O cristal kyber tinha perdido o seu potencial quando a ligação vital se esvaíra com a morte do seu portador. Era agora uma pedra morta e fria, branca como uma lua estéril, assim como a criatura que ainda insistia em conservá-lo era desprovida de vida pulsante, mas a lâmina do sabre de luz que alimentava, num eco de coisa perdida há eras inomináveis, permanecia tão mortífera como quando aquele cavaleiro Jedi vivia.

Luke Skywalker não tinha quaisquer dúvidas de que o mais mínimo erro seria fatal e, portanto, observava o fantasma com minúcia e paciência, a aguardar as respostas da Força. Os lagartos Ysalamiri continuavam no exterior a controlar a energia cósmica, a absorvê-la e a neutralizá-la, mas havia outro poder que se estendia avassalador e lúgubre, contrariando os animais. Ou estaria a afastá-los, retirando-os dos galhos das árvores Olbio, ou estaria a dizimá-los, matando-os um por um sem qualquer contemplação. Luke sabia quem era – Bekbaal. O velho mestre vinha por ele.

Tinha montado o cenário perfeito para eliminá-lo do seu caminho. Enviara um fantasma da névoa e corrompera a alma de Leia com o lado negro. Luke pediu à irmã, mesmo sabendo que ela não lhe iria obedecer:

— Leia, regressa ao quarto. Por favor!

Não escutou qualquer som vindo dela, nem sequer sentiu uma vibração da alma dela. Ele sabia que ela estava ali, nas suas costas, parada na moldura da porta aberta, tão quieta como um androide desativado, e todo esse silêncio doeu-lhe mais do que se ela lhe tivesse falado com ódio ou desprezo.

Ajeitou o punho do sabre entre as mãos, afastou mais as pernas e preparou-se para a luta.

— Não quero combater contigo. Foste um Jedi, tal como eu sou agora um Jedi. Não temos qualquer disputa. A Força une, não separa.

O fantasma movimentou a cabeça ligeiramente, baixando o queixo e Luke achou que conseguiu entrever, no fundo daquele poço negro que o manto cobria, uns olhos vazios e inexpressivos, dois buracos transparentes. E de seguida, para marcar a sua posição de adversário, ainda que a Força teoricamente os unisse, o fantasma brandiu o seu sabre a as duas lâminas encontraram-se.

Luke defendeu os quatro primeiros golpes, numa sucessão rápida e fácil. Era tudo uma farsa, um logro, uma ilusão para que ele confiasse e perdesse. Ele conseguia perceber o quão poderoso era aquele defunto mestre Jedi. Nele havia Força em bruto, apenas energia – limpa de qualquer peso corpóreo, de qualquer volume e impureza. Não era negrume, nem a mancha habitual derivada das trevas – era algo mais translúcido, inefável, completo.

Por isso, resolveu que não podia deixar o fantasma tomar a iniciativa. Por cada vez que fizesse uma concessão, sempre que desistisse de uma qualquer opção que seria dele, estaria a revelar o segredo para a sua queda. Então, atacou no movimento seguinte. Golpes altos, secos e incisivos. O fantasma também se defendeu facilmente.

Ao voltar um pouco a cabeça para a esquerda, Luke notou que Leia se tinha movimentado. Avançara dois passos e estava fora da moldura da porta. Tentou convencê-la outra vez:

— Leia! Afasta-te. Isto vai ficar perigoso para ti.

Ela soltou uma gargalhada medonha. Luke arrepiou-se.

O fantasma atacou com mais pujança e Luke sentiu os punhos estalarem com a força do impacto da lâmina contrária na sua. Escutou os apitos aflitos de Artoo na saleta das comunicações, duas pancadas fortes, um estrondo. Berros e tumulto. Uma explosão longínqua e o calor do fogo que começava algures, longe dali. As sensações acumularam-se e ele distraiu-se momentaneamente. Tropeçou no sofá e caiu de costas. Espetou o sabre para a frente e o fantasma deteve a investida. Arrastou-se pelo chão, recuando.

Lutava numa meia penumbra. As luzes da sala continuavam apagadas e ele, estúpido, não se lembrara de as acender. A iluminação provinha quase toda do exterior, filtrada pelas vidraças da janela e das luzes acesas no quarto onde a sua irmã estivera a descansar.

Uma descarga elétrica sobressaltou-o, ao atingi-lo diretamente no peito. Luke urrou de dor e arrepanhou a túnica chamuscada junto ao coração. Levantou os olhos surpreendido e ficou gelado de preocupação. Leia estava de braços erguidos, mãos torcidas de dedos dobrados em duas garras e mirava-o de uma maneira louca e perigosa. Fora ela que o atacara.

— Leia! – chamou ele, aflito pela condição deplorável dela.

Mas a princesa não o escutava e avançou com segunda descarga. O emaranhado de raios azulados e escaldantes foi travado pela lâmina do seu sabre de luz, que Luke agitou num movimento afortunado.

O fantasma do velho Jedi avançava, implacável. Luke continuava no chão, a recuar, deslizando pelo soalho, dividindo a sua atenção entre os seus dois oponentes. Tomou uma decisão que lhe amofinou o espírito, mas não podia prosseguir naquela hesitação, pois acentuava a sua desvantagem. Com um movimento controlado, lançando o braço, usou a Força e empurrou Leia de encontro à parede. A irmã gemeu com o impacto, desmaiou ao bater com a cabeça. Depois, com uma pirueta ágil, colocou-se de pé e trocou um par de golpes com o fantasma, sabre contra sabre, afastando-o.

Esticou o braço esquerdo e também empurrou o fantasma com a Força. A silhueta azul desfez-se em névoa, espalhou-se pela sala numa ondulação gasosa que foi perdendo a coerência molecular até se esfumar numa nuvem que se tornou invisível. Luke cerrou os dentes e ergueu o seu sabre de luz, segurando no punho com ambas as mãos.

Devido à resistência anormal conferida pelo lado negro, Leia despertava, ainda mais perigosa e instável. Escutou-a rosnar, tal qual um animal ferido. Notou a mudança brusca na alma dela, as sombras a ficarem mais pesadas.

Através do fino véu de nevoeiro do Jedi que se dissipara, surgiu Bekbaal. Vinha de mãos nuas, que mostrava numa pose despojada e ostensiva, sorrindo maldosamente. Estacionou diante de Luke, cuja metade do rosto se iluminava com a luz verde da lâmina.

— Vim desarmado, Jedi.

— Liberta a minha irmã. Sou eu quem tu queres.

— Ela não quer ser libertada. Ela deseja ser um fantasma da névoa.

— Falso! Ela luta para se libertar da tua influência, mas está perdida no labirinto escuro onde a lançaste. Sinto-a a debater-se, a querer regressar. E tu não a deixas.

— Não a ensinaste bem, mestre Jedi. Se ela fosse mais forte…

— Leia é forte. E eu sou mais forte do que ela.

— És um Skywalker. A tentação e a dúvida fazem parte do teu sangue. É só uma questão de tempo até que tu também sejas meu. Outro fantasma da névoa e o meu exército invencível cresce.

— Bekbaal, tenho o anel que te poderá conter. Mas prefiro não o usar.

— Queres derrotar-me com honra. Que patético! Nunca poderás ser superior ao meu poder.

— O orgulho é o teu maior defeito.

Leia atacou-o com uma teia crepitante de raios elétricos que o envolveu e fê-lo ir com um joelho ao chão. Bekbaal gargalhou alto, divertido. O velho não estava armado, porque perdera o seu sabre algures, durante a fuga – antes de também ele ser assassinado à falsa fé em Hkion, traído por alguém que ele jurou odiar no momento da sua morte. Assim Luke conseguiu perceber num lampejo fugaz do passado que se lhe assomou à mente, numa cadência de imagens tão rápidas e intensas que o deixou enjoado e prostrado. Caiu de joelhos a arfar. Voltou a empurrar Leia com a Força e levantou-se, correndo para cima de Bekbaal que não esperava uma réplica impregnada de tanta fúria.

O velho desviou-se. Usou a Força. Envolveu Luke numa teia ainda mais apertada e flamejante. O Jedi gritou alto, entre queimaduras e estalos, a eletricidade a tomá-lo num abraço mortal. Contraiu-se e concentrou-se. O sabre de luz caiu-lhe aos pés.

Bekbaal cobiçou a arma. Olhou para o punho metálico a rebolar pelo soalho. Distraiu-se. Luke foi capaz de se libertar e de fazer tombar Bekbaal. De mãos abertas, a Força fluía através dele. No dedo indicador da mão direita usava o anel do príncipe Kar’kion.

Apanhou o seu sabre de luz. Aproximou-se de Bekbaal que se contorcia no chão, derrotado e envergonhado.

— Foste assassinado pelo antigo rei de Hkion e pretendes vingança – declarou Luke, a sua voz cheia de autoridade. – Corrompeste os fantasmas da névoa, contando mentiras para que te seguissem nessa missão revestida de raiva e de rancor. A Força sempre foi sagrada neste sistema, os fantasmas da névoa não eram inimigos dos reis de Hkion. Tens estado a servir-te da força negra, tens estado a sujar a tua alma, Bekbaal, em proveito próprio. O que fizeste para que o rei te tivesse assassinado?

— Estava inocente. Vader… Vader, o teu pai, ameaçou o rei e o rei era fraco.

— Muito censurável. Mas tu resolveste persistir na vergonha e na desgraça.

O velho disse entre arquejos, semelhantes ao choro, arrependido:

— Não sou eu… Eu fui utilizado como um mero instrumento, nobre Jedi. Quis retribuição, sim, quis muito acabar com a casa real de Hkion. E houve alguém que se aproveitou da minha fraqueza e da minha dor. Descobriu-me e tem estado a usar-me…

— Quem?

— Snoke.