No recanto daquela cantina saturada de fumo de cigarros diversos jogava-se uma partida de sabacc muito séria. A tensão era palpável na mesa à qual se sentavam cinco jogadores. O dinheiro que estava em jogo era imenso e havia quem suasse e bufasse, aterrado, por as apostas terem alcançado aquele valor absurdo.

Os jogadores eram todos loucos, alimentando a sua loucura com a dos outros, porque não podiam ficar para trás em matéria de orgulho, bazófia, cinismo e arrojo. O perigo era que estivessem todos a mentir, mas algum deles, daquele restrito grupo de cinco, iria ficar rico ou, pelo menos, melhor abonado quando se revelassem as cartas finais.

Já não era apenas uma questão de bluff e de manter as aparências. Era uma questão vital, de sobrevivência. O vencedor haveria de receber acusações graves e diretas sobre a sua honestidade, qualquer que fosse esse indivíduo. Os perdedores iriam vender cara a sua pele, as armas estavam carregadas e prontas a disparar. Ninguém sairia ileso daquele esquema.

Pressupunha-se, então, apenas um vencedor e quatro perdedores.

Uma contabilidade lógica, mas detestável.

Era o conjunto iminentemente perigoso da partida, da competição entre os participantes, a definição de que todos eram adversários mesmo que antes de se sentarem àquela mesa fossem amigos ou camaradas, que tornava o jogo, em si, tão atrativo. Eram as contradições que alimentavam aquela noção de prazer, o pequeno instante de certezas e de dúvidas. Viver no limite, experimentar a situação extrema de estar a arriscar a vida quando se tomava a decisão de ir a jogo, de mostrar uma carta, duas, de fazer uma aposta, de tentar ludibriar o oponente, de ter a ilusão de ganhar.

Mesmo com todo o dramatismo que sobrecarregava a mesa, não merecia a atenção especial dos outros frequentadores da cantina. O jogo era comum naquele lugar escondido da galáxia e haver zaragatas após a conclusão de um encontro entre jogadores era igualmente comum. Então, ninguém achava estranho o ambiente carregado de tensão que envolvia a mesa. Uma única mesa disponibilizada para o efeito.

Nas outras mesas bebia-se muito e o álcool ajudava a traçar a fronteira que separava os bêbados dos jogadores – tudo escumalha perigosa, com as emoções espicaçadas pelo vício. Amigos e inimigos, a alteração de estatuto era tão rápida quanto um disparo laser.

Não se jogava um jogo normal de sabacc, mas uma variante que usava um par de dados chamada ‘Spike Corelliano’. Não havia um dealer das cartas, pelo que a casa, que usualmente ganhava sempre a partida, pois era manifestamente impossível bater a distribuição e a fixação inicial das cartas feitas por um dealer profissional pago pela cantina ou pelo casino, não se encontrava presente entre os cinco jogadores. Eram apenas cinco apostadores, sem casa, portanto. Se por um lado era um alívio e uma espécie de garantia, por outro aumentava o risco de reações imprevistas após a obtenção do resultado final.

Junto a cada jogador amontoavam-se os créditos e outros ativos que entravam na aposta global, numa monstruosa e exorbitante quantia. No campo de suspensão do centro, as cartas flutuavam inertes ainda sem revelar o seu valor facial. Os pontos conseguidos pelas cartas eram complementados por aqueles obtidos pelos dados de seis faces que os jogadores tinham nas suas mãos esquerdas, fechados no respetivo punho, enquanto a mão direita segurava as três cartas que ainda restavam, depois de todas as trocas feitas.

O wookie rosnava, num registo que significava apreensão.

O corelliano tinha no rosto uma expressão de puro desprezo.

O socorriano mordia os lábios e rangia os dentes.

O taanabiano estremecia, contorcia-se, praguejava num tom baixo.

O tarisiano mostrava-se muito pálido e parecia catatónico.

A hora da verdade aproximava-se e embora todos eles quisessem terminar com a tortura, existia uma parte racional que os compelia a não quererem saber que desfecho teria aquele jogo.

Alguém iria perder… demasiado!

Alguém iria ganhar tudo.

Se prolongassem aquele momento parado, em que ainda lhes era possível controlar o parceiro, mantinha-se o estatuto e a tranquilidade artificial era, de certa forma, reconfortante.

Um único bipe soou próximo da mesa.

Houve um ligeiro pestanejar. O som tinha destruído a aparente perfeição do cenário. Havia uma mensagem que não podia ser ignorada.

O corelliano levantou-se e anunciou, subitamente, que desistia. Guardou os dados e levantou-se da mesa, ocultando as suas três cartas. A rosnadela do wookie troou como um trovão medonho e também se levantou. O socorriano espantou-se e gaguejou uma pergunta. O taanabiano exigiu num berro que se regressasse ao jogo. O tarisiano engoliu em seco, olhando para os outros quatro com uma expressão de horror.

Não havia argumento que fizesse o corelliano regressar à mesa.

Atirou alguns créditos para o balcão para pagar as bebidas que ele e os amigos tinham consumido no início da noite e afastou-se, olhando discretamente pelo intercomunicador para receber a mensagem encriptada, que lhe chegara numa única frase abreviada. Deixava a sua aposta sobre a mesa de sabacc, uma fortuna.

O sinal tinha sido combinado com a lata amarela e, pelos vistos, a lata amarela não se tinha esquecido de que ele lhe pedira. Queria ser avisado imediatamente se existissem alterações significativas que fossem potencialmente perigosas ou que levassem a problemas complicados.

Parou no lado de fora da cantina, de testa crispada. Os dedos apertavam o intercomunicador. A brisa noturna tinha um cheiro pestilento. Aquele lugar era sórdido e pouco recomendável, um buraco oportuno para se escapar do centro da galáxia onde era tudo demasiado ordenado e perfeito. E ele leu novamente a mensagem.

As negociações tinham corrido terrivelmente mal.

Uma descarga de adrenalina incendiou-lhe a corrente sanguínea. Tinha um mau pressentimento sobre o que iria acontecer a seguir.

Um encadeamento simples de eventos. Ela iria ajudar o irmão, ele iria ajudá-la e, por conseguinte, também ajudaria o amigo. Os três, novamente em apuros. A vida encarregava-se de repetir os ciclos mais ou menos agradáveis da existência, de recuperar os desafios.

Ele dispensava, de bom grado, o reencontro com a princesa.

Mas nunca iria abandonar o miúdo.

Chewbacca chegou com Lando Calrissian. Vinham os dois agitados e exigiram saber o que se estava a passar. O primeiro trazia nos braços peludos os créditos que lhes pertenciam. Só por causa do seu corpanzil ameaçador conseguira reaver o dinheiro apostado e convencido os outros dois de que o jogo tinha, efetivamente, terminado. O taanabiano, contava aos roncos, queria uma disputa de armas para resolver aquilo. Não tinham muito tempo. Ou iam-se já embora, ou voltavam à cantina para terminar o jogo, ou enfrentarem-se num duelo. Han Solo disse-lhes simplesmente que regressava à Millenium Falcon, tinha de ir tratar de um assunto que envolvia os dois irmãos Skywalker. Lando Calrissian explicou-lhe zangado que o taanabiano haveria de os perseguir pela galáxia afora até apanhá-los e fazê-los pagar a dívida. Não era só o sabacc que estava em causa.

Han espetou um dedo.

— Os amigos ajudam-se, Lando!

O socorriano abriu os braços impotente, enquanto via o corelliano afastar-se com o wookie no seu encalço.

Pelos vistos havia amizades mais importantes que outras.

A escolha de Han Solo era óbvia.

Preferia ir ajudar um mestre Jedi e uma princesa senadora a ajudar o seu amigo de outros tempos que precisava de se safar de uma patifaria que tinha feito antes de se tornar no respeitável barão administrador de uma exploração mineira e que envolvia aquele taanabiano rancoroso.

Passou a mão pelos cabelos sentindo um amargor na boca do estômago. Se não resolvesse aquela pendência do seu passado, a sua reputação estava em risco e não queria perder a única conquista válida que fizera na vida. Bespin.

Lando também fez uma escolha.

Não podia ficar ali a dialogar com um taanabiano furioso, sozinho. Nem tinha o dinheiro suficiente para o fazer calar.

— Ei, esperem por mim!