— Shun!?

A Cavaleira de Fênix despertou e viu-se coberta de neve, a cabeça dolorida e o braço direito parcialmente congelado; ela lembrava-se de sair da caverna de Hagen com a Safira de Odin e então ser surpreendida por um Cosmo incrivelmente forte na parte de fora. Ela olhou para os lados, mas não viu mais ninguém; por quanto tempo esteve desacordada, afinal de contas? Ikki colocou-se de pé e olhou adiante onde podia sentir, ainda que muito sutil e brevemente, o cosmo de seu irmão brilhando.

— Shun está lutando. — adivinhou ela, sozinha.

Não encontrou em lugar algum a Safira que havia conquistado, mas então tinha a mais absoluta certeza de que a pessoa que a havia atacado claramente também havia tomado a pedra preciosa. Distante no horizonte assomava-se o grande Colosso de Odin, velando o castelo que era o Palácio Valhalla abaixo dele. Ainda haviam as pegadas no chão de quem a havia derrubado na neve e Ikki viu como tomava uma direção clara até onde algumas árvores pareciam começar a aparecer já dentro da área fortificada de Valhalla.

— O que pretende fazer, Hyoga? — perguntou-se ela, pois sem dúvidas havia sido o Cavaleiro de Cisne que a havia derrubado na neve.

Seu gelo era um Cosmo que Ikki jamais se esqueceria, embora tivesse clareza de que o rapaz não usava sua bonita Armadura de Cisne, mas uma proteção carmesim curiosa que ela foi capaz apenas de ver de relance antes de ser nocauteada. Mas Ikki lembrava-se bem do relato de Shiryu à entrada de Asgard; Hyoga estava mudado.

— Inferno de moleque. Deu sorte que Hagen quase me derreteu inteira naquela caverna. Ela vai ver!

Mas então assim que colocou-se na direção das pegadas, sentiu o Cosmo de Shun estalar no horizonte e hesitou por um momento, dividida entre seguir aquela trilha ou ir onde o Cosmo de seu irmão brilhava. Ela fechou os olhos e escolheu confiar em Shun, pois embora ele fosse um garoto doce e pacífico, Ikki sabia perfeitamente do que ele era capaz e sabia como ninguém se defender.

O que Fênix não sabia era que naquele momento, seu irmão não precisava de alguém que o defendesse ou que o ajudasse a vencer o inimigo, mas alguém que pudesse dizer-lhe porque motivo eles lutavam tanto. Disso ela não sabia e acabou partindo para seguir a trilha que Hyoga havia deixado na neve.

—/-

Shun soluçava e Mime escutou sua voz balbuciar um nome contra o frio: Ikki.

— Shun de Andrômeda. — falou Mime com seriedade acima dele. — Acho que você só poderá parar de lutar quando já estiver morto.

E assim estendeu o arco do violino acima da cabeça de Shun, como se pronto para dar um golpe de misericórdia. E a tristeza que os olhos de Mime não conseguiam esconder de fato tinha raízes em perdas profundas, de modo que aquele sofrimento todo que ajoelhava-se à sua frente parecia a ele um espelho do passado em que via-se tão claramente no garoto tão jovem. Mas aquele garoto à sua frente, que parecia tremer de tristeza, na verdade ardeu um Cosmo tão poderoso que fez o Guerreiro Deus hesitar por um instante.

Lentamente, Shun de Andrômeda colocou-se de pé outra vez.

— Andrômeda?

— Eu não sei a resposta, Mime. — começou ele, ainda debaixo de soluços. — Eu não sei exatamente os motivos pelos quais eu continuo lutando. Mas onde quer que eu esteja eu consigo sentir o Cosmo da minha irmã. — e Shun olhou no horizonte na exata direção onde Ikki agora levantava-se. — Ela com certeza me daria forças para continuar lutando. Talvez seja mesmo verdade que uma luta leve somente a uma próxima luta. A verdade é que eu sempre tento resolver tudo sem que sangue nenhum seja derramado, mas parece que é o meu destino ter de ferir as pessoas para garantir que aqueles que não podem lutar possam viver em paz.

Mime o encarava seriamente, os olhos sempre profundos e distantes.

— Uma irmã? — perguntou ele, simplesmente. — Você fala de amizades e agora fala de uma irmã, e então levanta-se outra vez para sofrer por tudo isso. Andrômeda, nada disso realmente importa. As amizades, os irmãos ou mesmo nossos próprios pais não valem o que acreditamos neles. Nada disso tem utilidade em nosso mundo.

— Como pode dizer algo assim, Mime?

— Andrômeda, você ainda não conhece o tamanho da tristeza e da raiva na hora em que se descobre uma profunda traição. — e então pontuou com gravidade. — Um garoto como você não deveria nunca ser um Cavaleiro.

Mime colocou novamente o violino no queixo e soou o acorde menor de sua música, enquanto Shun viu com clareza que aquilo outra vez espalhou duplicatas suas por toda ruína em que lutavam. Ele sabia que era outra vez um truque para atingi-lo quando menos esperasse; e que sua Corrente parecia ser incapaz de atacá-lo diretamente, por não reconhecer nenhuma ameaça vinda do Guerreiro Deus. Tudo que ele conseguia era lançar as correntes na direção de ilusões, para apagá-las, sem nunca realmente encontrar Mime de Benetnasch.

A música ecoava pela ruína tanto quanto espalhavam-se as figuras de Mime que a Corrente de Shun caçava por todos os lados. Mas assim como sempre, quando Shun tinha certeza de ter apagado todas as duplicatas, ao final do balé era ele quem era arremessado contra as pedras pelos feixes brancos da aura de Mime. E dessa vez, seu próprio elmo da Armadura de Andrômeda saiu de sua cabeça para rolar no chão daquele templo arruinado. Parecia mesmo impossível encontrá-lo com a Corrente, ela não guiava-se por um inimigo que estivesse ávido por matá-lo, e tudo que Shun podia enxergar eram duplicatas falsas.

— Mas como é possível que ele não demonstre vontade alguma de me ferir, se toda vez que se esconde nessas ilusões me ataca com uma força incrível? — perguntou-se Shun, enquanto colocava-se outra vez de pé.

E a música, aquele réquiem, aquela melodia que se repetia sem parar dentro da sua cabeça tocada por sabe-se lá quantos violinos espalhados ao seu redor continuava a tocar. Nas mãos de muitas imagens de Mime de Benetnasch, uma melodia calma, confortável e muito triste, um réquiem que realmente parecia feito para um funeral. Shun fechou os olhos e percebeu como a música passou a operar ainda mais fortemente dentro dele, deixando-o ainda mais triste, embora reconfortado. E quando abriu os olhos, viu diante de si Mime tocando seu violino; sempre o Guerreiro Deus e seu violino.

— A música. — adivinhou ele pela primeira vez consigo mesmo, refletindo se os efeitos curiosos que se abatiam sobre sua corrente não eram efeitos daquele violino. — É a música! Ela não permite que minha Corrente ataque, só pode ser isso. Nesse caso, eu não devo ouvir a melodia. Preciso me concentrar em minha Corrente e em minha missão para conseguir aquela Safira de Odin.

Shun de Andrômeda fechou os olhos, respirou fundo e tudo que sentia eram as notas tristes daquele réquiem de cordas; mas então seu Cosmo passou a crescer e sua mente passou a focar na ressonância de sua aura com o zunido do Universo que parecia tomar seu corpo. Lentamente apagando de seus ouvidos aquele réquiem triste que parecia carregá-lo sempre na direção de uma morte confortável. E quando finalmente a música calou-se em seu ouvido dando lugar a esse som infinito que para ele era o canto das Galáxias ao redor de seu Cosmo, Shun finalmente lançou sua Corrente.

— Onda Relâmpago!

E pela primeira vez a Corrente saltou no ar violentamente e o violino parou de soprar, pois Mime precisou baixar a mão do arco do instrumento para impedir que a Corrente efetivamente acertasse sua cintura, arrancando-lhe a Safira. Prendeu-a com o braço direito e viu sangrar o punho ferido pela força da Corrente de Andrômeda; trouxe ela à altura de seu rosto. Ele tremia.

— Desta vez eu te peguei, Mime. — disse Shun. — Você turvou a minha mente com a melodia de seu violino e escondeu sua intenção de me matar por trás da música. Agora eu compreendi a sua técnica.

Mime o olhava com um dos olhos escondidos por uma franja loura e a corrente triangular pendendo de seu punho machucado.

— Muito bem. Parabéns, Andrômeda.

— Basta que eu não escute a melodia de seu violino e minha Corrente poderá mostrar todo seu poder.

O Guerreiro Deus, no entanto, sorriu de volta para Shun, e a corrente que prendia-se ao seu punho simplesmente se afrouxou e caiu novamente inofensiva no chão, para espanto de Shun.

— Não é possível, eu não posso acreditar! Como pode ser que minha Corrente não reaja, apesar de você não estar tocando seu violino?

— Pelo que vejo, você ainda não se decidiu a lutar seriamente, mesmo depois de ser atingido tantas vezes por meus golpes. — falou Mime. — Ou você desistiu porque se convenceu de que lutar é inútil?

— Não. Infelizmente, eu tenho uma razão para lutar. — tornou Shun. — E jamais me darei por vencido, Mime.

Ainda assim, era um mistério enorme aquele que Shun tinha diante de si, afinal de contas, a Corrente seguia sem considerar Mime um oponente, embora estivesse claro diante dele que não era verdade. Cruzou a sua mente, no entanto, uma ideia terrivelmente perigosa.

— Você não está preparado para ser um guerreiro. — começou a falar Mime. — Se insistir em combater, certamente acabará morrendo.

O Guerreiro Deus, no entanto, surpreendeu-se quando, diante de si, Shun lentamente tirou parte por parte de sua Armadura de Andrômeda, inclusive os punhos de seus braços que guardavam a maravilhosa Corrente.

— O que está fazendo? Por que tirou sua Corrente? É a sua arma mais poderosa. — falou Mime para ele. — Você ficou louco?

— Eu não tenho nenhum medo da morte. — começou Shun, decidido. — Mas eu não pretendo morrer sem antes salvar Hilda e o mundo da invasão de Poseidon.

— Está louco. — concluiu Mime.

— Mas antes eu quero saber de uma coisa, Mime. — falou Shun, atraindo a curiosidade do Guerreiro Deus. — Vou lhe fazer a mesma pergunta que fez pra mim. Por que você luta, Mime? É uma dúvida que eu não consigo entender.

— É óbvio que é para derrotar os invasores do Santuário, ser leal à Hilda e fazer com que o povo de Asgard possa ver a luz do sol.

— Isso é mentira! — acusou Shun, deixando no rosto de Mime uma leve expressão de surpresa. — Acho que você não está falando toda a verdade. Você é diferente de qualquer inimigo que eu já enfrentei. E também é diferente dos Guerreiros Deuses que vi no Palácio Valhalla. Por tudo que já lutamos, eu percebi que você não está lutando por Hilda, não é mesmo? Você é igual a mim.

Encararam-se em silêncio, mas Shun continuou.

— Alguma coisa lá no fundo me diz que você não gosta de lutar. No começo eu achei que tinha sido a música que tinha me confundido e inutilizado minha corrente. — falou Shun, apontando ainda para as correntes que espalhavam-se inúteis perto de Mime. — Mas ela não reagiu mesmo quando você não tocava mais seu violino.

Shun então ardeu seu Cosmo naquela ruína.

— Você acha que eu desisti de lutar? Mas não é nada disso. Talvez lá no fundo você odeie combater e machucar as pessoas. Será que não é isso? Talvez nem mesmo você tenha percebido isso. A verdadeira razão de estar lutando com você é para fazê-lo entender o quanto está enganado, Mime!

— Isso é bobagem. — protestou o Guerreiro Deus.

— Posso sentir que sua aura, a sua energia, o universo que queima dentro de você emana uma profunda tristeza. Também não poderá lutar contra mim ou sequer me vencer.

Mime olhou para o garoto profundamente; era mais alto, pois também era mais velho que o jovem.

— Isso é tudo que você tem pra me dizer, Andrômeda? Está dizendo que eu detesto lutar? Já esqueceu quem lhe fez todos esses ferimentos nessa batalha? Lembre-se do quanto sofreu nessa luta. O seu cosmo não é nada comparado ao meu seidr, e agora que você se desvencilhou de suas maravilhosas correntes que salvaram sua vida de meus golpes, não poderá mais se defender. Isso significa que você escolheu a morte. Muito bem, meus golpes irão perfurar seu coração da próxima vez, Andrômeda.

— Não fará nada mais daqui em diante, pois não poderá mais sequer se mover, Mime.

E o Cosmo de Shun tornou-se uma bonita nebulosa de ar forte que espalhou-se pelas ruínas, impedindo que Mime movesse as pernas enquanto Shun caminhava tranquilamente na sua direção.

— O que está acontecendo? — perguntou-se Mime, notando que até mesmo mover seus braços parecia difícil.

Estava claro para Mime que Shun o havia paralisado com seu enorme Cosmo eólico e que simplesmente tomaria sua Safira de Odin da sua Robe Divina, o deixando ali feito uma estátua. A tudo aquilo ele adivinhou pela face tranquila do garoto que marchava na sua direção, e a ventania localizada que o paralisava aumentou ligeiramente de potência, afastando também algumas aves de árvores próximas.

Uma delas, muito escura e lindíssima, voou dali até a sacada do Palácio Valhalla, onde pousou novamente no punho delicado de Hilda.

—/-

Shaina tinha o rosto coberto por uma túnica que buscava esconder-lhe a clara identidade estrangeira entre os habitantes de Asgard-baixa que fugiam do frio e da miséria. Ela partiu do flanco direito da montanha de volta para os paredões que rodeavam Asgard, subindo sempre na direção do Colosso de Odin, quando viu-se diante do começo de uma floresta que parecia antiquíssima, densa, de troncos velhos e retorcidos.

Ela tirou o capuz e olhou para trás, na direção em que sentia brilhar com força o Cosmo de um dos Cavaleiros de Atena.

Diante do passadiço que separava a cidade-baixa das construções mais pujantes de Asgard-alta, Ikki também sentiu o cosmo de seu irmão e sabia que quem quer que estivesse enfrentando-o estava em graves apuros. Ela seguiu adiante pela estrada principal, notando com estranheza que o local estava completamente deserto e desguarnecido.

Rodeada de guardas palacianos desacordados, Shiryu, mais adiante, também sentiu aquilo que fez Seiya acordar de seu torpor no casebre de Freia. Ele levantou de sobressalto ao sentir no tecido do Universo o Cosmo magnânimo do seu amigo Shun brilhar tanto que era como um sol brilhante em seus sonhos, trazendo-o de volta à realidade.

June imediatamente foi ao seu lado, enxugando-lhe o suor que escorria do rosto, pois estava bem próximo ao fogo da lareira.

— O que aconteceu, June? — perguntou ele.

— O Shun está lutando. — respondeu ela, um pouco descontente.

Seiya imediatamente tentou se levantar, mas June o puxou de volta para o tapete.

— A Capitã pediu que o mantivesse aqui. Você ainda está ferido e sem sua Armadura, Seiya.

— Shun está lutando… — falou ele, no início de um protesto.

— Confie nele. Se Shun lutar, não haverá ninguém capaz de pará-lo.

Mas o garoto então apalpou seu sobretudo surrado dos mares e não encontrou a Safira que Shiryu havia lhe dado, fazendo-o prometer de que os encontraria em Valhalla.

— Onde está a Safira?!

— Está com Shaina. — falou June.

— Shaina!? Ela também está aqui? — confundiu-se ele.

— Não se preocupe, Seiya. Elas vão conseguir.

— Eu não posso, June. Shiryu confiou em mim. Quando todos queriam que eu ficasse pra trás, ela confiou em mim. Me deu a Safira e eu prometi que entregaria a eles quando fosse chegada a hora. Eu não posso ficar aqui parado.

Era inútil e June sabia que seria inútil de qualquer forma; e aquela era uma situação em que a Princesa Freia não poderia interferir e por isso nem sequer deixou o lado de Hagen para que aqueles dois companheiros do mar decidissem juntos seus destinos. O teimoso garoto se levantou, notou que o ferimento estava já muito melhor, e anunciou que iria se juntar à batalha, deixando June cuidar de Freia e de Hagen naquele casebre frio.

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— Impossível, o Mime não pode ter sido derrotado.

A primeira reação foi de Sid quando Hilda anunciou para todos eles que Mime realmente havia sido vencido em batalha. A consternação não era menor no rosto de Siegfried, embora Alberich, ajoelhado atrás dos dois, estivesse mais contido. Era já o terceiro Guerreiro Deus que caía em batalha.

— Está bem. Eu irei pessoalmente acabar com esses miseráveis no salão de entrada do Palácio. — anunciou Sid, levantando-se.

— Espere, Sid! — pediu Siegfried, colocando-se também de pé. — É inadmissível que tudo isso aconteça e eu não quero mais nenhuma preocupação para nossa querida Hilda. Eu mesmo enfrentarei todos eles de uma vez.

— Mas Siegfried… — interrompeu Sid, de certo modo ferido. — Talvez se lutarmos juntos, aí então não haverá qualquer chance para esses forasteiros.

— Pelo que parece, os Cavaleiros de Atena são bem fortes. — falou Hilda, enquanto os dois tentavam decidir quem teria a honra de desocupar sua mente daquelas preocupações.

— Não, eu não penso assim. Acredito que eles tenham tido sorte, talvez Hagen e os outros tenham menosprezado seus inimigos, mas Sid tem razão: eles foram capazes de vencer os Cavaleiros de Ouro. Não podemos cometer esse erro.

Siegfried estava confiante, mas outra voz o interrompeu chamando para si a atenção de todos.

— Divina Hilda.

Os olhos de todos já de pé e alvoroçados caíram em Alberich, que permanecia calmo e ajoelhado atrás deles. Hilda lhe respondeu cordialmente, como fazia com todos seus conselheiros.

— Diga, Alberich.

— Os fiéis seguidores de Hilda que aqui lutam para saber quem será o próximo a perder não poderão vencer os Cavaleiros de Atena.

— O que você disse!? — bradou Siegfried, mas ele seguiu falando.

— Veja bem, Divina Hilda, agir dessa forma intempestiva foi o que fez Mime e Hagen caírem na mesma cilada. É preciso que todos nós compreendamos isso. — falou ele, olhando ameaçadoramente para Siegfried. — É preciso mais do que fidelidade e força para vencer essa batalha. E por vezes até mesmo essas coisas podem nos atrapalhar ao buscar a vitória.

— O que propõe então, Alberich de Megrez? — perguntou Hilda.

— Para vencer, eu vou recorrer a todos os meios disponíveis. É preciso deixar a alma um pouco de lado. — falou, com um sorriso curioso no rosto. — Vou lhes mostrar que eu mesmo posso vencer todos os Cavaleiros de Atena. Então se você me autorizar será uma honra incalculável, Divina Hilda.

Houve um momento de silêncio entre todos onde apenas ouvia-se o crepitar do fogo de chão às costas dos Conselheiros e o uivo do vento que por vezes invadia o grande salão. Somente então que a grande Valquíria falou novamente entre os quatro.

— Muito bem. Isso me dá esperanças. — concordou ela, e o Guerreiro Deus levantou-se.

— A linhagem dos Alberich carrega uma longa história venerando a Odin por todas as gerações e minha família esteve sempre entre os grandes defensores do Enorme Deus. — falou o rapaz.

Ao seu lado, Sid notou o descontentamento no rosto de Siegfried, pois aquilo soava como uma provocação, como tudo que saía da boca de Alberich aos ouvidos de Siegfried.

— Mais um teatro, Alberich? — perguntou Siegfried sem conseguir conter a língua.

— Ora Siegfried, não preocupe-se, eu resolverei isso sozinho. Afinal de contas, foi dada a mim a enorme honra de ser o representante de Asgard no estrangeiro. Sinto que é meu dever resolver essa situação de uma vez por todas. E em nome da honra de minha família, eu prometo que vencerei os Cavaleiros de Atena. Um a um.

— Muito bem, Alberich. Nesse caso, confiarei na honra de sua família para que esse assunto seja resolvido.

E a bela e terrível Hilda simplesmente caminhou para a lateral do salão com sua lança de ébano, deixando-os ali com sua missão de derrubar os Cavaleiros de Atena enquanto ela buscaria força em Odin.

—/-

Os ventos poderosos de Shun mantinham Mime paralisado nas Ruínas abandonadas, mas seu seidr era brilhante e realmente um dos mais fortes de Asgard, de modo que o corvo bisbilhoteiro julgou que sua morte estava próxima, mas tomou vôo muito antes que a batalha se resolvesse. É verdade que talvez qualquer outro oponente realmente já tivesse seu destino selado, uma vez que estivesse preso naquele Cosmo magnífico de Shun de Andrômeda.

Mas Mime era um guerreiro diferente.

Mesmo com dificuldades, o guerreiro conseguiu levar a mão direita às cordas do violino e dedilhou um arpejo menor enquanto a mão esquerda, segurando o espelho do instrumento, formava os acordes de seu feitiço. A simples melodia estacada do Guerreiro Deus foi o suficiente para livrá-lo parcialmente da prisão de ventos e, ainda que não pudesse mover suas pernas, foi capaz de levar o violino de volta ao queixo e fazer o arco de cerdas atravessar as cordas em uma única nota, longa e oitavada.

Ao redor do corpo de Mime brilhou o branco da neve de Asgard, que era a manifestação de seu seidr. E o que antes era apenas uma única nota, logo retornou para a cadência menor que Shun tanto conhecia antes da melodia que cantava o violino. O Cavaleiro de Andrômeda continuou sua marcha, pois seu Cosmo ainda era enorme para retirar a Safira do Guerreiro Deus, mas percebeu como os ventos pareciam aos poucos se dissiparem de maneira curiosa.

Tarde demais ele percebeu o que Mime fazia, pois a ventania de seu cosmo parecia ter se tornado uma cama grave para a melodia que Mime tocava; como se o som brilhante do violino se transpusesse sobre o sopro grave da tempestade baixa, criando uma música única. Shun não parou porque estava impressionado, mas porque sentiu que seu corpo aos poucos era envolvido por fios brilhantes e finos.

— Réquiem de Cordas!

A voz de Mime ecoou e finalmente os ventos pararam todos de uma vez quando Shun percebeu que os fios que o envolviam agora o amarravam fortemente dos pés à cabeça, apertando sua pele e rasgando-o lentamente. As cordas do violino brilhavam agora enquanto Mime tocava seu réquiem e, da voluta do violino, as quatro cordas afinadas do instrumento simplesmente alongaram-se até cobrir completamente o corpo de Shun a alguns passos dele.

O garoto debatia-se tentando desvencilhar-se daquelas cordas finas e afiadas que aos poucos feriam seu corpo.

— Seus ventos são fabulosos. Essa é uma grande técnica. — falou Mime calmamente por entre sua melodia. — Acho que subestimei você, Andrômeda, mas não cometerei esse erro novamente.

A melodia continuava belíssima e o sofrimento de Shun igualmente terrível, seu pescoço lentamente era apertado por cordas finas e brilhantes e sua voz balbuciava em um gutural quase inaudível.

— Minha música lhe convida à sua morte, Andrômeda. Você já estará morto quando ela terminar.

Shun sabia que não podia morrer e, ainda assim, viu com o canto dos olhos como a Corrente de sua Armadura continuava imóvel no chão, sem reagir àquela agressão terrível. Era impensável para Shun como podia ser que não houvesse em Mime nenhuma aura ameaçadora, embora ele estivesse literalmente matando-o aos poucos. Sua consciência aos poucos se esvaía e Shun percebeu que sua morte não parecia mais dolorosa, mas quase até agradável, graças ao réquiem bonito do violino.

Seus ossos estalavam, sua pele vertia sangue, mas dor ele não sentia ao ver-se lentamente vencido e deixando a batalha pela paz nas mãos de seus queridos amigos. Do outro lado, Mime de Benetnasch tinha os olhos fechados e tocava seu violino com seriedade e paixão. Sua voz sempre grave anunciou o acorde último.

— Este é o fim. — falou, chegando ao compasso derradeiro. — Adeus, Andrômeda.

A música finalizava em dedilhados espaçados diretamente nas cordas, e quando Mime tocou a última nota na corda ré ela vibrou e um pulso de energia mortal correu pelo corpo do instrumento até o espelho, atravessando a cravelha e disparando da voluta, correndo pela corda que estendia-se do violino até o corpo de Shun. E assim que tocasse no garoto, Andrômeda morreria.

Mas não foi assim que se sucedeu, pois no momento exato as cordas que prendiam o garoto foram todas rasgadas por garras afiadíssimas de um salvador de última hora. O estouro das cordas fez com que Mime cambaleasse para trás e Shun caísse ao chão, muito ferido.

— Quem está aí?! — adivinhou Mime uma silhueta em cima de uma pilastra destruída daquela ruína.

A silhueta era de alguém com um sobretudo escuro e algumas proteções de Prata no corpo, o rosto sério e os cabelos negros esvoaçantes contra o vento gélido de Asgard.