Corro desesperada até a sala de aula — o garoto imbecil pelo menos não estaria lá. Dizer que eu estava revoltada seria um eufemismo. Amur não tinha o direito de falar comigo daquele jeito, como se fosse me agredir, muito menos me ameaçar. O que ele estava pensando, que eu não daria a mínima? Que completo idiota!

Sento na minha mesa e limpo as lágrimas, forjando uma postura impetuosa que nunca tive. Observo o caderno que repousava debaixo de um estojo e resolvo abri-lo para lembrar das minhas anotações — poderia até ser o caderno da minha antiga escola, mas eu escrevia algumas coisas pessoais lá. E, como eu não sou tão idiota assim, redijo tudo em polonês (assim ninguém entenderia, a não ser que utilizasse o google tradutor). Lá estavam todas as minhas recordações dos antigos lares onde vivemos, alguns rabiscos que eu fazia nas aulas de Espanhol, quando estudava na Tate, outros nas aulas de Geografia da Stanford. Os mais recentes foram da aula de Biologia, da sra. Lowell.

ANIMAIS CARNÍVOROS, COMO LEÕES SÃO AMEAÇADORES, CRUÉIS E CALCULISTAS.
CONCLUSÃO: AMUR PROVAVELMENTE É UM DELES

— Uhm, estou interrompendo alguma coisa? — uma voz afasta todos os meus pensamentos tristes, mas ao mesmo tempo me deixa apavorada.

Comecei a ficar em modo alerta agora que Gauthier andou me seguindo. Ao me virar para trás, percebo que é só Tom e seu sorriso contagiante. Quem dera poder ser influenciada a sorrir por ele, mas eu estava assustada demais pra isso. O sorriso de Thomas se desabou quando me viu. Droga, por que eu ainda estava chorando? O garoto dá uma de velocista e corre para se ajoelhar ao meu lado.

— Summer, o que houve? — perguntou, enquanto massageava meus ombros rígidos e magros. Limpei as lágrimas de novo e sorri, falsamente.

— Não foi nada. Estou bem agora que você chegou.

— Isso foi uma cantada, srta. Grant? — senti minhas bochechas queimarem de vergonha, só depois caiu a ficha de que eu tinha falado algo embaraçoso — Estou brincando, Strawberry.

Curvo a sobrancelha com o nome estranho, Thomas ri de mim e aperta os lábios.

— Você está vermelha como um morango. Acho que vou te chamar de Strawberry a partir de agora.

— Ok, isso é estranho.

— Bem, Strawberry, agora seja honesta com o cara que você pode confiar. — diz ele, estufando o peito por brincadeira. Rio baixinho pra ele não ficar sem jeito — Por que você está chorando?

— Não é nada, Tom. — viro a cabeça para longe de sua vista, não queria que ele visse meus olhos. Percebo que o garoto suspira, como se tivesse chateado.

— Foi ele, não foi?

— C-Como assim? — dessa vez, me viro pra ele. A testa de Thomas estava franzida e suas sobrancelhas, arqueadas. É, ele definitivamente estava chateado.

— Amur fez algo pra você, não é? Ele te machucou?

— Não, Tom. Ele só... — olho pra baixo, arrependida por ter escondido algo tão óbvio — Vamos mudar de assunto, por favor.

— Acha que eu vou deixar que ele te intimide sem ter troco?

— E-Ele não fez por mal, é que-

— Ah, por favor, Summer! — murmurou, mais alto do que eu esperava.

Thomas deu as costas pra mim e apertou o passo até a porta de saída, o som dos seus pés no chão ecoou pela sala. Me levantei da cadeira e corri até sua direção, obrigando-o a parar. Por que ele estava me defendendo?

— Espere, Tom! — insisti, mas ele não ouviu — Aonde você vai?

— Acertar umas coisas com aquele miserável. O que você acha?

Tentei impedi-lo de fazer qualquer besteira, mas não consegui acompanhar seu passo. A raiva deveria ter consumido o garoto por completo. Nunca vi uma pessoa tão determinada a socar alguém. Os passos frios de Thomas continuaram ecoando pela sala, deixando-me abalada. O que seria dele agora? Para tirar as dúvidas, segui o garoto.

Thomas havia encontrado Amur encostado na parede, fazendo uma ligação. Lembrei imediatamente da misteriosa Crystal, a garota com quem ele havia falado mais cedo. O garoto não percebeu que eu estava ali, mas assim que Tom se aproximou dele, Amur bufou, sem dar atenção ao meu novo amigo. Thomas não ligou pra isso e o provocou com um soco. Meu coração disparou quando vi Amur caindo no chão.

— É bom que não tente nenhuma gracinha pra cima dela, Gauthier. — rosna Thomas.

Para alguém como ele, fiquei completamente surpresa. Não que eu não estivesse agradecida por dar uma lição no idiota, mas por que ele teria feito aquilo por mim?

Amur limpou uma sujeira inexistente nos lábios. Apesar de ele ser intimidador, foi uma cena graciosa de se ver. Não podia negar que ele era bonito, mesmo naquele estado. Seus olhos de gelo fitavam o garoto que acabara de agredi-lo e eu fiquei paralisada, sem ar.

— Que bonitinho. O vagabundo está protegendo a indefesa princesinha. — Amur força uma risada e se ergue. Eles já estavam se encarando, quando por fim, Amur desfere um golpe no rosto do meu amigo. Agora seu nariz estava sangrando.

— Por favor, parem com isso!

— Então diga pro seu namorado parar de ser tão idiota. Saiam daqui, antes que a minha paciência acabe!

Uma ameaça. Foi o que aquilo pareceu. Amur era mais estranho do que eu pensava, mas algo dentro de mim dizia que ele fazia isso para se defender. Talvez ele fosse tão vulnerável quanto uma criança abandonada. Ou talvez não. Ignorei o comentário que ele fizera sobre Thomas ser meu namorado e puxei o braço do garoto para mais perto. Afastamos dele o mais rápido possível.

— Por favor, Tom. Vamos embora.

Tom o encara mais uma vez, só que agora estávamos longe de Amur. Perguntei se ele estava bem, apesar do nariz possivelmente quebrado, mas ele assentiu. Fui ao banheiro feminino e peguei um maço de papel para limpar o ferimento. Enquanto eu o fazia, Thomas apertou os lábios, por causa da dor.

— Que idiotice foi aquela? Não precisava bater nele, Tom.

— Então preferiu que ele não entendesse o recado?

Fico em silêncio, mas continuo a limpar seu nariz. Thomas olha bem nos meus olhos, o que faz com que minhas bochechas esquentassem. Ele aperta meu queixo com sua mão e sorri, como se nada tivesse acontecido. Fiquei nervosa.

— Eu faria tudo de novo, Strawberry.

Suas palavras me confortavam de uma maneira inexplicável. Ajudei-o a ir até a sala e disse que daqui a pouco me encontraria com ele. Eu precisava seguir Amur. Eu sentia isso. Ele disse que ficaria bem e foi para a enfermaria da escola. Antes de eu perseguir Amur, ouço o garoto rabugento sussurrar algo para si mesmo.

— Já estou a caminho, Crystal.

. . .

Seguir Amur foi estranho. Ele era ágil demais e sempre olhava para todos os lados com a maior desconfiança. Tive medo de ele me ver, mas fui cautelosa o suficiente para me esconder perfeitamente. Amur continuou seu caminho até a floresta; meu coração pesou ao ver aquela paisagem tão simplícia e tão intrigante. Mesmo hesitante, segui em frente, feliz por ainda conseguir acompanhar seu ritmo.

Já achei surpreendente o bastante por ele ter pego o caminho pela sombria floresta que nos cercava, mas nada se comparava a cena que eu estava prestes a ver. Amur se agachou até seus joelhos tocarem no chão, como se estivesse cansado. De repente, uma luz fosca surgiu dele, e seu corpo exalou partículas cintilantes no ar. Em menos de 5 segundos, Amur diminuiu de tamanho até se metamorfosear num lobo de pelagem mesclada.

E então eu entrei em pânico.