Ayse fez o caminho de volta, passando novamente pelas duas estatuas que protegiam o dormitório feminino. Encostado sob a parede se encontrava seu pai, ainda trajava o casaco grosso de frio sobre o corpo mesmo a temperatura no interior do castelo sendo completamente estável, os cabelos escuros haviam sido cuidadosamente penteados para trás, os olhos castanhos a acompanharam se aproximar, ele endireitou a postura.

Ela talvez nunca tivesse parado para reparar no pai, talvez o fato de ter acabado de conhecer uma série de alunos de corpos perfeitos tivesse a afetado mentalmente, mas Robert era alto, mais alto que Daniel ela anotou mentalmente, ele também tinha uma barba bem aparada que se unia a um belo bigode, mesmo já estando na casa dos quarenta ela conseguia ver facilmente as marcas de Durmstrang no pai.

Na forma de andar, de se comportar, até mesmo nos músculos dos quais ele fazia questão de manter. Embora tudo aquilo fosse muito presente, ela também se lembrava do quão carinho ele podia ser, e talvez fosse aquele contraste tão grande que fizera sua mãe se apaixonar.

Ele pôs as mãos sobre os dois ombros da filha, seus olhos amenizaram um pouco. Os lábios se abriram em um breve sorriso, um suspiro também se escapou deles.

— Eu sei que isso não tem sido fácil...

— Pai... – Ela não queria começar a chorar, até porque podia ver as pessoas passando e encarando os dois, mas sabia que ele iria iniciar um discurso do qual ela não teria escapatória.

— Não... Deixe-me terminar... – Pediu, ela assentiu ainda o encarando. – Sua mãe e eu não concordamos em algumas coisas, está é um exemplo claro disso. – Ele ergueu os olhos para a escola ao redor e depois retornando a ela – Eu sei que este é o lugar certo para você... Mesmo que seja só por dois anos. – Ele apertou seus braços de maneira afirmativa – Não importa o que tenha acontecido... Você merece isso. – Ele sorriu – Você merece ter os dois melhores anos da sua vida, está me entendendo?

Ayse mordeu o lábio inferior, ela queria concordar, só Merlin sabia o quanto ela queria, mas diante de todas as coisas que haviam ocorrido nas últimas 24 horas, não tinha certeza se podia, sua mãe provavelmente nunca a perdoaria, querendo ou não ela havia machucado alguém, querendo ou não, aquilo as havia afastado mais do que qualquer outra coisa.

Robert pareceu ler a mente da filha, ele se inclinou, de maneira protetiva a puxando para um abraço, Ayse enterrou o rosto no peito do pai.

— Ela irá entender... Cedo ou tarde, ela a ama tanto quanto eu... – O corpo dele tremeu com uma leve risada – Raios, acho que até mais, se é que é possível. – Robert a afastou docemente, Ayse ergueu a mão afugentando uma lagrima que havia escapado. – Lembre-se você não fez nada...

Como ele podia dizer aquilo? Ela sabia perfeitamente o que havia feito.

— Pai... Como não fiz? E aquelas crianças? Aquela menina – Ela podia ouvir o pânico começar a ecoar em sua voz, seu pai olhou ao redor, provavelmente checando para ver se alguém prestava atenção em ambos, quando finalmente teve certeza, sua voz soou como um sussurro.

— Nós não sabemos o que de fato aconteceu, querida. – Os olhos castanhos eram escuros – Até o momento a menina se encontra viva, e da mesma forma que ela irá seguir a vida dela, você vai seguir a sua – Ayse abriu a boca para protestar, mas Robert a calou com o olhar – Nada mais... – Ele se inclinou beijando a testa da garota – Mande-nos uma coruja se algo interessante acontecer okay... Nos vemos no natal, princesa.

Ele sorriu de forma encorajadora, mas não pareceu de tudo funcionar, Ayse o observou se afastar e então descer as escadas e desaparecer. Pelas janelas ela podia ver o céu começar a se tornar alaranjado, seus olhos se voltaram para as estatuas em frente ao dormitório, não queria voltar, portanto decidiu passear novamente pelo castelo em busca de algo novo para se distrair.

(...)

Ao cair do dia os corredores pareciam mais animados, Durmstrang apesar de parecer ameaçadora era uma enorme casa, os alunos aproveitam os períodos livres para ficarem espalhados pelo local, havia pequenos grupos nas escadas, recostados nas paredes, e até no centro da escola, onde mais cedo Daniel havia se reunido com sua turma, a fonte ainda lhe provoca estranheza, mas ela decidiu ignorar, continuando seu caminho sem nenhuma rota em mente, levando-a por um corredor longo que possuía apenas duas portas nas laterais e uma ao fundo, ela ignorou as duas portas perdidas, provavelmente algum depósito ou de acesso restrito a professores, ela seguiu até a última porta do corredor que estranhamente dava para o lado de fora do castelo, Ayse desceu o pequeno lance de escadas, ali o lago se estendia mais próximo, a cor negra das aguas incomodava a bruxa.

Ela nunca havia sido fã de lagos, particularmente porque não conseguia ver tudo que se escondia abaixo de seus pés, ali encarando a cor escura, um leve arrepio subiu pela base de sua espinha, ela deixou seus olhos examinarem a vista, enquanto caminhava despreocupadamente, o frio afastava as pessoas, ela imaginou que no verão, os alunos deveriam passar seus dias ali e não pelos corredores da escola.

Suas mãos estavam enterradas nas vestes, embora tivesse uma leve consciência de por onde ia, sua mente girava em torno dos últimos acontecimentos, os gritos dos adolescentes ecoando em sua cabeça.

A cena apareceu por debaixo de suas pálpebras como um filme em câmera lenta.

O enorme clarão se desfez, os gritos se intensificaram, ela tentou ajustar a visão, caída sobre o chão se encontrava a menina loura que a havia atacado, sua cabeça em um ângulo estranho, havia sangue por todos os lados, sua amiga estava ao seu lado, as mãos segurando-a, Ayse nunca tinha visto tanto sangue, o choro da menina era sufocante, os meninos em torno estavam apavorados, seus olhos indo de Ayse para a menina no chão, ela queria gritar, pedir desculpas, não teve a intensão, era um feitiço inofensivo... Então ela viu, por de trás das ruinas, seu pai correr em direção a ela.

Risadas tiraram o foco de Ayse daquela noite, mais a frente dentro do lago se encontrava um casal, a menina parecia rir por algum motivo, o garoto que a mantinha nos braços não parecia muito contente. A distância ela não conseguia distingui-los, com exceção dos cabelos louros da garota e do contorno dos braços fortes e os cabelos negros molhados do menino, ela observou a trilha de roupa abandonada na margem do lago e inconscientemente entendeu o que estava acontecendo, eles eram, afinal de tudo, adolescentes.

O garoto pareceu perceber a presença de Ayse primeiro, ela respirou fundo apressando o passo de volta ao castelo, não queria causar nenhum tipo de impressão errada, embora ela não estivesse de fato fazendo nada errado, enquanto se distanciava viu a loura dar de ombros e bater com a palma da mão sobre o lago molhando o rosto do garoto, ele não pareceu incomodado, apenas feliz.

Talvez fosse assim que as coisas deveriam ser normalmente, mas ela jamais saberia disso.