O ermo estava envolto em paz celestial e não havia qualquer ruído que o perturbasse. A planície desdobrava-se silenciosa por muitas milhas, terra árida, despida, dura, e o céu abraçava esse chão invicto num dossel escuro pontilhado por inúmeras estrelas. As duas luas de Hkion já se tinham posto e a madrugada era gelada, antes dos primeiros raios do sol fraco anunciarem o novo dia.

Luke Skywalker olhava o horizonte sombrio e distante, tranquilo, uno com a Força. Gostava da contemplação, da quietude, daquela calma que conseguia experimentar num estado de completo abandono e entrega. Um pouco diferente da meditação pura, era aquele um estado de espírito intermédio, em que ele podia sentir mais, pensar menos e extasiar-se com as derradeiras maravilhas do Universo.

Talvez fosse só isso o que significava ser um Jedi. Essa partilha tensa com a existência, em que qualquer passo em falso podia destruir o equilíbrio. Não era fácil, nunca o era. Bastava um pestanejar e tudo se desfazia. Havia o palpável, o quotidiano, as escolhas e as falhas. Ele tinha as suas lacunas, os seus pecadilhos, as suas hesitações, as suas porções de humanidade incompleta. E de seguida conseguia tocar o intangível, o excelso, o elevado, o que não se podia nomear. Tudo fazia sentido e era de uma beleza esmagadora, alcançar essa transcendência e sabedoria.

Havia momentos como aquele, em que ele percebia que tinha nascido para ser o que era – um Jedi em harmonia com a Força. Porque o seu sangue era Skywalker. E porque era o seu destino.

Atrás dele, a legião silenciosa dos fantasmas da névoa aguardava. As centenas de espíritos pairavam submissos e curvados, mas ele sentia a cólera latente que os agitava por terem sido usados, maltratados e enganados pelo poder de Bekbaal e pela Força negra que, de longe, esse misterioso Snoke conseguia controlar, ao ponto de influenciar os atos de quem estava naquele sistema longínquo e quase anónimo.

Franziu ligeiramente o rosto, experimentando uma pequena quebra na sua ligação à energia cósmica.

Não, não se devia distrair, nem deixar-se levar pelos sentimentos negativos que tanto haviam prejudicado já os fantasmas da névoa.

Recuperou a sua plenitude. Respirou fundo.

Ao seu lado estava o pai, Anakin Skywalker. Velado pelo manto Jedi, com aquela postura peculiar e que lhe era muito característica do queixo quase colado ao peito, a olhar de baixo para cima. A companhia era mais do que bem-vinda. Era necessária. Luke iria lidar com os resquícios de outros eras, do antigo, de um mundo que lhe era completamente estranho, mas que o pai, na sua juventude, havia conhecido e experimentado num registo já decadente. Depois fora também o seu pai que destruíra a tradição milenar da Ordem Jedi, sepultando-a debaixo dos escombros da guerra e do terror. Era a companhia que ele precisava, naquele repto.

Yoda e Obi-Wan Kenobi também lá estavam. Luke sentia as vibrações dos seus espíritos, a assinatura inequívoca que possuíam na Força, entre toda a energia que perpassava a galáxia, mas não os conseguia ver e não os procurou ver.

Os dos príncipes de Hkion tinham alcançado uma paz rápida contra o exército dos clones e precisavam de consolidar essa paz. Bekbaal tinha controlado os fantasmas da névoa recorrendo a artifícios pouco naturais e que utilizavam o lado sombrio. Depois de destruírem os clones, o sabor agridoce da vitória, a sua supremacia incontestada e o seu poder inesgotável eram demasiado tentadores. Os espectros não iriam abdicar desse trono que tinham conquistado. Embriagados pelas sombras podiam tornar-se um problema. Não deveriam ser contidos, ou manietados – seria repetir o erro crasso de Bekbaal. Era preciso libertá-los e honrá-los. Só assim os fantasmas da névoa regressariam ao seu lugar de origem. Só assim seriam purgados da Força negra que os contaminava e constrangia.

Luke abriu os braços e, nesse gesto, era como se abraçasse o deserto que se estendia, infinito, diante de si. A ponta dos seus dedos formigava, até aqueles da mão artificial. Era calor e era frio. Era toque e vazio. Era água e poeira. Era tudo e nada.

Anakin disse-lhe:

— Eles estão prontos.

Assentiu, compreendendo que estava feito e concluído. Luke baixou os braços devagar, colocando-os às ilhargas.

Os fantasmas da névoa avançaram e passaram por ele, num coro silencioso e vagaroso, arrastando-se numa torrente de corpos transparentes, de vários formatos, feitios e compleições, velados pelos seus mantos azuis translúcidos. Ao esvoaçar rente ao solo faziam somente um ligeiro farfalhar pela areia afora. Não chegavam a alcançar o horizonte. Dissolviam-se no ar à medida que se afastavam, juntando-se a pouco e pouco numa nuvem azulada que nunca chegava a engrossar, a formar-se por completo.

Sem um som, sem um agradecimento, sem um lamento.

— Estão apaziguados.

— O lado sombrio já não lhes condiciona o gesto – confirmou Anakin.

— Eles obedecerão aos príncipes?

— Eles obedecerão sempre a Hkion, meu filho. Eles confiaram em ti e asseguraram-se de que não estavam a ser novamente ludibriados através de mim. Agora, os fantasmas da névoa estão no seu devido lugar, na Força poderosa que envolve toda Hkion. Tu podes senti-lo.

— Sim, meu pai. Eu sinto essa Força. É… é incrível!

— Se te deslumbrares, resvalas para a armadilha que te fará desejar subjugar os fantasmas da névoa.

— Também sinto esse… desejo. Um apelo, um chamamento. Compreendo a razão da queda de Bekbaal. Mas é diferente…

— Diferente do quê?

— Diferente do lado negro. É quase… natural. Não conseguimos fazer distinção e podemos errar.

— Mas tu percebes.

— Sim, meu pai. Percebo. E deixo em Hkion esse desejo que não me pode, nem deve consumir. Vejo-o, compreendo-o, afasto-o. E assim deve ser feito. Obrigado por estares aqui, ao meu lado.

A seguir perguntou, com alguma sofreguidão:

— Quem é Snoke?

O desabafo de Luke ficou a reverberar na atmosfera, como uma faísca gelada. Normalizou a respiração, censurando-se por se ter deixado enredar pelo mesmo desejo ambicioso que ele acabava de dizer que iria descartar. Estava a ser humano e não tinha de pedir desculpa por isso. Era perfeitamente normal porque ele era, precisamente, humano.

Anakin não respondeu. Soltou, de forma inesperada, um suspiro pesado e fundo.

— Quem é Snoke? – repetiu Luke.

— Essa pergunta terá uma resposta. Mas não agora.

— Tu também não sabes quem é…

— O mestre Yoda pressentiu uma alteração na Força, mas foi tão passageira e difícil de captar, de fixar para que o estudo acontecesse, que ele resolveu não persistir nesse caminho. – Anakin suprimiu uma risada, demonstrando que ainda existia nele resquícios embaraçosos da sua velha rebeldia que tanto irritava o mestre. – Acho que… que teve medo.

— Mais respeito, meu pai – advertiu Luke, aplacando a sua diversão. Levou a mão direita enluvada à boca para esconder o sorriso. – O mestre Yoda é sábio.

— Oh, sem dúvida, meu filho! – concordou Anakin levantando os olhos para o céu calado repleto de estrelas.

— E com toda a sabedoria, Snoke escapa-se-lhe. – Luke também olhou para as estrelas. – Um dia, iremos arrependermo-nos da nossa leviandade.

— Um dia, não hoje.

— Será que vai ter um fim?

— Nada tem um fim, meu filho. Os ciclos são eternos.

— Compreendo.

O deserto recuperou o silêncio e a sua vastidão.

Luke viu-se sozinho. A Força já não tremia com aquele êxtase e aquela alegria, o mundo tornava a ser banal, concreto e despojado. O mistério desapareceu. Anakin Skywalker tinha-se juntado ao além, Yoda e Obi-Wan Kenobi já ali não estavam, os fantasmas da névoa eram um mero eco do que tinha acontecido naquele dia que já era passado.

Puxando o capuz para a cabeça, Luke deu meia volta e regressou ao speeder que o tinha trazido até ali.

A sua missão em Hkion fora concluída.