, Berê. –as duas cumprimentaram, sorrindo. Berenice parecia conquistar todos ao seu redor.

Mari tinha cabelos negros cacheados, volumosos, uma face com longos traços afrodescendentes, mas muito bonita e com um sorriso incrível. Usava um vestido vermelho marcado na cintura e um par de sandálias. Lola tinha cabelos curtos repicados castanhos, olhos escuros, boca grossa e rosto gordo. Lola era gordinha, mas parecia ser fofa.

–Vocês são as novas na cidade? –Lola perguntou às duas, que acenaram com a cabeça. –Sala 02.

–Eba! Ficaram comigo e com a Jas! –Berenice sorriu, animada.

Maria percebeu que era verdade. Berenice era encantadora, já tinha as conquistado. A morena saiu puxando-as pelas pessoas nos corredores.

–O primeiro andar é pra gente, sabe, até a 8ª série. O segundo é até a formatura. –ela esclarece. –Todo mundo fala que ele é mais divertido, mas nenhum de nós pode passar pela rampa.

Elas assentiram. A sala era pequena, carteiras de madeira e um quadro de giz, assim como todas as escolas e dois ventiladores de teto. Jasmine brincava com o cabelo, entediada, na última fileira, no meio da sala, mas sorriu ao vê-las.

–Que bom que saíram com a gente! Bem, vocês provavelmente iam sair com a gente, afinal, são apenas duas salas, mas que bom que saíram com a gente.

–Nós também gostamos. –Milena responde, se sentando do lado de Jasmine. Berenice se senta atrás, e Maria se senta atrás de Jasmine.

Nesse momento, alguns meninos chegam na sala, e Maria observou que o uniforme deles era igual, a diferença era que eles usavam suspensório no lugar da saia. O que ia à frente era Olavo, Maria se lembrava dele, e do lado ele estava Osmar e... Vinicius? Maria achava que era, pelo menos. Devia ser, Creuza estava do lado dele.

Eles se sentaram no fundo da sala, e Maria parou de prestar atenção, mas reparou que Osmar piscou para Jasmine, que revirou os olhos.

–Ele mira para todos os lados. –ela contou com uma risada.

Maria tirou um caderno qualquer da mochila, os lápis, e não precisa de mais nada para ser feliz. Ela se contentou em desenhar até que Jasmine se virou para ela de novo, mostrando o professor de ciências.

Maria gemeu. Não podia começar com Artes?

Sujeito gorducho, de óculos e meio careca, usava uma mochila cheia de livros.

–Bom dia, turma! –ele começou. –Hoje vamos fazer um trabalho de experiência em duplas, que eu vou escolher!

A turma vaiou, enquanto o professor pareceu vê-las.

–Oras, temos duas novatas! Quais seus nomes? –ele perguntou, curioso.

–Milena. –a irmã respondeu sorrindo desinibida.

–Maria. –ela respondeu, mais tímida.

–Gêmeas?

Maria confirmou com a cabeça, sabendo da semelhança com Milena.

–Bem vindas à cidade. –ele as acolheu, voltando a olhar para a turma e pegando uma lista de chamada, acrescentando o nome das duas. –Bem, vamos começar.... Jasmine e Osmar.

A castanha a sua frente soltou um muxoxo, enquanto Osmar sorria para ela.

–Berenice e Luiz. –ele continuou, e Maria simplesmente acompanhou a formação das duplas, identificando as pessoas. –Milena e Matheus, Maria e... Vinicius. O trabalho é simples, precisam me trazer amostras de diferentes tipos de solos e plantas que podemos plantar neles, com um trabalho escrito razoável, no mínimo.

Vinicius apareceu do lado dela, um sorriso maroto e um livro de ciências na mão.

–Pronta?

Maria concordou, precisaria de muita nota para compensar o tempo fora.

(***)

–Demais. –a loira murmurou, observando a ferrovia e os trens que, quando passavam, balançavam seu cabelo.

–Não é? –o moreno concordou, colocando uma tampinha no trilho.

Tecnicamente, não era para Maria estar ali, e levara horas para eles finalmente chegarem na ferrovia com trens de carga, embora não deixasse de ser emocionante.

–Eles vão para São Paulo. –Vinicius contou. –Ou então estão vindo de São Paulo e indo para BH.

Maria acenou com a cabeça, se sentando de costas para o pequeno barranco de grama onde o trem se movia. Ela se lembrou de que Vinicius havia falado que seria uma simples coleta de solos, e eles foram se afastando, e afastando, e afastando.

O lado positivo é que ele mostrou a ela o rio, onde pegaram solos úmidos, o solos ricos da floresta, os solos secos, a areia em alguns pontos. Vinicius conhecia aquela cidade como a palma da mão.

Vinicius observou o rosto vermelho da garota pelo sol, a teste cheia de suor, os olhos desfocados e os cachos caindo no rosto, ainda de uniforme. Ela parecia diferente, os olhinhos de vários tons encantadores.

–Será que temos solo suficiente? –ele começou um assunto, se sentando do lado dela.

–Não sei. Jas provavelmente saberia. –a menina respondeu, passando caneta para que eles identificassem cada recipiente com solo.

Vinicius a observou, e Maria percebeu.

–O que foi?

–Nada. –ele deu de ombros, sorrindo. Sua resposta acabou fazendo Maria sorrir. –Então.... Vai morar na cidade?

–Provavelmente. Até mamãe parar com essas viagens. –ela respondeu.

–E quando ela vai parar?

–Eu não sei. –ela suspirou, olhando pro chão.

Vinicius tentou não sorrir com isso, percebendo que gostava dela.

Na volta, ele apresentou a fazenda de Olavo e Osmar, além dos outros membros da família.

–A família dele mora aqui para cuidar da fazenda, que dá muitos lucros, mas eles tem uma casa em São José do Rio Preto. E naquela casa ali moram os senhores Lopes, e o filho deles, o Otávio. Ele vai se casar com uma índia que ele conheceu. –Vinicius contou, apontando as casas. –Ela é bonita, e eles só tem 20 anos. Acho que ainda demora uns anos.

Maria assentiu, sem ter muito o que comentar.

–Então...Você desenha. –ele afirma, a olhando com curiosidade. –Eu vi você fazendo isso na aula.

–De vez em quando. Eu gosto. É relaxante.

–Eu gosto de música. Violino. Serei um grande violinista. –ele continua. –É passado de pai para filho. Meu pai me ensinou.

–Tenho certeza de que será. –concorda Maria.

Os dois riem um pouco, para descontrair, e Maria percebe que ali nasceu uma amizade.

(***)

Os sinos da Igreja soaram, esta que ficava na praça principal. Maria esgueirou-se entre os convidados curiosos sobre os noivos, em seu vestido branco com borboletas pretas. O cabelo dela foi trançado por Jasmine, que fez nele um bonito coque e a emprestou um batom.

Otávio era um rapaz de cabelos muito pretos lisos, barba rala, rosto másculo e olhos de um castanho puxado pro verde, usando um smoking. Ele parecia completamente apaixonado pela mulher ao seu lado, de pele morena, cabelos pretos lisos até a cintura, com alguns símbolos pelos braços num vestido branco comprido. O beijo que eles deram foi algo muito bonito, que fez Maria suspirar. Ela acompanhou a chuva de arroz, o lançamento do buquê e até a saída deles num carro cheio de latas.

–Achei você. –uma mão agarra seu ombro. Leila. Um frio sobe em Maria. –Sua mãe está aqui.

Maria pisca, sem acreditar. Em dois anos, a convivência com a mãe se reduziu em cartas sem emoção que a mãe parecia responder por obrigação. Mesmo assim, ela corre para casa, preocupada.

Quando abriu a porta, a mãe estava com as malas das duas, parada na sala. A irmã olhava as unhas, sentada numa poltrona, enquanto a mãe e o pai pareciam discutir.

–Maria. –a mãe vai até ela, abraçando a menina desorientada. –Hora de ir, pequena.

–Assim? Acha que é só você chegar e leva-las? –o pai retruca, gritando.

–É exatamente o que eu acho. –a mãe responde, gritando também.

Maria tentou focar em identificar aquela mulher como sua mãe. Os mesmos olhos de vários tons, os mesmo cachos loiros, a mesma sobrancelha fina e clara, o nariz pequeno. O corpo esguio de bailarina, com um cintura definida. A saia preta justa no corpo, o cinto vermelho com um laço, a blusa de bolinhas pretas, os saltos pretos e a presilha vermelha no cabelo. A mãe era sempre elegante.

Ainda assim, ela era distante, fria. Maria não sabia com quem preferia ficar naquela momento. Talvez com a tia, em Pindaíba do Sul. Ainda assim, a ideia de deixar Sococó da Ema.... A deixava tensa.

–Não vai levar minhas filhas assim. –o pai bateu os pés, e a mãe arqueou a sobrancelha.

No momento em que ela fez, Maria soube que a guerra estava perdida.

Bastou mais cinco minutos para Maria e Milena estarem no banco de trás do carro da mãe, já saindo. O pai lhes deu um aceno triste, e Leila repetiu o gesto, embora Maria duvidasse que ela achasse ruim. Maria nem pode se despedir, o que a deixou muito emburrada.

–Por que? –ela começou, ao avistar a placa de saída de Sococó da Ema. –Por que a?

–Maria, agora eu posso levar vocês comigo. Eu só não quero que vocês fiquem com seu pai nesse fim de mundo. –ela olhou as duas pelo retrovisor.

Maria segurou as lágrimas.

–Você abandonou a gente. –ela acusou.

–Não abandonei vocês. Eu amo vocês! São minhas filhas. Não há mãe que não ame seus filhos. –a mãe grita. –Eu só não podia ficar com vocês.

–E agora que é conveniente pra você, você simplesmente nos arranca de lá e nos traz, assim? –Maria continuou, já chorando.

–Maria! –a mãe gritou. O controle emocional da mãe, ou melhor, a falta dele, foi algo que Maria puxou. –Por favor.

Maria encostou a cabeça no vidro, ainda chorando e se perguntando se voltaria a ver Sococó da Ema de novo.

(***)

Maria suspirou vendo a apresentação da irmã no palco do Teatro Municipal de São Paulo. O local estava vazio, mas com uma grande apresentação de sua mãe vindo, é lógico que Milena quis participar e treinar. Na realidade, Maria disse que estava ali para apoiar a irmã, mas só queria ficar fora de casa, então trouxe um caderno e lápis de cor, desenhando paisagens.

E ela não podia negar que, aos 15 anos, Milena era uma ótima bailarina, puxando a mãe, que ficou imensamente feliz em ver o talento e o interesse da filha. Maria acabou ficando em segundo plano, apenas ela e seus desenhos, para lhe fazer companhia.

Enquanto a mãe, favorizando Milena, a levava para assistir outras peças, comprar algumas roupas de balé, ela se dedicou às suas pinturas, se lembrando do pai ajudá-la a fazer isso algumas vezes. Era meio irônico o pai de Maria ser pintor e ela puxar isso dele. O fato foi que ela se encontrou fazendo isso, pintando Sococó da Ema.

O rio, onde Vinicius a levou pela primeira vez. A floresta. A Igreja. A ferrovia. Qualquer coisa que mantivesse a memória viva. Agora que não tinha que dividir um quarto com Milena, essa pequena liberdade a fazia muito bem.

–Menina Maria? –chamou Joana, uma velhinha que servia de doméstica da casa. –Vim lhe trazer um lanche. Você não saí daqui tem algumas horas.

A velha se sentou do lado de Maria no teatro, lhe dando um sanduíche e um copo de suco de melancia.

–Obrigada, Joana. Você sempre toma conta de mim. –agradeceu Maria, se lembrando da infância. Se alguém tinha lhe feito falta esses dois anos em Sococó da Ema, foi Joana, e não a mãe. Ela era sua referência feminina.

–Imagina, menina. –a mulher tossiu um pouco, preocupando Maria.

–Joana? Tudo bem? –Maria a acudiu, colocando a mão na testa dela. Febre.

–Eu estou ótima, menina Maria. –a mulher tirou a mão de Maria dali, mas a segurou e com a outra mão, passou um cachinho loiro pela orelha. –Você cresceu tanto desde que era pequena... Eu lembro de te segurar quando era ó, desse tamanhinho. –Joana dobrou o polegar e o indicador, fazendo o tamanho de um feijão. –E você era um amor. Não chorava como Milena, que gritava a noite toda. Você só observava. E gostava de um lápis de cor. Eu costumava te deixar na mesa da cozinha com uma caixa de lápis de cor e papel e você ficava quietinha enquanto eu fazia o almoço.

Maria soltou uma lágrima, o descontrole emocional vindo à tona.

–Oras, pra que esse choro? –a mulher de cabelos brancos enxuga a lágrima de Maria. –Eu amo você, menina Maria. É como se fosse uma filha para mim.

Maria abraça a mulher com força, sua mãe postiça, alguém que se preocupava com ela. Se tinha uma coisa em que Maria não podia pensar, era em perder Joana.

(***)

A coisa mais dolorosa que Maria já fez foi arrumar o quartinho de Joana, depois dela ter partido para um lugar melhor. Ela devia ter adivinhado que a conversa no teatro significaria isso. Mesmo assim, ela estava desolada.

A loira não deixaria ninguém além dela mesma mexer nas coisas de Joana. Talvez a velhinha soubesse disso, pois na segunda gaveta, deixava uma carta.

Para Maria.

No envelope, Joana deixava uma quantia de dinheiro para a loira, que era sua filha de criação, já que não tinha outros parentes vivos. Joana fala o quanto Maria foi especial em sua vida, e como desejava que a “menina Maria” voltasse para Sococó da Ema, que era o que ela realmente desejava.

Maria terminou a carta em prantos, acolhendo o sinal que desejava.

(***)

–Maria...Sabe que pode voltar assim que quiser, não é? –a mãe perguntou, deixando-a na porta da casa do pai, em Sococó da Ema. –Sinto muito por ser uma mãe tão horrível.

–A senhora não é uma mãe horrível. –Maria discorda, a abraçando forte. Dali, só sairia arrastada, por isso, o tempo em que ficaria longe da mãe era grande.

Depois do abraço, a mãe abriu a boca, querendo dizer alguma coisa, mas desistiu e deu as costas. Milena então, abraçou Maria forte.

–É a primeira vez em 15 anos em que vamos ficar separadas. –a irmã falou o que Maria já sabia. E era estranho para ela também, ficar longe de Milena era quase como ficar longe da perna. –Amo você.

–Também amo você, praga. –Maria ri, ela sabia que estava fazendo o que queria fazer. Sentia falta daquilo.

Milena deu um empurrão nela, antes de mirar a casa com medo.

–Tome cuidado com ela. –Milena pediu. –Não deixe ela fazer com você o que fazia antes.

Maria assentiu. As coisas iriam mudar dali pra frente.

–Até, maninha. Te espero em SP para a faculdade! –Milena exclamou, entrando no carro e mandando um beijo no ar.

Maria observou o carro ir embora, antes de tocar a campainha.

O pai atendeu, e Maria percebeu seus fios brancos, as rugas no rosto, a expressão cansada, a barba por fazer. Mesmo assim, ele sorriu ao vê-la.

–Maria! –ele sorriu, abraçando a menina. –Você voltou.

–Oi, papai. –Maria cumprimentou, experimentando falar “papai” de novo. –Você estava certo. Eu amei a cidade.

Ele riu.

–O seu quarto continua impecável. –ele avisou. –E Milena?

–Ela não vem. Vai ficar com mamãe, aprendendo balé. –ela conta, o auxiliando a voltar para casa. –O senhor vai amar vê-la dançar algum dia.

–Eu estou velho. E doente. –ele reclama.

–Oras, pra mim o senhor parece novinho em folha. –Maria mente, perguntando mentalmente o que deixou o pai assim. –O que o senhor está tomando.

–Leila faz um suquinho para mim, para melhorar.

–Bem, eu estou aqui para isso. –Maria decide. Ela não confiava em Leila de jeito nenhum.

–José? Quem está aí? –ela escuta a voz de Leila, que logo aparece na porta, olhando para Maria como se visse um fantasma.

–O bom filho à casa torna. –a mulher ironiza, ácida. –Olá, Maria.

–Bom te ver de novo, Leila.

A mulher de cabelos pretos só voltou para a cozinha, enquanto Maria ajudava o pai a se sentar.

–Não sei o que está acontecendo! Estou tomando os remédios certos! –o pai aponta para uma caixinha na mesa, e quando Maria vê, solta uma risada.

–Pai, o senhor está tomando o remédio errado! São as pílulas azuis, não as vermelhas.

–Azuis? –ele pisca. –Ah, faz mais sentido agora.

A loira ri, dando um beijo no pai e indo arrumar suas coisas.

(***)

A cidade continuava a mesma, sem tirar nem por. Ela andou até a praça, encontrando um menino de cabelos pretos que fazia uma apresentação de violino, atraindo um bom público, que o observava impressionado. Ele parecia totalmente entregue aquele ato, e quando terminou de dedilhar o violino com perfeição, ele se virou para o público, agradecendo as palmas... E a viu.

Vinicius atravessou a plateia para abraça-la ainda com o violino nas mãos. Maria deu uma risada devolvendo o abraço. Ele a girou um pouco, sem parecer querer soltá-la.

–Sabe, pode me soltar. Eu não vou embora.

–Tem certeza? Você fez isso da última vez. –ele acusou.

–Era a minha mãe. O que queria que eu fizesse? –ela reclama, pegando as mãos dele. –Vamos lá, eu estou aqui agora. Fique feliz.

–Eu estou, muito feliz... Tanto que...- ele se aproximou, e quando menos esperava, Vinicius lhe deu um beijo, que ela logo retribuiu. Quando se separaram, sem fôlego, ele sorriu. –Esperei muito tempo pra fazer isso.

–Idiota. –ela riu, derretendo por dentro.

–Seu idiota. –ele completou, puxando-a para outro beijo.

(***)

Maria estava relaxada com o toque de Vinicius, mesmo vendada. Eles já estavam namorando há dois anos, desde que Maria voltou para Sococó da Ema, o seu lugar.

As coisas melhoraram. Talvez seguir seu coração realmente fizesse bem. Maria conseguiu se impor com Leila, o que queria fazer há tempos, e agora as duas respeitavam o espaço uma da outra. Ela continuou a cuidar do pai, cujo principal problema era confundir os remédios.

O reencontro com Jasmine e Berenice foi memorável, cheio de lágrimas e promessas de que Maria não iria embora sem avisá-las de novo. Além disso, descobriu que Jasmine estava começando a sentir alguma coisa por Olavo, os dois tem conversado bastante. Berenice continua a mesma pessoa incrível de sempre.

A escola estava boa. Maria se focou, sempre dedicada, e tirava boas notas, mesmo que seu namorado tenha o péssimo hábito de se sentar atrás dela e brincar com seu cabelo, a distraindo. Além disso, tinha sempre suas aulas de pintura com o pai, que a deixavam feliz e muito completa.

Ela mantinha a comunicação com a irmã e a mãe, principalmente com Milena. As duas nunca se separariam de verdade, eram gêmeas.

Finalmente, o dia da formatura chegou.

Num vestido preto rodado com corpete cinza e um laço vermelho na cintura, os cabelos soltos volumosos, um batom vermelho provocante e um salto preto, Maria apareceu na escola, que estava toda decorada. Seu namorado, numa elegante camisa vermelha, um jeans pretos e um colete, já estava com um copo de ponche para ela assim que a viu.

–Você está linda. –ele elogiou.

–Você também.

–Vem. –ele chama, pegando-a pela mão. –Quero te mostrar uma coisa.

E assim ela veio parar no telhado da escola, vendada. Quando Vinicius mostrou a ela a toalha estendida, o vinho, o piquenique, ela quis morrer, sabendo o que teria que contar a ele.

Vinicius colocou vinho em duas taças, entregando uma à ela, e ambos se encostaram na mureta do telhado, de onde podia ver bastante de Sococó da Ema.

–Lindo não? –ele murmura, abraçando as costas dela. –Tá vendo ali? Estão construindo uma escola de Artes. É onde eu e você vamos trabalhar.

Maris suspirou.

–Vinicius... Eu vou voltar pra São Paulo. Fazer faculdade de dança lá. –ela conta, observando cada reação dele.

–Você... O quê? –ele balança a cabeça, confuso e sem acreditar. –Maria... Você não pode me deixar!

–Vinicius... Você precisa entender…-ela começa, mas ele a corta.

–Nem vem! Eu não tenho que entender nada! Você é que está desistindo da gente! –ele acusa, começando a gritar.

Vinicius, olhando-a com uma grande cara de decepção, saí do terraço da escola, deixando Maria sozinha com suas lágrimas.

(***)

Pela primeira vez, a própria Maria estava arrumando suas coisas para ir embora. Leila estava ajudando-a, o que surpreendeu Maria. Talvez ela não fosse tão horrível, afinal de contas. Depois de dobrar suas roupas na mala, sem querer pensar muito no que diabos ela estava fazendo, Maria se sentou na cama observando o sótão onde viveu e que aprendeu a amar.

Leila se sentou ao lado dela. A madrasta continua com aparência jovem, com exceção de algumas rugas e fios brancos. Maria a olhou sem entender, até a madrasta a abraçar.

–Você... Vai embora mesmo? –ela perguntou, a sufocando.

–Hã... Vou, Leila. –Maria respondeu, sem entender, até que Leila a soltou, e Maria percebeu que ela estava começando a chorar.

–Desculpe. –ela murmurou. –Eu só... Estava acostumada a ter sua companhia aqui. Você faz bem pro seu pai.

Maria arqueou a sobrancelha, se perguntando se Leila começou a gostar dela, embora a ideia não fizesse muito sentido para ela. Leila era horrível nos primeiros meses com o pai, ela e Milena sabiam muito bem como era.

Então Maria percebeu que ela tinha melhorado desde que Maria voltou. Leila a ensinou a tricotar e as duas já conseguiam fazer um almoço juntas e cuidar do pai.

–Vem cá! –Maria se levantou, e as duas se abraçaram. –Sabe que eu vou sentir falta de tudo aqui.

–Eu também vou sentir sua falta. –a madrasta fala, a abraçando.

–Sobra abraço pra mim? –o pai pede, na porta, andando até elas e todos se envolvem num abraço em grupo.

Maria sentiria muito falta deles.

(***)

–Então, devo imaginar que queira passar na Berê e na Jas? –Milena presumiu, olhando a irmã de esguelha no carro da mãe. Maria faltou agradecer aos céus por Milena sozinha ter ido busca-la.

–Você tem certeza absoluta de que sabe dirigir? –Maria a olha duvidosa, não querendo morrer.

–Me senti ofendida. –a irmã retruca, já pegando o caminho da casa de Jasmine.

–Você me conhece. –Maria ri.

–E Vinicius? –Milena a olha curiosa, e Maria suspira.

–Dirige, coisa irritante. –Maria responde, sem a mínima graça.

–Ah, entendi. Ele não aceitou sua saída, não é?

–Qual a parte de “dirige” você não entendeu? –Maria revira os olhos, fazendo a irmã rir.

–Entendi, Maria. Você não é muito difícil de se entender. –a irmã ironiza.

–Como estão as aulas de balé? Eu não pude ver sua apresentação.

–Foi boa. Mamãe não achou o mesmo, diz que eu não soube equilibrar os passos. –Milena bufa. –Nada para ela está bom, você sabe.

–Sinto muito. –a loira murmura, já observando a casa de Jasmine.

A castanha morava numa casinha de tijolos de um grande quintal florido e um telhado de telhas velhas, pequena.

Jasmine estava no quintal da casa, para variar, suja de terra e irrigando as plantas. Maria sorriu ao ver a paixão da amiga pela natureza, Jasmine não sabia ficar muito tempo sem uma boa quantidade de terra e suas plantas.

A loira lembrou do trabalho de solos, no qual Jasmine fez um perfeita apresentação, que humilhou de longe o simples conhecimento de Maria.

–Jas? –Maria chamou, e a castanha sorriu ao vê-la.

–Maria! –Jasmine a abraçou, sujando-a de terra. –Oh, desculpe.

–Tudo bem, Jas. Eu... Vim me despedir. –Maria conta, sorrindo triste.

–Está indo pra São Paulo, não é? Para fazer Artes. –Jasmine expressa a tristeza na voz, enquanto Maria confirma. Jasmine a agarra, a sufocando. –Vou sentir sua falta.

–Eu também, Jas. –Maria sufoca as lágrimas.

A despedida com Berenice foi um tanto mais complicada.

–Você vai embora? Como assim vai embora? –ela repete, gritando, na casinha branca onde ela morava.

–Eu vou fazer faculdade de Artes, Berê. –Maria explica. Berenice a olha magoada.

–Vou sentir sua falta. –Berenice a abraça. –Volta logo.

Maria acariciou os cabelos pretos de Berenice, a menininha que lhe deus as boas vindas naquela cidadezinha do interior, onde Maria chegou completamente emburrada.

–Eu prometo que volto, Berê. –ela murmurou.

(***)

Anos Depois

Eu ouvi dizer que você está estabilizado

Que você encontrou uma garota e está casado agora

Eu ouvi dizer que os seus sonhos se realizaram

Acho que ela lhe deu coisas que eu não dei

–Sua mãe não vem? –Leila questionou no vestido preto simples e longo com o casaco volumoso. Luvas longas e um salto.

–Ela disse que não se sentia à vontade. –justificou Maria. –Mas eu sei que ela está sofrendo.

–Claro que está. –a madrasta retrucou.

Milena a olhou intrigada, num vestido preto com decote V e justo na cintura e de saia simples. A irmã provavelmente não entenderia a relação de Maria com a madrasta. Maria usava um vestido preto básico de corpete estilo regata, com um laço na cintura e uma saia rodada, lógicos os brincos pretos e o cabelo arrumados num rabo de cavalo.

Era o velório do pai dela.

Milena deitou a cabeça no ombro da irmã. Quando terminou, ela encostou no portão do cemitério de Sococó da Ema, que era bem afastado da cidade, no meio do mato. Jasmine estava lá, num vestido preto solto, marcado na cintura e com algumas pedras, o cabelo num coque.

Olavo estava com ela, os dois casados. Maria acabou perdendo o casamento dos dois, mas ficava muito feliz pela amiga, ainda mais com a pequena barriga de Jasmine. A castanha tentou acalmá-la, mas Maria não estava chorando.

–Maria? –chamou Berenice, que também estava com o recente marido. Um tal de Felipe, que Maria nunca conheceu antes. –Como você está?

–Eu acho... Que só preciso ficar um pouco sozinha. –a loira pede, especialmente ao ver Leila se aproximar dela. Todos se retiram, e Jasmine e Berenice se despedem dela. Maria se sentiu culpada por não estar ali quando os pais de Jasmine e Berenice morreram.

–Como está? –Leila perguntou para.

–Como você está?

–Eu vou ficar bem. –Leila olhou para frente, desviando do olhar de Maria. –Maria... Estou indo embora. Talvez viajar um pouco. Foram muitos anos com seu pai.

–Você está indo embora? –Maria repetiu, com uma estranha sensação de déjà vu.

–Oras, não fique assim. Sou apenas sua madrasta. –ela dá um sorriso. –Vou conversar um pouco com a sua irmã. Vá para algum lugar onde possa relaxar, querida.

E Maria seguiu o conselho. Andou até o píer do rio, o mesmo lugar que Vinicius mostrou para ela na primeira vez em que os dois passaram um tempo juntos. Maria achava o lugar relaxante. Tirou os sapatos, se aproximando do píer, percebendo que havia uma bolhas na água. Curiosa, se aproximou, e do nada, um moreno saí da água, fazendo Maria gritar e cair para trás de bunda no píer.

O moreno era um Vinicius sem camisa que a olhava assustado.

–Ficou louca? –ele quase gritou, aí parou para olhar para ela. –Maria?

–Vinicius? –ela murmurou, se levantando. Ele olhou pasmo e depois irritado pra ela.

–Que droga, Maria! Eu pensei que pelo menos aqui eu estava a salvo de te encontrar! –ele berrou, saindo da água.

–E a culpa é minha? –Maria retruca, cruzando os braços. Vinicius vestiu uma camisa que molhou e grudou no corpo dele, ainda tenso por Maria estar ali, e Maria percebeu. –Me... Desculpa. Eu não sabia que estava aqui... Eu... Estou indo embora.

A loira pegou os saltos que estavam no chão, ao mesmo tempo em que a mão de Vinicius acabou em seu braço.

–Sinto muito. Estou sendo mal educado. –ele pediu, olhando nos olhos dela. –Eu só... Não sei o que sinto perto de você, e no momento não posso sentir nada por você.

–Por que “no momento”? –Maria esgueirou os olhos.

–Eu... Me casei com a Creuza enquanto você estava fora. –ele contou.

Maria tentou fingir que não se importava, mas provavelmente falhou, pela expressão de Vinicius.

–Ah... Tudo bem. Meus... Parabéns. –ela murmurou.

–Maria...

–Não! Está... Tudo bem. –ela deu as costas pra ele, porém ele não queria deixa-la ir. Vinicius a segurou, colando-a em seu peito. –O que você...?

Ele a calou com um beijo, que Maria não conseguiu não retribuir. Ela não soube exatamente como aconteceu, mas Maria simplesmente não queria parar.

(***)

Maria segurou o pequeno bebê de quatro meses, que estava enrolado num macacão branco e meias verdes de tricô. Ele era tão frágil! O menino a olhava com grandes olhos castanhos, do pai, com certeza. Mas o cabelo crescendo com certeza era de Jasmine, assim com o tom de pele. Maria achou ele simplesmente a coisa mais linda do mundo.

–Ele é tão lindo, Jas! –Maria murmurou, o segurando.

–Se chama Pedro. –a castanha falou, sorrindo. Maria podia ver o amor nos olhinhos brilhantes de Jasmine, que agora vivia com Olavo na fazenda da família dele. Agora, apenas os dois viviam ali, toda a família voltou para São José do Rio Preto, agora que Olavo podia cuidar dali e da família sozinho.

–Ele é a cara do pai. –Maria observou.

–Eu também acho. –Jasmine concordou, arrumando a mesa para as duas tomarem café. –Então... Maria...

Jasmine deu um olhar para os dois bebês dormindo no sofá, onde Maria os colocou.

–Como aquilo aconteceu, exatamente? –Jasmine pergunta.

–Acho que você já sabe como se faz um bebê, Jas.

–É claro que eu sei. –Jasmine cora até o último fio de cabelo. –Não foi isso que eu perguntei.

–Foi com Vinicius, a última vez em que estive aqui. –Maria respondeu, passando a mão nos cachos loiros.

–Uau. –Jasmine senta de volta na mesa. –Maria... Ele é casado.

–Eu sei. Obrigada por me lembrar. –Maria ironiza. –A culpa não é só minha!

–Eu sei disso. Ainda assim... Vai entrega-los para Vinicius e Creuza?

–Eu não posso ficar com os dois, Jas. Parece que o dom da minha mãe de ter gêmeos passou para mim. –Maria revirou os olhos. –Agora já tive, preciso decidir o que fazer com eles.

–Boa sorte, então. –Jasmine ri. –Acho que você pode comer alguma coisa comigo antes de partir.

–Cadê o Olavo?

–Extra. –Jasmine suspirou. –Pelo menos com Pedro eu me sinto menos sozinha.

–É véspera de Natal. –Maria retrucou.

–Pois é. –Jasmine passou os dedos na mesa, parecendo decepcionada. Maria segurou a mão dela, no exato momento em que os gêmeos começaram a chorar.

–Ah, não. –Maria gemeu, fazendo Jasmine rir.

A castanha pegou a menina e Maria fez o menino dormir, enquanto Pedro ficou no chão observando, sem entender o que aquelas criaturas estavam fazendo.

–Qual os nomes? –Jasmine sussurrou.

–Não faço a mínima ideia. –Maria sussurrou de volta. –Não tive tempo para pensar nisso.

–Bem, essa aqui é a sua cara, Maria. Tem seus olhos. –Jasmine falou. –Ela é bonita.

–Bonita. –Maria repetiu. –Bela. Sei lá, Anabela?

–Não pode escolher assim! –Jasmine reclamou. –Só falta você sortear o nome deles.

–Prefiro Belle. Mais bonito. –Maria ignora o comentário de Jasmine. –Anabelle.

Jasmine revira os olhos. Aquela era Maria, afinal de contas.

(***)

Três Meses Depois

Milena segurou Belle na mesa, enquanto Maria ia ao banheiro do bar. A tia com certeza tinha uma certa raiva da menina.

Vinicius aceitou ficar com o menino e lhe deu o nome de Pablo, prometendo falar com Creuza para que ela ficasse calma. De início ele ficou um pouco desconfiado, mas todos nós sabemos que Maria não mentiria sobre isso.

Enquanto isso, Maria focou em Belle. A mãe gostou da menina, disse que ela tem jeito de bailarina, a mesma coisa que ela viu em Milena quando ela nasceu, o que já deixou ela enciumada. Talvez... A atenção que a mãe começou a dedicar à menina, a atenção que Maria dava o tempo inteiro para ela... Só o Milena sabia era que não gostava dela.

Que a menina era bonita, isso era. Puxou os olhos azul escuro de vários tons da família, os cabelos pretos de Vinicius, o formato de rosto do pai, o nariz de Maria. A irmã dela estava apaixonada, até fez um cobertor com o apelido dela, “Belle”, bordado rosa.

Em São Paulo, Milena convenceu Maria a ir num bar com ela, para as duas se distraírem. As duas não tinham muito com que o se preocupar com a mãe que tinha dinheiro, e Milena ainda matinha as apresentações privadas. Maria se focou em Belle, depois de terminar a faculdade. O problema era que Milena não contava que Maria fosse levar Belle.

Com as despesas com a menina, a mãe tinha vetado a chance de Milena ir estudar um pouco de balé nos Estados Unidos, o que não ajudou Milena a simpatizar com ela.

Milena fez uma careta para Belle, na esperança dela se assustar, porém tudo que consegue é uma risada da menina.

–Te odeio. –murmura. –Praga.

–Hum, acho que uma praga seria muito diferente disso. –uma voz masculina murmura, se sentando na frente de Milena, que o olha com desprezo.

–Quem seria você?

Ele sorriu, galante. Tinha olhos bonitos, muito penetrantes, num tom que Milena julgou verde escuro, mas não dava para ter certeza. O queixo másculo, a barba por fazer, o cabelo preto bagunçado. Milena o olhou curiosa, ele era bonito.

–Meu nome é Otávio. –ele se apresentou. –Vi você discutindo com a menina.

–Pelo amor de Deus, ela não fala, não tem como discutir com ela. –Milena retruca, e ele joga as mãos pro alto.

–Abaixe as armas, loira. Eu... Tenho uma proposta interessante por ela. –ele ofereceu.

–Você quer a Belle? –Milena tombou a cabeça, confusa, pronta para chamar a polícia. Mas aí ela percebeu que ele ia levar a menina embora e Milena poderia viajar para seguir sua vida sem depender da mãe ou de Maria.

Liberdade.

Ele estava oferecendo liberdade.

(***)

Maria passou o dedo num copo de cerveja num bar em São José do Rio Preto. Belle já devia estar com dois anos, e a busca por ela já parecia em vão. Milena desapareceu do mapa, deixando a mãe maluca até uma simples carta, da nova identidade de Milena, “Lerina Garcia”, aparecer explicando o que fizera e que agora vivia nos Estados Unidos sob uma identidade falsa.

Maria não conseguia acreditar que a irmã havia feito aquilo.

E agora, uma parte de Maria havia sido levada. Num ponto em que ela começou a procurar a filha, em vão, até acabar em São José do Rio Preto, sem esperanças. Maria enfiou as unhas na madeira do balcão.

–Sabe, pode beber, é seguro. –uma voz murmura ao seu lado.

Era um homem, cabelos pretos, os mesmos olhos que ela já viu em alguém... Mas ele parecia abatido, os ombros caídos, olhos vermelhos e fundos.

–Meu Deus, o que aconteceu com você? –a loira fala antes que possa se controlar, se penalizando depois. Como foi mal educada!

–Estou tão ruim assim? –ele retruca, meio surpreso.

–Não! Sim! Não! Ah, desculpe. –ela murmura, já cansada.

Ele dá um sorriso com sua confusão, e Maria percebeu que ele tinha um sorriso bonito que ele não parecia usar.

–Está tudo bem. –ele responde, se sentando do lado dela.

Os dois completavam seus próprios buracos. Ela o animava, o fazia rir, e ele a amava, a fazia se sentir querida. Ele a escolheu de uma maneira que ninguém havia feito. Ela foi uma luz numa época de trevas, o Renascimento da Idade das Trevas.

(***)

A mãe insistiu para que ela ficasse de costas para o espelho do quarto enquanto a arrumava. Era um momento diferente, desde o sumiço de Belle e Milena, a mãe e Maria não passavam um tempo juntas como mãe e filha.

–Por que eu não posso ver? –Maria reclamou.

–Porque não! É uma surpresa. –a mãe retrucou. –Eu mesma fiz o vestido. É um pouco... Chamativo, mas vai ficar lindo em você.

–Mamãe, eu não sou a Milena. Eu sou discreta.

–Dá para você confiar em mim pelo menos uma vez na sua vida, garota? –a mãe responde.

–Sim, senhora. –Maria fala com um tom de sarcasmo.

A mãe fechou o vestido nas costas, e Maria obedeceu, não olhando. Ela era bastante obediente, sempre foi.

–Então... Ele é viúvo, e 10 anos mais velho que você.

–A gente procura ignorar a idade. –Maria se defendeu. –Ele tem uma menina. Você não vai acreditar em quem é.

–Provavelmente filha da esposa dele, né Maria?

–Não. –ela balançou a cabeça. –É a Belle.

A mãe travou na hora.

–Como é? –ela perguntou.

–Ele trocou o nome dela, como só estava escrito “Belle” no cobertor, ficou Isabelle. E o aniversário dela agora é dia 09 de Março, o mesmo dia em que a gente a perdeu. E ela tem os nossos olhos. –Maria conta.

–Meu Deus. –a mãe põe a mão no pescoço. –Maria, isso é incrível! Encontramos a Belle!

–Eu sei. É um milagre. –ela murmura, não contendo a emoção e começando a chorar.

A mãe começa a brincar com ela pela maquiagem, até começar a chorar também. As duas se abraçaram, em prantos, e quando Maria abriu os olhos, percebeu que estava de frente para o espelho.

O vestido era estilo princesa, de tanto que a saia era volumosa, mas de seda branca, macia. O corpete era todo recoberto de pedras brilhantes, inclusive as mesmas pedras estavam em Maria, em seus ombros, braços e colo. O cabelo loiro estava preso num coque alto com uma franja de lado, brincos grandes. Seus olhos estavam destacados pela maquiagem e a boca estava mais apagada, de uma cor neutra.

Ela estava fenomenal, quase futurística.

–Onde? Como? –ela tentou formular uma pergunta, ao se olhar no espelho, e isso fez a mãe sair do seu abraço.

–Maria! Eu falei para você não olhar, guria! –ela ralhou.

–Meus peitos estão enormes! –Maria quase grita, olhando o reflexo do espelho. –Onde você conseguiu esse vestido?

–Não faça perguntas. É o casamento da minha filha, eu iria à Lua para pegar o vestido mais bonito para você. –a mãe fala, fazendo outras lágrimas surgirem em Maria. –Minha menina vai se casar!

–Nem tão menina assim. –Maria fez bico, que fez a mãe sorrir.

–Vamos, meu amor. Eu quero te levar ao altar. –a mãe a puxou. –E não se atreva a chorar, que essa maquiagem vai borrar!

(***)

–Chegamos! –Otávio carregou a mulher no enorme vestido para dentro da casa, no colo. Maria sorriu quando ele fez isso.

Belle se sentou no sofá, de braços cruzados sem olhar para Maria. O vestido de Belle era branco, leve, com uma abertura na saia e uma faixa rosa na cintura e mangas até o cotovelo. O cabelo dela estava num coque bagunçado.

–Belle, acho que chegou a hora da gente conversar. –o pai falou, sentando do lado dela.

–Eu não quero conversar. –a menina respondeu, se deitando no sofá.

–Belle....

–Por favor. Eu não quero conversar. –ela fecha os olhos, estressada.

Maria fica com o coração apertado ao vê-la assim. Nunca foi sua intenção causar esses sentimentos na menina, que parecia se recusar a aceita-la como da família. Maria sentia um peso no peito, uma grande culpa.

Otávio se levanta, desistindo, e estende a mão para Maria, que aceita. Ele a conduz até o quarto, e a joga na cama. Os dois riem. Ele deita por cima dela, e ela enrosca seus braços no pescoço dele. Ele beija seu nariz, sua testa, até beijar sua boca.

Maria percebeu que poderia ficar assim a vida toda. Era diferente do que sentia com Vinicius, muito mais profundo. O calor que Otávio proporcionava em seu corpo era muito mais que só temperatura.

Debaixo das cobertas, ficando secos e quentes

Você me dá sentimentos que eu adoro

Começa na ponta dos meus pés

Me faz enrugar o nariz

Para onde for

Eu sempre sei

Que você me faz sorrir

Por favor, fique por um instante agora

Não tenha pressa

Em qualquer lugar que você vá