Os Filhos de Umbra

Capítulo Doze: 1989 – 2113 dias antes


Capítulo Doze: 1989 – 2113 dias antes

Tenho duas armas para lutar contra o desespero,

a tristeza e até a morte:

o riso a cavalo e o galope do sonho.

É com isso que enfrento essa dura e

fascinante tarefa de viver.

Ariano Suassuna

6 de Fevereiro de 1989

Dizem que existe dois tipos de crianças no primeiro dia de aula: as que estão animadas e as que estão chorando. Eu discordava. Eu, por exemplo, ficava no meio termo. Eu não estava em prantos porque estava curioso, mas não era ingênuo o suficiente pra achar que seria super divertido como uma ida ao parque. Nem tanto. As reações das pessoas ao meu redor também variavam. Leo estava super chateado por ficar sozinho em casa, Belle e Mel estavam super felizes por se sentirem “adultas”, Pablo, assim como eu, estava “nem aí”. Mamãe parecia triste, provavelmente com medo de eu estar crescendo muito rápido. Entendível.

No dia da volta às aulas, eu estava até achando que era um bom negócio. Mamãe nos deu um café da manhã reforçado e nos deixou ficar na casa de Belle de manhã, enquanto ela ia entregar a roupa, para que a gente pudesse brincar. Quando ela voltasse eu tomaria um banho, almoçaria e iria pra escola. Pra passar o tempo, eu, Pablo, Belle e Leo montamos um gol a gol e Belle ficou no gol.

—Esse negócio de escola nem deve ser tão legal. –Leo reclamou, depois de Belle pegar mais um bola dele.

—Vai ser super legal! –Belle corrigiu, parecendo animada. –Já somos adultos. Estamos indo pra escola! Daqui a pouco vamos poder escrever de caneta!

—Vamos ficar numa sala escrevendo por cinco horas, Belle. Não vai ser tão legal. –Pablo falou, mirou e chutou, marcando um gol. Ele sorriu para ela em comemoração, enquanto ela se levantava.

—Pelo menos vamos aprender a ler e a escrever. Isso não é legal? Daqui a pouco vamos saber fazer contas! –foi o argumento dela.

Eu e Pablo desistimos de tentar desanimá-la e só trocamos uma revirada de olho bem sarcástica. Nenhum de nós três conseguia ficar parado por mais de cinco minutos, e Belle ia perceber que não seria tão divertido sentar e ficar quieta.

Mirei o gol e chutei, mas Belle pegou minha bola e sorriu vitoriosa com seu próprio feito. Revirei os olhos de novo. Seria um longo dia....

—Quem vai ficar comigo agora? Eu vou ficar sozinho, eu e a mamãe! –Leo reclamou de novo.

—Você pode brincar com a Dete. –Pablo ofereceu.

—Não é a mesma coisa!

—Leo, pense que vai ficar com a mamãe só pra você por uma tarde inteira! Você vai ajudá-la na fazenda como um pequeno grande homem, e vai ter que tomar conta dela! É uma grande responsabilidade! –eu o animei.

Leo fez uma cara de pensativo, parecendo considerar a questão e ficou mais alegre quando percebeu que era verdade. Crise resolvida pelo momento, mas eu sabia que Leo se sentia bastante pequeno e imaturo quando olhava para nós e queria resolver o problema.

—Soube que Amanda vai ser nossa professora esse ano. –comentei com Pablo enquanto Leo mirava o gol.

Ele arqueou uma sobrancelha para mim, duvidoso. –E como é que você sabe disso?

—Notícias correm e você sabe que eu sou o cara das informações. –eu respondi com orgulho. Na realidade minha mãe tinha me levado para a matrícula e a secretária tinha mencionado isso, mas ele não precisava saber.

—Mas é claro. –ele zombou. –Pode ser legal. Pelo menos ela é nova, podia ser uma velha de 80 anos apaixonada por gatos.

Nós rimos.

—Ei, Pablo, sua vez! –Belle chamou.

A vida podia ser pior.

(***)

—Eu vou ter que usar isso? –perguntei para mamãe assim que saí do chuveiro, olhando o uniforme da escola.

Leo riu, em cima da cama, enquanto olhava minha situação. A blusa era igual, branca, apenas com o escrito em vermelho “Escola Municipal de Sococó da Ema” perto do bolso, e tinha gola. Gola. Tinha uma calça e uma bermuda vermelhas com listras brancas, e um tênis.

—Mamãe, isso é ridículo. –cruzei os braços, mas minha mãe me pegou no colo e revirou os olhos.

—Sem reclamar, Pedro. É o uniforme da escola, e você vai usar. –ela afirmou, e eu sabia que reclamar seria inútil e a única coisa que eu ganharia seria um tapa, então fiquei quieto.

Mamãe me colocou naquele uniforme horrível, mas me deixou ficar com a blusa por cima da bermuda, então não ficou tão ruim. Coloquei um tênis preto e ela arrumou meu cabelo, então eu não estava muito horrível. Quando me olhei no espelho, eu até tinha ficado com um ar jovem, saudável e eu diria meio rebelde com a blusa solta sem o cinto por cima. O cabelo arrumado também ajudava.

—Nada mau, não é? –Mamãe elogiou, e Leo bateu palmas.

—É, nada mau. –concordei.

—Pois pegue sua mochila que eu vou arrumar um almoço pro seu pai, a gente passa na ferraria no caminho da escola. –ela avisou, e eu concordei.

A mochila que eu tinha era uma azul que foi presente do tio Osmar. Ele estava bastante orgulhoso de mim e me deu a mochila no final de semana, me fazendo prometer estudar. Mamãe tinha me comprado materiais básicos, nada com personagens, infelizmente, mas eu estava bem feliz. Um pouco da animação de primeiro dia me subiu à cabeça, e eu já estava criando diversas expectativas, o que geralmente não era um bom sinal.

—Vai me contar tudo quando chegar? –Leo perguntou para se reafirmar.

—Mas é claro. –eu baguncei o cabelo dele, e ele me abraçou como que para dizer “Boa sorte, arrasa garoto! Esse é meu irmão!”.

—PEDROO! VOCÊ JÁ ESTÁ PRONTO?! –minha mãe gritou da cozinha.

—ESTAMOS INDO! –gritei de volta.

Agarrei na mão de minha mãe e fomos caminhando, os três, em direção à escola. Pablo e Seu Vinicius encontraram conosco no meio do caminho, e Belle e Maria também foram com a gente, todos participando do jogo de “Adivinhe Aquela Árvore” que eu tinha criado para distrair mamãe, e hoje me distraía. O clima era leve, tranquilo, mas animado. Eu podia ver meus amigos bastante ansiosos para o primeiro dia.

Quando chegamos à escola, depois de passar na ferraria para deixar o almoço de papai, eu vi os grandes portões de metal e pensei: Eu não quero ficar aí o dia inteiro. Me agarrei à mão de minha mãe e olhei pra ela com medo. Ela ficou triste, me abraçou e prometeu que tudo ia ficar bem, acariciando meu cabelo.

—Você vai adorar. –Ela logo completou. -Vai ficar num lugar cheio de crianças para brincarem com você, Pedro.

Pensando assim...

Pablo cutucou meu braço, me chamando. Respirei fundo, confiante. Tudo ficaria bem. Não podia ser tão horrível assim.

E quando olhei pra minha mãe, soube que ela nunca me deixaria num lugar ruim.

Larguei a mão dela, dando um último abraço em minha mãe e em meu irmão, e entrei com Pablo pelos portões, já que minha mãe precisava ir para a reunião de pais. Pablo estava com um uniforme vermelho igual ao meu, e gola aberta lhe dava a mesma impressão de rebeldia (tínhamos seis anos. Deixar a gola aberta era muita rebeldia) que minha blusa por cima dava. Belle, Henrique e Mel nos esperavam lá dentro, e a menina me deu um abraço de cumprimento, parecendo extremamente feliz. Eu já tinha visto Henrique de uniforme no ano anterior, e tanto Mel quanto Belle o usavam também, a única diferença para o meu era a falta da gola e a presença de uma saia vermelha que ia até mais ou menos no joelho, que elas usavam com um cinto preto. Estavam fofas. Belle estava com o cabelo escovado e uma tiara, e Mel tinha os cabelos negros todos soltos. Mel me percebeu avaliando e sorriu.

—Você não está nada mal.

—Obrigado. –agradeci. –Prontas pra aula?

—Esperando Emily. –Belle deu de ombros, balançando a mochila preta em uma mão.

—Ela já está vindo, ali ela. –Mel apontou para a prima passando pelos portões com uma garrafa de refrigerante.

—Vamos achar a sala de vocês. –Emily chamou, andando na nossa frente e nós seguimos obedientes com ela abrindo caminho na multidão, a saia vermelha balançando com os movimentos, os cabelos ruivos crescendo, soltos com a franja recente dela de lado.

Emily nos levou até uma sala primeiro pavilhão, e eu vi o número 1 na porta. Nossos nomes estavam na lista do lado, e graças a Deus ficamos juntos na sala. As salas eram praticamente iguais, mesas de madeira em filas, um quadro de giz e grandes janelas de correr, com dois ventiladores de teto. Nos despedimos rapidamente de Henrique e Emily, prometendo encontrá-los no recreio, e entramos deixando Mel e Belle agradecerem os dois pela ajuda.

Diego e Eduardo estavam correndo no meio da sala, no que parecia pique-pega –meu Deus, eles iriam formar uma quadrilha, alguém precisava parar esses dois. Isadora, Luís, Natália, Laura, Analícia, estava grande parte das crianças da cidade da minha idade, todos uniformizados. Analícia estava no canto, perto da mesa do professor, e Laura levantou a cabeça quando entrei na sala, deitada na primeira carteira perto da porta.

—Oi. –ela murmurou num fio de voz, deitando de novo.

—Oi. –eu sussurrei de volta, a deixando dormir. Alguns certamente tinham mais energia que outros para a escola.

Entrei com Pablo e fomos pro fundo da sala. Tiago e Emanuel conversavam em um canto, na companhia de Lucas e Cris. Eles pararam para sorrir para nós, uma vibe super feliz, início de aula, vamos estudar.

—Oie! –Cris cumprimentou, puxando a carteira pra trás para que eu Pablo pudéssemos sentar lado a lado na frente deles. –Que saudade, Pedro, você nunca aparece por aqui.

Sorri educadamente para ela, enquanto Belle e Mel vinham até nós e se sentavam perto, Mel na minha frente e Belle na frente de Pablo, e logo elas se viraram para continuar o assunto.

—Ei, estamos planejando uma surpresa pra Jumenta Voadora! –Cris falou, colocando uma mecha atrás da orelha.

—Jumenta Voadora? –olhei pra ela sem entender.

—É, a Berê. O nome super combina com ela! –ela respondeu, enquanto eu sentia vontade de revirar os olhos. Eu tinha dito que era um nome legal!

—Sério, que legal! –Mel sorriu. –Estão pensando em quê?

Cris parou. Franziu as sobrancelhas e fez uma cara de confusa, como se estivesse pensando bem rápido e não soubesse como responder.

—Em nada, ainda. –Cris piscou. –Até agora, em falar “surpresa”.

Rimos.

—A Berê está merecendo mesmo. Devíamos pensar em alguma coisa. –Mel falou, parecendo pensativa.

—Precisa ser hoje? –Belle perguntou, tombando a cabeça e prolongando as palavras num ato de manha completamente desnecessário.

—Nós vamos pensar em algo, certo Cris? –Mel olhou para Cris, que concordou imediatamente, batendo palminhas em animação.

—Com certeza!

Eu sentia que não ia querer participar daquilo, e Pablo parecia compartilhar de minha opinião. Antes que as meninas pudessem discutir mais sobre qual surpresa elas deviam fazer, a data, a cor e as roupas para combinar com a surpresa, Amanda entrou na sala, milagrosamente fazendo Diego e Eduardo se sentaram. Ela colocou a bolsa bege na mesa grande do professor, aquela maior cujo principal propósito era mostrar que era a mesa Do Professor, e se posicionou na frente da classe.

Amanda era a mãe de Aurora. Era loira como a filha, olhos castanhos, rosto de coração e lábios pálidos, que viviam em algum tom de batom. Usava uma saia de cintura alta xadrez com uma blusa gola alta verde sem mangas, e um salto fechado preto, os cabelos loiros soltos que chegavam nos seios. Ela esperou todos viraram para frente e pararam de falar antes de sorrir para nós.

—Bom dia, classe. –ela falou.

—Bom dia, professora. –respondemos em coro, a mais alta prova de civilização existente.

O sorriso de aprovação de Amanda era um sinal de que ela concordava comigo.

—Meu nome é Amanda, e eu vou ser a professora de vocês até o final do ano. Eu quero ser além de professora, uma amiga em caso de dificuldades. Eu entendo que todos estejam passando por um momento de mudanças e a caminhada do aprendizado não é fácil. Eu estarei com vocês em todas as etapas do processo e nas dúvidas, dificuldades e brigas. –Ela pausou. –Vou explicar como funciona. Até o final do ano, vocês precisam saber a ler e escrever o básico e algumas contas básicas como soma e subtração, além de desenvolver habilidades motoras e valores básicos de convivência. Para isso, terão que resolver problemas e exercícios dentro e fora de sala, o que significa sim dever de casa, e serão avaliados em comportamento, pontualidade, comprometimento e em trabalhos. No caso de vocês ainda não há provas.

Ela deu uma longa pausa, para ver se estávamos acompanhando. Eu, particularmente, já tinha me perdido na metade, mas ela falava tão bem que me sentia compelido a acompanhar. Eu não devia ser o único, pois ela deu uma risada-sorriso.

—Hoje, porém, eu quero fazer um projeto diferente. Apesar de muitos de vocês se conhecerem, é sempre bom fazer uma brincadeira. Cada um de vocês vai vir aqui na frente e vai pensar em um animal cujo nome comece com a primeira letra do seu nome. Por exemplo....

Amanda foi para a frente, juntou as mãos nos seios e balançou os braços, fazendo barulhos de pássaros. Entendi a finalidade do jogo depois de rir um pouco da imagem, mas logo um braço se levantou e alguém exclamou:

—Galinha!

—Burro, começa com A! –outra voz reclamou.

Dá zero pra ele.

—Arara! –Analícia exclamou lá na frente, e todos olharam para ela.

—Muito bem! –Amanda elogiou. –Agora você!

—Eu? –Analícia arregalou os olhos, surpresa.

—Isso, venha aqui na frente! –Amanda chamou.

Analícia se levantou, olhando completamente insegura para o resto da turma. Ela congelou, abrindo a boca sem falar nada. Ela olhou para todos antes de parar o olhar em mim, que a dei um sorriso calmo e encorajador. Ela respirou fundo. Juntou os braços, só que com as palmas para os ombros, e fez “Bzzzzz” enquanto dava alguns passinhos.

—Abelha! –várias pessoas falaram.

Analícia balançou a cabeça confirmando, e olhou para a professora como que esperando ser liberada.

—Agora diga seu nome para a classe. –Amanda orientou.

—Analícia. –ela falou, meio rápido, desesperada para sair da frente da classe.

—Obrigada, Analícia. –e a loirinha voltou para sua carteira.

Outras pessoas foram a seguir, Laura (Leão), Diego (Doninha), Eduardo (Elefante), Murilo (Mosquito), Tiago (Tubarão), Isadora (Iguana –foi bem difícil, pobrezinha), Luís (Lula). Quando Belle se levantou, ela não teve nenhuma vergonha por ficar na frente da turma e imitou um bicho de andar estranho com chifres, que para mim parecia um boi ou búfalo, ambos com B, e não I. Mas ela poderia ter optado por Belle, não Isabelle.

—Búfalo! –exclamei lá de trás.

Nada.

—Boi? –chutou Pablo do meu lado.

Não.

—Iaque! –Mel exclamou, parecendo entender.

O que diabos é um Iaque e como essas duas sabiam o que é um Iaque?

Belle sorriu, como se tivesse adivinhado que Mel responderia certo, se aprumando lá na frente antes de sorrir e falar “Isabelle”, em tom alto e claro e voltar para a carteira. Mel, em contrapartida, teve que se levantar, e não parecia feliz com isso.

—Apelona. –sussurrei para Belle.

—Era o único jeito dela ir. –Belle sussurrou de volta.

Fazia sentido. Mel se manteve calada na maior parte do jogo. Eu percebi que a brincadeira era extremamente difícil para pessoas tímidas e fechadas, como Mel e Analícia, por mais que seja fácil para mim e para Belle. Tadinhas.

Mel respirou fundo e imitou o bicho mais fácil que conseguiu pensar: um macaco. Por sorte dela, adivinharam rápido, e ela voltou para a carteira como o Flash depois de falar seu nome em voz alta.

—Luís, você já foi. –ela olhou para a turma, e apontou para mim. –Que tal você, rapazinho?

Me levantei e fui até a frente. O bicho mais fácil com P.....

—Oinc. –falei lá frente, fazendo gestos que arrancaram risadas de todos. –Oinc, oinc.

—Porco! –Pablo gritou de sua carteira, e nós rimos. –Não precisa mais nem falar o nome, esse combina mais!

—Pedro! –o ignorei, enquanto olhava Amanda.

—Muito bem, Pedro. –ela sorriu, e chamou Pablo.

Quando Pablo foi até a frente, ele fez algo diferente. Ficou parado lá na frente, levantou as mãos à cabeça e coçou, coçou, coçou. Que tipo de animal coça a cabeça? Enquanto eu ficava concentrado, Emanuel levantou a mão atrás de mim.

—Piolho?

Ele acenou em confirmação. –Pablo, muito prazer.

—Muito criativo, Pablo. –Amanda o parabenizou, enquanto Emanuel se levantava.

Me virei para Belle durante o processo.

—Não é tão ruim assim. –falei pra ela, que concordou.

Não era mesmo.

(***)

Na saída, encontrei minha mãe, meu pai e Leo me esperando perto do portão, ambos parecendo nervosos. Os abraçei bem forte assim que cheguei até eles, um sorriso bem grande no rosto, e eles me abraçaram de volta, sem entender. Assim que os soltei, o sorriso excitante de minha mãe apareceu.

—Então, como foi? –ela perguntou.

—Foi legal. –respondi, segurando a mão dela. –Foi bem legal.

—O que você fez, Pepê?! –Leo perguntou, pendurado em minha outra mão e dando pequenos pulos enquanto falava. –Como é lá dentro?

—É uma cela com grades, sem janelas e nos algemaram na parede! –Pablo dramatizou, enquanto chegava atrás de Leo para assustá-lo. Deu certo, pois ele deu um pulo, gritou e se agarrou mais à mim. Pablo riu. –É brincadeira, Leo.

—Que bom que gostaram. –Maria comemorou, em pé numa regata rosa, calça jeans, botas e um chapéu, toda cowboy, ou no caso, cowgirl. –Que tal um jantar lá em casa para comemorar?

—Eba! –Belle sorriu, pendurada nas costas de Otávio e com os braços amarrados no pescoço dele, que não parecia se importar. –A Mel, a Emily e o Henrique podem vir, né?

—É só falar com os pais de vocês, eles podem vir também. –Seu Otávio ofereceu, como sempre acolhedor e agradável.

—Vou falar com eles! –Henrique exclamou antes de zarpar para os pais, com Mel e Emily também saindo para procurar Tia Gina, e nós rimos da pressa deles.

—Foi bem divertido, mamãe. Amanda fez um jogo para nos apresentarmos para a turma, depois a gente fez desenhos do alfabeto junto com ela para aprender, até decoramos uma canção! –começei a falar em voz alta e rápido, determinado a contar meu dia para eles. –Eu aprendi a soletrar canção! C-A-N-Ç-A-~-O!

—Isso é muito bom, garoto. Daqui a pouco vai saber soletrar seu próprio nome! –papai bagunçou meu cabelo, em orgulho.

Os olhos de meus pais brilhavam em orgulho e felicidade. Eu nunca tinha me sentido mais realizado comigo mesmo que naquele momento, quando meus pais me olhavam como se eu tivesse ganhado o Prêmio Nobel ou acabado com a fome no mundo. Foi lindo. Quando olhei para Leo, ele também me olhava com admiração, como se eu fosse um super-herói.

Pela minha direita, vi Analícia abraçar Berê assim que saiu da sala, as duas parecendo felizes também. Berê se abaixou no mesmo minuto para olhar Analícia e perguntar como tinha sido o dia dela. Eu não queria interromper o momento delas, mas me soltei de minha mãe para ir até elas. Analícia sorriu para mim, parecendo satisfeita consigo mesma também. Abraçei Analícia com carinho.

—Até amanhã, Lícia. –falei pra ela. –Tchau, Jumenta Voadora!

—Tchau, Pedro. –Berê respondeu com uma risada .

—Até amanhã. –Analícia sorriu em despedida.

Voltei para os meus pais, onde Emily, Mel e Henrique já tinham voltado e todos se encontravam contando todas as coisas que fizemos para os adultos responsáveis por nós, e até consegui um colo do meu pai no caminho para casa, enquanto Mel contava da vergonha de falar na frente, Pablo da confusão que era o alfabeto, Emily de quanto nós ainda não tínhamos visto nada, Henrique de quanto ia ficar pior e Leo reclamava por ser muito novo. Tia Gina ia de mãos dadas com Mel e Emily, ouvindo suas queixas e brigas, rindo de vez em quando. Dete e Leo iam no meio do grupo, fazendo perguntas para Pablo e Henrique, que respondiam como era o dia na escola e sobre as regras que os mais novos da turma teriam que seguir ano que vem. Só sorri, abaixando a cabeça no pescoço do meu pai e respirando sua forte colônia, me permitindo ser carregado enquanto ouvia as vozes de todas as pessoas que eu mais amava no mundo.