Depois de passar a maior vergonha do mundo na noite anterior, Seiya passou o resto dos dias fugindo de Saori ou de qualquer autoridade daquela Mansão enorme que estavam hospedados. Com seu muito parceiro Shun, no entanto, ele deu logo um jeito de colar em Xiaoling, que conhecia Alice e que, mais importante, ia voltar para onde todas elas haviam treinado. E com ela, ele teria uma chance muito melhor do que apenas falar com Alice.

— Então você vai voltar hoje ao seu treinamento? Eu posso ir junto? — perguntou Seiya. — O Shun quer ir também. — disse ele sem nem consultar o amigo.

— Que legal! Vamos todos juntos sim. Eu vou avisar o Tatsumi.

— Não, num avisa não! — disse Seiya segurando a garota. — Ele não gosta muito do Shun, eu acho que não vai deixar a gente ir com você. O que acha de uma grande aventura? — perguntou ele com o rosto brilhante.

— Eu gosto de aventuras. — respondeu ela intrigada.

— Não dá ouvidos a ele, Xiaoling. — alertou Shun.

— O que você acha da gente fugir daqui? — os olhos de Xiaoling brilharam.

— Eu adorei! E aí a gente pode ir juntos pra rua. Eu sei chegar até lá. Vai ser muito legal!

— Ótimo. A gente só precisa de um plano pra sair dessa mansão sem que ninguém nos veja então. — disse Seiya.

— E como pretende fazer isso? Esse lugar é cheio de gente. — disse Shun. — Tem câmera pra tudo que é lado.

— Hm. A única saída é pelo portão da frente de onde todo mundo vêm.

— Mas podemos facilmente pular o muro do jardim do fundo. — disse Shun olhando para o amigo. — Que treinamento você fez na Grécia afinal, Seiya?

— Eu não ficava pulando o tempo todo. — protestou ele, irritado.

— Certo. Vamos pelos fundos. O plano do Shun é realmente o melhor. — disse Xiaoling.

— Está bem. Mas precisamos criar uma distração pra que as pessoas esqueçam da gente. — falou Seiya.

— Elas nem sabem que a gente existe. — constatou Xiaoling.

— Ainda assim. Eu posso usar meus Meteoros e…

— Não, Seiya. Sem quebrar nada. — pediu Shun.

— A gente não precisa de distração, todo dia na hora do almoço, eles trocam a guarda e deixam as pessoas lá de fora entrar para trabalhar. Podemos aproveitar.

— Perfeito. E as câmeras? — perguntou Seiya.

— Eu tenho uma ideia. — disse Shun.

E lá foram eles.

Comeram sua refeição do almoço, devoraram a gelatina e saíram os três de fininho para o fundo da Mansão, sempre muito vigiada por adultos com óculos escuros, câmeras nas cercas e muros altos.

Quando bateu o horário combinado, os três já estavam em frente ao muro que logo iriam pular. Os vigias próximos saíram para que logo chegassem os novos, uma algazarra formou-se na entrada, como sempre acontecia, de acordo com Xiaoling. Ela sorriu.

Havia uma única câmera apontada exatamente para onde precisavam pular. Eles caminharam até ficarem exatamente abaixo da câmera e fora de seu alcance; era a hora de Shun fazer sua mágica. Ele mirou a câmera com a palma da mão e ainda que estivesse muito alta, Seiya e Xiaoling notaram que a câmera lentamente começou a rotacionar no eixo, deixando de focar naquele muro para o outro lado do jardim.

— Vamos. — disse ele, finalizando sua parte. — Agaichou e fez pé para Seiya subir o muro e cair do outro lado. Logo veio Xiaoling e Shun para fora da Mansão.

Mas além da câmera, havia também um par de olhos muito atentos ao que eles faziam.

— Onde pensam que vão? — perguntou Shiryu aparecendo atrás deles.

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— Escuta aqui, se você falar alguma coisa...

— O que acontece? — perguntou Shiryu para Seiya.

— Eu sei lá! Mas você vai ver. — ameaçou ele.

— Deixa disso, Seiya. Quanto mais gente melhor. Eu nem acredito. Agora vamos! — falou Xiaoling empolgada.

— E onde fica o lugar que você treinou? — perguntou Shun.

— Tá vendo aquela montanha lá? Então. É lá mesmo.

Seiya e Shun ficaram chocados, pois a Montanha ficava muito mais longe do que eles imaginavam.

— Ah, Xiaoling, do jeito que você falou, eu achei que fosse mais perto. — disse Seiya.

— Não é tão longe assim. — ponderou Shiryu e perguntou: — O que você fazia no seu treinamento, Seiya?

Seiya deu de ombros e partiu o grupo para sua grande aventura.

Juntos, os quatro andaram pela calçada na direção da montanha, desviando de lixeiras, adultos praguejando aos celulares; os carros zunindo ao lado deles, buzinaço, freadas. O primeiro real obstáculo apareceu logo no primeiro quarteirão e Shiryu simplesmente atravessou a faixa entre os carros causando um congestionamento.

— O que está acontecendo?

— Tá maluca, Shiryu? Tem que esperar ficar verde! — gritou Xiaoling da calçada.

— Mas tá verde.

— Pra gente, não pra eles! — falou Seiya.

Resgataram Dragão e dali em diante Xiaoling só atravessava a rua se fosse de mãos dadas com Shiryu que teimava já ter entendido como funcionava, embora ainda mais de uma vez quase tenha sido atropelada.

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Seiya convenceu os amigos a dar uma passadinha rápida no Orfanato, coisa boba, disse ele.

— Vamos nos atrasar, Seiya. — reclamou Xiaoling.

— Ah, temos o dia todo. É rapidinho. Você vai adorar as crianças.

E assim que chegou, logo viu a criançada no balanço ou brincando de bola na grama. Imediatamente todos pararam e foram direto abraçar o Seiya.

— Seiya! Seiya! — gritaram as crianças

— Você é o campeão, Seiya. Como que fez aquilo? — perguntou Makoto empolgado dando chute no ar feito um doido e caindo de bunda.

— Ei, essa não é a Dragão? É a Shiryu! — a criançada logo amontou em Shiryu também.

— Me ensina o Cólera do Dragão, Shiryu! — perguntou uma garotinha já no colo dela toda descondertada.

— Como assim. Num deu nem cinco minutos e eles já tão gostando dela. — reclamou Seiya.

— Ufa, parece que eles tem uma nova favorita. — comentou Shun.

— Seiya, Seiya! Tem doce! — gritou Xiaoling que nem ao lado deles estava mais, mas já tinha ido direto na cozinha.

— Peraí, Xiaoling, isso aí é das crianças!

Shiryu, Xiaoling e Shun ficaram cuidando das crianças por alguns instantes de privacidade para os antigos amigos.

— A gente precisa ir já Miho. Passei só pra dar um ‘oi’.

— Seiya, você precisa ver a festa que eles fizeram quando você ganhou. Foi muito emocionante.

— Eu fico me perguntando se a Seika viu.

— Eu quero acreditar que sim, Seiya.

— Nós estamos indo agora no lugar em que ela treinava. Parece que é aqui perto.

— Que bom, Seiya! Não esquece de me contar o que descobrir.

— Obrigado por tudo Miho. — comentou ele sorridente até perceber que havia uma estranha sombra entre eles.

— O que é isso? — e Makoto passou voando pela cabeça de Seiya. — O que que é isso, Shun?

— Eles queriam saber qual era a minha técnica. — respondeu ele sorrindo.

— Tô voando, Seiya! — gritou Makoto.

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Saídos do orfanato, andaram ainda mais um bom caminho até o final de uma grande avenida que virava uma rodovia para longe da cidade. Mas antes dela partir para outros lugares, uma grande escadaria iniciava para dentro de uma mata aparentemente fechada.

— É aqui. Provavelmente chegaremos antes do pôr do sol. — animou-se Xiaoling para espanto de todos.

— Bom, eu acho que vou esperar vocês voltarem por aqui mesmo. — disse Shiryu desanimada com o tamanho daquela subida.

— Não vai não, que você num sabe nem atravessar a rua. — disse Seiya puxando ela de volta.

E passaram basicamente o resto do dia subindo as infinitas escadarias que, quanto mais altas chegavam, menos cuidadas e mais invadidas de plantação ficavam. E quando todo mundo estava esbaforido de tanta subida, Seiya parecia o mais tranquilo.

— Ué, gente. Vocês não subiam escadas no treinamento de vocês não? Vamos que tem mais a frente.

— Eu estou com uma sensação estranha. — comentou Shiryu.

— Eu também sinto, Shiryu. É como se estivessem nos observando. — disse Shun.

A sensação não os impediu de seguir adiante até mais alguns minutos até que fossem zapeados por uma onda de choque fortíssima e caíssem alguns degraus para baixo.

— Estão bem? — perguntou Seiya, mais acostumado a choques. Todos estavam bem. — Quem está aí? Apareça!

— A pergunta é quem… são vocês? — disse uma voz adiante e outra atrás deles.

— É a Xiaoling, seus dois paspalhos! — gritou ela.

Shiryu e Shun perceberam que atrás deles surgiu um garoto vestido de robe escuro. Seiya e Xiaoling viram uma garota alta vir até eles.

— O que está fazendo aqui Xiaoling? Porque trouxe visitas? — perguntaram intercalados.

— Eles vieram me acompanhar.

— Pois podem voltar. Ela está entregue. — disse a garota.

— Eu quero saber da minha irmã Seika! — falou Seiya tomando a frente de Xiaoling. — Ela treinou aqui, não treinou?

— Ele é irmão de Seika e gostaria de falar com a mestra, Shinato. — disse Xiaoling.

— A mestra não está aqui e mesmo que estivesse não te receberia. — respondeu o garoto lá de trás.

— Pois eu vou ficar aqui até que ela volte!

— Vai perder seu tempo, pois não sabemos quando ela voltará! — tornou a falar ele.

— Eu não vim até aqui pra voltar sem nada. — revoltou-se Seiya.

— Seiya, mas se ela não está aqui… — tentou Shun.

— Eu conheci Seika. — disse Shinato, em silêncio até então. Seiya imediatamente virou-se para ela. — Venham.

— Ô Shinato, o que está fazendo?

— Um pouco de hospitalidade, Mirai.

— Pois a mestra vai te matar.

— A gente coloca a culpa na Xiaoling.

— Ei! — protestou ela.

Subiram finalmente os últimos degraus e notaram um pequeno templo, um rochedo enorme e pouquíssima instalação habitável. Ao redor de uma fogueira simples, sentaram-se todos para desinchar o pé enquanto a noite já ia caindo aos poucos.

A convite de Shinato, Seiya entrou no pequeno templo onde incensos queimavam e, no fundo, em um tipo de armazém, Shinato entrou e voltou com uma fotografia. Da irmã de Seiya.

— Seika…

— Ela chegou aqui há sete anos.

— Foi quando nós fomos enviados para nossos treinamentos.

— Ela era muito boa nos treinos. Era a melhor, na verdade. Nem sempre ela ficava com a gente, pois gostava de voltar para o orfanato que ela tinha vindo.

— E o que aconteceu com ela?

— Certo dia, ao amanhecer. Eu, a mestra e Alice simplesmente vimos que ela não estava mais no acampamento. Achamos que ela tinha voltado para o orfanato e que em alguns dias ela estaria de volta. Mas passaram-se dias. Semanas. Meses. E nada.

— Não foram atrás dela? — perguntou ele.

— Notificamos a Fundação e eles garantiram que iriam buscar o paradeiro dela. Mas…

— O quê? Diga!

— Onde quer que ela tenha ido. Ela foi porque quis ir, Seiya.

— Como pode ter certeza disso?

— Eu tenho, Seiya. — afirmou Shinato.

— Não tem como saber disso! — protestou Seiya.

— A pombinha falava muito de você. — interrompeu uma voz grave dentro do templo.

— Mestra!

Seiya virou-se e viu uma senhora em uma cadeira de rodas de madeira, o corpo enfaixado dos pés às cabeça e uma faixa escura tampando-lhe os olhos.

— Você é o pupilo de Marin. — disse ela.

— Conhece a Marin?

— Sei que ela deveria ter sido mais rígida com você.

— O que quer dizer com isso?

— Que não deveria ficar choramingando por causa de uma foto. Ora, sua irmã me dizia que você era muito mais corajoso do que isso.

Seiya olhou para aquela figura misteriosa e olhou para a foto que tinha nas mãos. Um misto de felicidade enorme ao lembrar de sua irmã, de saber algo que sua irmã tenha dito; mas também uma tristeza de talvez não estar à altura do que ela tinha para ele. Limpou as lágrimas dos olhos.

— Assim é melhor. Agora volte, garoto. Se continuar lutando com a força com que sua irmã me falava que tinha, um dia seus caminhos se cruzarão novamente.

Seiya ainda estava embargado e com uma vontade enorme de insistir em algo que já era claro estar perdido. Ele olhou para a foto outra vez, era sua irmã sorrindo em frente aquele pequeno templo. Ele sentiu esquentar o peito ao imaginar que ela esteve ali e que era feliz. Sentiu-se um pouco culpado novamente por estar tão miserável de saudades.

— Obrigado. — disse ele deixando a foto com Shinato.

— Pode levar a foto se quiser.

— Ele não precisa. — disse a Mestra ao vê-lo sair do templo..

Do lado de fora do pequeno templo, estavam todos de pé aguardando Seiya que apareceu com um sorriso no rosto e um semblante renovado.

— Vamos voltar então?

— Eu vou ficar. — disse Xiaoling. — Como eu disse. Preciso treinar pra ficar tão forte quanto a Shiryu. — disse Xiaoling.

— Tenho certeza que ficará muito mais forte. — comentou Shiryu.

— E você vê se dá a mão pro Shun na hora de atravessar a rua!

Derrotados pelas escadas, voltaram eles aos trancos e barrancos. Por sorte a descida é sempre mais fácil do que a subida e muito antes do que imaginavam já estavam à caminho da Fundação. Seiya pediu que Shun e Shiryu fossem à frente.

Ele vagou sozinho pela avenida próximo da Mansão, cruzou um pontilhão lembrando de sua irmã e juntando as certezas que tinha para continuar em seu caminho. Ao longe, viu um painel enorme com uma foto tirada de quando ele mesmo havia vencido sua luta contra o Urso, intercalando com outros Cavaleiros do Torneio. Se chegasse à final, talvez ela realmente pudesse vê-lo.

Caminhando, percebeu uma garota sozinha; o semblante triste caminhando na direção contrária à dele. Ela trupicou no encaixe da ponte e deixou cair o que carregava nas mãos; Seiya antecipou-se e evitou que a corrente caísse entre os rebites para ir ao mar. Era um pingente com uma figura conhecida.

— Pégaso? — perguntou ele para ela. — Essa é a minha constelação protetora.

— Ah, você é… o Cavaleiro de Pégaso do Torneio.

— Ah, sim. Sou Seiya de Pégaso. — e entregou o pingente para a garota. — É importante para você, não é? Cuidado com ele, hein.

Ele percebeu a garota tristonha olhando para o pingente.

— Essa é uma lembrança da minha irmã. — disse ela.

— Da sua… irmã? — perguntou ele com um frio no estômago. Ela confirmou e os dois se olharam por um tempo.

A garota voltou a andar cabisbaixa enquanto as palavras revoavam na mente de Seiya. Uma lembrança. Aquela irmã também estava distante, pensou ele; ela também sofria a saudade que batia nele. Seiya olhou de volta para a garota e a chamou de volta.

— Sabe, eu também tenho uma irmã, e ela também está muito longe agora.

— Longe? — perguntou a garota olhando para ele.

— Sim. Mas eu sei que ainda vou encontrá-la. Se eu continuar lutando e não desistir, sei que vou revê-la.

A garota olhou esperançosa para o garoto confiante e o surpreendeu com um abraço.

— Boa sorte, Seiya! — disse ela.

— Para nós dois. Vamos dar o nosso melhor! Se a gente ficar assim meio tonto, nossas irmãs vão dar um cascudo na gente. — e a garota riu pela primeira vez.