A notícia veio como um choque, por isso fiquei alguns segundos sem reagir. Tenho certeza que no momento eu parecia uma idiota. Saber que havia mais um lobo rondando pela floresta (não, não. Pela escola) era frustrante e me deixava ansiosa. Amur tentou chamar minha atenção ao estalar os dedos na minha cara, assustando-me.

— Ficou louco?! — gritei, dando um tapa em seu ombro, que, por sinal, era bem rígido — Não me assuste assim, garoto!

— Sinto muito se você estava aí com essa cara de tonta.

Ignorei o comentário e observei quando Crystal se aproximou de nós, calma como se o mundo não estivesse prestes a desabar. Ela olhou para Amur como se pudesse ler seus pensamentos. Era uma mistura de pena e medo, o que me fez pensar se ela sabia algo mais.

— Você... Amur, você não acha que seja ele, não é? — a garota questiona, deixando o ar repleto de dúvidas.

— Não vamos falar sobre isso aqui, Crystal. Não na frente dela.

Fiquei esperando por alguma explicação, mas infelizmente nada, além de mais questionamentos, veio a calhar. Amur recusou olhar para mim, tudo o que pensei em fazer foi bufar e ser insistente como sempre fui.

— Ah, claro. A humana aqui deve ser excluída de todos os assuntos dos cãezinhos. — provoquei, deixando Crystal irritada.

— Olha aqui, garota, o mundo não gira ao seu redor! — ela rebateu, ofegante. Foi aí que eu tive certeza de algo: Crystal é péssima em controlar seu lado lupino.

Os olhos da menina voltaram à coloração âmbar que antes tinham. As veias em seu pescoço tornaram-se negras. Por segundos, pensei que ela fosse partir pra cima de mim, mas Amur interveio com um rosnado baixo. Dessa vez, era eu quem estava ofegando.

— Escutem bem vocês duas, — disse o garoto lobo — estamos na escola. Tem muitos humanos por aqui, então, enquanto estivermos aqui, é bom que eu não ouça o diretor reclamar que uma garota selvagem atacou algum aluno. Ouviu bem, Crystal?

A garota bufou, mas não respondeu. Amur emitiu mais um rosnado, mas dessa vez, Crystal o pegou pelo colarinho de sua camisa e olhou profundamente em seus olhos. Era apavorante. O garoto curvou a cabeça, como se estivesse submisso a ela.

— Espero que ainda se lembre que eu sou a mais velha, seu cachorro malcriado! — disse ela, trocando olhares entre nós dois — E não estrague tudo, Summer Grant. A esse ponto, você já deve saber das consequências de ser uma garota desobediente e levada.

Ela o soltou, finalmente. Engoli em seco, enquanto esperava com ansiedade que ela fosse embora. Notei Amur esfregando o pescoço como se ela tivesse machucado, mas sua postura continuava a mesma. Parece que o orgulho era maior do que admitir que aquilo foi assustador.

— Você está bem? — pergunto, nervosa. Ele sequer olha para mim. Pelo menos eu já estava me adaptando a esse fator.

— Por que não estaria? Essa é e sempre foi Crystal Gauthier.

Dei um sorrisinho de lado, finalmente chamando a atenção dele, apesar de esse não ser o plano. Ele parecia incomodado e confuso, levando em conta suas sobrancelhas arqueadas.

— O que foi? — diz ele, cruzando os braços — Falei algo engraçado?

— É que você nunca mencionou que Crystal era a irmã mais velha. Tem algo a mais que eu deva saber sobre sua excêntrica família, Senhor Rabugento?

Amur silenciou-se por completo. Não sabia se tinha acabado de tocar numa ferida aberta, por isso me senti mal. Queria dizer que estava tudo bem, que ele não precisaria compartilhar se não quisesse, mas nada saiu dos meus lábios nem tão cedo. Por fim, criei coragem.

— Desculpe, acho que não fiz a pergunta certa. Se quiser, encerramos o assunto.

Quando pensei que o silêncio permaneceria, ele olha nos meus olhos. Foi um gesto comum, mas chamou minha atenção por um simples motivo: Amur raramente o fazia. Senti uma sensação sombria se apoderar nele. Sombria, porém suave. Suave, porém triste. Eram sentimentos conflituosos e intrigantes, que apenas me deixavam confusa.

— A verdade é que eu tenho 3 irmãos: Crystal, Erik e Luke, meu irmão gêmeo.

— Você tem um irmão gêmeo?! — falei mais alto que o normal — Mal aguento 1 Amur, imagine uma cópia!

— Bem, na verdade, seríamos apenas gêmeos fraternos... se ele estivesse vivo.

De repente, meu coração se comprime. Senti a dor em seus olhos, a saudade que ele tinha do irmão. Eu me senti horrível, praguejei mentalmente por ter tocado no assunto. Amur fez uma expressão carrancuda, esbarrando o pé, de propósito, na mesa mais próxima.

— Ele morreu há 17 ou 18 anos, assim que nascemos. Desde lá, meu pai raramente menciona o nome dele. — diz, limpando a garganta em seguida — Bom, acho melhor irmos pras nossas aulas. Já tenho advertências demais pra gazear mais uma.

Resolvemos deixar o assunto do irmão de Amur de lado. Caminhamos pelos corredores, conversando sobre tudo o que ocorreu nessas 3 semanas. Amur falou que levou 5 dias para retirar todo o veneno de seu corpo, no dia em que fora atacado por um caçador. Disse também que seu pai havia encontrado rastros de um lobo selvagem perto da alcateia e pedira para ele, Crystal e Erik patrulharem a região (por isso nunca mais voltou para a escola). Certo dia, após muito tempo sem localizar o lobo em questão, Amur finalmente encontrou mais rastros, dessa vez, perto do colégio.

— Achei que tivesse me abandonado. — deixei a frase escapar, um pouco envergonhada. Ele pigarreia, igualmente sem graça.

— Bem... acho que te devo meu agradecimento, então... valeu aí.

Cruzei os braços, deixando uma risada escapar.

— Acho que eu mereço muito mais do que um "valeu aí". Não sou um dos seus "parças", sabe?

— Ah, sim. Claro. — diz ele, o sarcasmo moldando sua voz. Surpreendentemente ele faz uma breve mesura — Gostaria de expressar minha sincera gratidão, milady.

— Acho que você está pegando o jeito.

Ri, apreciando o pequeno sorriso que se formou no rosto do garoto. Tive vontade de registrar aquele momento e talvez emoldurar. Amur raramente sorria, mas em compensação, quando o fazia, era algo majestoso. Tive raiva de mim mesma, desde o início, por admirá-lo. Por gostar daquele sorriso.

— Qual é a sua? — pergunta ele, tirando toda minha concentração.

— Ahn... quê?

— A sua aula. O que você tem agora?

Tentei disfarçar o rubor nas minhas orelhas, mas eu tinha uma certa desvantagem, já que eu tenho a pele clara. Puxei um pouco do cabelo que estava atrás da orelha e procurei pelo papel das aulas, que sempre estava no meu caderno para me orientar. Lá dizia "FR 04 - sra. Dupont".

— Francês. E você?

— Espanhol. — bufou — Se eu fosse você, correria pra sala 04. A sra. Dupont detesta gente atrasada.

— É, eu sei. Bem, deseje-me boa sorte.

Buena suerte, muchacha.

Corri acenando para ele de longe. Recebi um "adeus" como resposta e segui em frente. O corredor de repente parecia um vulto, os números das salas estavam decrescendo até chegar no 04. Espiei pelo vidro da porta, a professora já estava lá, anotando algumas informações no quadro. Será que ainda daria tempo de assistir a aula dela sem ser esfolada? Antes que eu pudesse responder mentalmente tal questionamento, a porta se abre. Era a professora. Como ela se moveu tão rápido?

— Srta. Grant, o que falamos sobre atrasos? — diz ela, com uma postura arrogante.

— Sei que a senhora não tolera, sra. Dupont. Não acontecerá de novo.

— É claro que não vai. Sente-se logo.

E lá foi a sra. Bulldog — como alguns alunos grosseiramente a apelidam — desfilando até o quadro. Procuro por um lugar para sentar, até que encontro um do lado de um garoto de cabelos negros. Ponho minhas coisas sobre a mesa e sinto um calafrio ao perceber que meu companheiro-de-carteira estava me observando.

— Desculpe, estou interrompendo algo? — pergunto, chateada.

— O quê?

— Você está me encarando.

O garoto continua a olhar para mim, dessa vez, mais preocupado.

— Foi mal, é que estou meio deslocado aqui. Sou novato e estou tendo meus dias de experimentação da escola.

— Ah... que estranho. Esse é seu primeiro dia, então?

— Na verdade, é o quarto. Nem sei como não nos esbarramos pelos corredores ainda.

— A escola é enorme. É até compreensível.

Rimos baixinho para que a professora não nos ouvisse. Ele até que era legal pra um novato.

— Sou Jace Lewis.

— Summer Grant. — digo — Posso te mostrar a escola depois das aulas. O que acha?

Ele abre um sorriso ainda maior do que antes, o que me fez sentir satisfeita. Sorrio de volta.

— Seria perfeito.