— Leia!

Luke ajoelhou-se junto da irmã, amparou-lhe a cabeça. Viu a cor a regressar-lhe às faces e sentiu-se mais aliviado. Soprou o ar pela boca, permitiu-se acalmar. A irmã já não estava tomada pela contaminação artificial do lado negro da Força. E fora ele que a curara ao conter e derrotar Bekbaal.

O velho tinha mirrado e emagrecido, tornando-se numa garatuja de criatura à qual fora arrancada consistência, volume, integridade e propósito. Era uma sombra, uma ideia, algo diferente que vogava entre a vida e a não-vida, despojado do seu poder e da sua força. Gemia involuntariamente, em ruídos incoerentes que dir-se-iam se escapavam para a atmosfera como últimos fragmentos da memória do que tinha antes sido. Estava a desfazer-se, a remeter-se a um anonimato que o sepultaria nas dobras invisíveis da galáxia. Depois, não seria mais nada.

As pestanas da princesa tremeram e as suas pálpebras contraíram-se.

— Leia – voltou a chamar Luke. – Como te encontras? Tens alguma dor?

Ainda de olhos fechados, ela respondeu, a voz enrouquecida:

— Tive um pesadelo terrível.

— Conta-me.

O corpo dela relaxou quando ela fez uma respiração funda e libertou todo o alento dos pulmões. As suas mãos, antes fechadas em dois punhos crispados, abriram-se e os dedos enrolaram-se, moles. Continuava de olhos cerrados e tentava situar-se, nesse mundo entre a realidade e o sonho.

— Estava num deserto gelado. Havia alguém que queria… o meu filho. Cobiçava-o, no meu ventre, porque a Força nele é… enorme e preciosa. Depois eu aceitei entregar-lhe a criança e deixei de sentir. Estava tudo escuro.

— Estiveste por momentos no lado negro, minha irmã. Agora, recuperaste.

— Fui envenenada? – E então abriu os olhos e fixou as suas íris castanhas e doces no irmão. – Como tu foste envenenado?

Luke respondeu-lhe com um sim mudo, acenando a cabeça.

— Por quem? Havia Ysalamiri por todo o lado, como pôde a Força ter penetrado no palácio, nesta sala e se ter deixado inquinar com esses miasmas que me atingiram?

— Bekbaal. Mas eu derrotei-o.

Ela percebeu o anel no dedo do irmão e sentou-se bruscamente. Luke assustou-se, julgando-a frágil, mas a determinação na sua postura demoveu-o de tentar um conselho para que se imobilizasse ou não fizesse esforços desnecessários.

Olharam os dois ao mesmo tempo para a coisa que se retorcia no centro da sala e que antes tinha sido o velho arrogante que afirmava comandar uma legião de espíritos da Força. Ergueu o que restava dos seus braços e pediu clemência num silvo.

Luke foi até ele. Postou-se diante do corpo esmagado e amarrotado do antigo mestre Jedi e disse, cheio de misericórdia:

— Diz-me, Bekbaal. Como te posso ajudar?

— Nada me pode ajudar – crocitou Bekbaal, mas não havia rancor ou pena na sua voz esmaecida. Apenas uma leve vergonha e uma resignação fatigada. – Estou acabado e entrego-me ao esquecimento sem qualquer vontade de contrariar o meu destino. Os meus pecados são grandes e persisti por caminhos ínvios, mesmo com todos os avisos dos meus amigos. Sim, há amigos meus assassinados entre os fantasmas que eu voltei a quebrar e a confundir. Pobres almas! Se fui um Sith, como Vader? Talvez tenha sido… nunca me vi completamente no lado sombrio. Nem no lado da luz. Serei um Jedi cinzento? Sê-lo-ei… neste momento, não sei quem sou, nem quem fui. Sei apenas o que serei. Átomos dispersos que serão reciclados em algo mais benéfico. Espero paz.

— Quem é Snoke? Quem é esse que te manipulou e que te fez corromper os fantasmas da névoa?

— É um pulsar irresistível. – Ao dizê-lo, o que restava do rosto de Bekbaal sorriu com a boca a entrever-se numa feição que se borrava. – É uma sedução doce. É só uma voz. Talvez nem tenha corpo ou matéria. É algo feito por outro algo. Uma sucessão de erros. Um código de imortalidade. Talvez algum dia venha a formar-se numa criatura. Por enquanto navega pela galáxia a capturar incautos. Capturou-me a mim e há de capturar mais alguém ainda mais poderoso. Vi-o numa visão da Força. Um rapaz de cabelos negros com sangue real, ainda por nascer.

Instintivamente, Leia levou as mãos ao ventre e cobriu-o.

Como Bekbaal estava cada vez mais pequeno, em palpitações que lhe iam roubando o tamanho, Luke agachou-se para manter a conversa.

— Preciso de encontrar esse Snoke…. Esse pulsar. Como o farei? Diz-me.

— Vai até ao primeiro templo Jedi. Aí, no teu exílio, saberás que perdeste.

— Exílio? – estranhou Luke.

O velho não lhe respondeu. Volveu um derradeiro olhar para os dois irmãos e anunciou num fino murmúrio que cortou suavemente o ar da sala:

— Os fantasmas da névoa pertencem-vos. Aos Skywalker. Vocês são os últimos Jedi e os derradeiros guardiões da Força. Usem-nos bem. O meu trabalho concluiu-se.

Dito isto, Bekbaal esfumou-se. As suas roupas já minúsculas expiraram um fiapo de ar que se elevou numa voluta espiralada. Depois houve um grande silêncio. Leia puxou pela manga de Luke que se levantou instigado pelo puxão da irmã. Olhou para a vidraça da janela que ela apontava. Havia um coro de espectros no exterior que os fixavam com expressões neutras. Os fantasmas da névoa aguardavam a sua liderança. Tinham conseguido penetrar nas defesas criadas pelas árvores Olbio e pelos lagartos Ysalamir e estavam concentrados em redor do edifício onde eles, os últimos Jedi, se encontravam numa dissimulada prisão domiciliária.

— Vai buscar o teu sabre de luz, minha irmã – pediu Luke. – Receio que precisemos de lutar, mais uma vez.

— Sim.

Leia correu até ao quarto. Ele escutou-a a remexer nas suas coisas, enquanto apanhava a capa e a recolocava sobre os ombros. Estendeu o braço e recuperou o seu sabre de luz. Sentiu outro remexer e fez a pergunta, cabisbaixo, os olhos a se contentarem com a distração fútil do desenho inconfundível daquele punho que ele, num dia remoto de calor, construíra numa casa caverna de Tatooine.

— O que devo fazer com os fantasmas da névoa? – perguntou. – Não me podem pertencer. Esta legião de antigos mestres Jedi são património de Hkion.

A figura tremeluzente do mestre Yoda respondeu-lhe:

— Em primeiro lugar, apagar as tuas outras dúvidas deverás. O teu exílio próximo não está. Enigmas de um futuro distante são.

— E Snoke? – Luke ergueu o olhar que tinha, subitamente, endurecido.

— Trata-se de uma perturbação na Força desconhecida que não conseguimos penetrar ou prever – explicou o espírito do mestre Obi-Wan Kenobi que se juntava ao de Yoda. – Está demasiado distante e é demasiado instável.

— Poderá ser uma fantasia de Bekbaal? O velho queria ter uma desculpa para a sua conduta censurável e inventou um subterfúgio. Assim a culpa não seria tão pesada…

— Na palavra de Bekbaal confiar deverás – avisou Yoda. – Por enquanto, outras questões terás. Hkion de libertar-se precisa. O equilíbrio rompido foi.

— Precisas de restaurar o equilíbrio, Luke – reforçou Kenobi, mostrando as mãos. – Os príncipes de Hkion querem o controlo dos fantasmas da névoa que está, agora, nas tuas mãos. Deverás decidir ajuizadamente.

Luke olhou em volta.

— Onde está o meu pai?

— Anakin recolheu-se, Luke. Não o invoques. Ele virá, por sua iniciativa, se assim fôr necessário.

Tinha mais perguntas a fazer, mas aceitou os conselhos dos dois mestres Jedi assim como lhe foram confiados. Bastavam e havia sabedoria neles. Fez uma breve reverência dobrando o pescoço. Quando Leia se lhe juntou já não viu os dois fantasmas que o acompanhavam naquela dura jornada de ser o último cavaleiro Jedi na galáxia. Tinha a irmã, contudo. Ela não era Jedi, mas usava a Força, Bekbaal afirmara que eles eram os últimos Jedi e tinha, naquele assunto, que basear-se nessa premissa.

Seriam dois Jedi e era deles o controlo da legião dos fantasmas da névoa que aguardava, no exterior, e que tinham tomado o palácio naquele assalto silencioso.

Chamou por Artoo e o astromec apareceu aos apitos e aos assobios, numa barulheira infernal. Luke ficou a saber que as ruas da capital estavam a ser ocupadas por um exército massivo, composto por muitos homens.

— Um exército? – estranhou Leia. – De onde apareceu esse exército?

— Han está de regresso? – admirou-se Luke, por sua vez, decifrando a linguagem binária do androide. – Ele deve estar a dirigir-se para cá… Precisamos de o ajudar a chegar até nós. Ele vai abrir o seu caminho à força até ao palácio se for intercetado pelos soldados e vão existir baixas.

— Não quero baixas! – exigiu Leia, irritada. – Eu disse-lhe que não queria baixas.

— Artoo, convoca o mordomo real. Precisamos de falar com Tir’etakion urgentemente!