O Satã Imperial. O segredo escrito nas paredes da Sibéria. Redescoberto pela mente por trás do mal instalado no Santuário de Atena.

— Quem poderia ser? — perguntou-se ela.

Ikki encontrou ao final da trilha um pequeno lago termal, em que as águas fumegavam dentro de uma caverna; havia chamas que queimavam eternamente nas paredes de pedra e um veio de lava que caía elegantemente em uma parede distante.

Ela entrou naquele pequeno lago e submergiu com sua Armadura até o pescoço. A água era quente, mas não chegava ao ponto de ebulir e escamar seu corpo. Imediatamente, foi invadida por uma sensação de profundo conforto. E talvez houvesse adormecido imediatamente.

Sua mente, no entanto, sonhou por seis dias e seis noites com o Universo. Com Shun, seu irmão muito querido. Com a Deusa Atena no corpo daquela garota a quem ela havia dedicado tanto ódio. À batalha terrível que havia em seu futuro.

Embora adormecida curando-se naquele vulcão, o Cosmo de Ikki ressoava e buscava no Universo qualquer pista sobre quem poderia dobrar as palavras como haviam feito com ela, com a mestre de Hyoga e com sabe-se lá quantas outras pessoas. Buscava qualquer oscilação no Cosmo.

Não soube quando nem onde, mas então no sexto dia de sono o Cosmo de Ikki finalmente sentiu, como um brilho no Universo, um desequilíbrio mental enorme no espaço. E sentiu o Cosmo de Shun em perigo. Invadiu-lhe um medo tal que seu Cosmo espalhou-se pelo Universo com força, apagando aquele brilho do horizonte.

E voltou a dormir.

Apenas para acordar finalmente quando ouviu reverberar no Universo seu nome na voz sofrida de seu irmão, outra vez em perigo.

Finalmente os olhos de Ikki se abriram.

Era hora da Fênix se erguer outra vez.

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Seiya, Shun e Shiryu finalmente chegam à Casa de Virgem, um templo cuja fachada é guardada por duas enormes estátuas de mulheres com um longo vestido indiano, filigranas nos cabelos e as mãos delicadas em diferentes gestos. Entraram apressados sem dar atenção maior aos detalhes e viram-se iluminados por um Cosmo enorme.

As colunas da Casa de Virgem os levaram para dentro de um jardim florido, belo, de árvores frondosas, pássaros do paraíso piando e um sol impossível iluminando uma relva bonita e de aroma doce.

— Que lugar estranho! — comentou Seiya ao ver um jardim impossível. — Não sinto a presença de ninguém aqui, nem boa nem má.

— Esta casa está completamente tomada de paz e serenidade. — comentou Shiryu, sentindo o aroma doce das flores.

— Nem acredito que exista um lugar assim. — comentou Shun ao lado deles, maravilhado.

— Onde está Shaka, que dizem ser a mais próxima dos deuses?

Seiya perguntou enquanto olhava desconfiado para todos os lados, mas por mais que procurassem naquele bonito campo não havia qualquer sinal de que alguém estivesse ali. Mas então manifestou-se uma aura no horizonte. Era um Cosmo Dourado.

— Que Cosmo poderoso. — comentou Seiya.

— Mas muito pacífico também. — apontou Shun.

— É como um oceano de primavera livre de qualquer intenção ruim. Um cosmo feito de pura bondade. — disse Shiryu.

— Será o Cosmo de Shaka? — perguntou-se Shun.

— Vamos descobrir.

Seiya chamou os amigos e eles correram na direção daquele enorme Cosmo que manifestava-se no horizonte. Conforme corriam, o campo florido foi aos poucos dando lugar outra vez ao chão duro de pedra da Casa de Virgem e as colunas voltaram a aparecer ao redor. Tochas de fogo espalhadas por todas as colunas iluminando o caminho.

Seus passos ecoavam dentro da Casa e logo viram ao longe uma figura brilhante.

Essa era a figura brilhante que viram quando se aproximaram: uma mulher sentada de pernas cruzadas flutuando em cima de uma bonita flor de lótus azul-clara. O corpo todo coberto de uma linda Armadura de Ouro, uma capa de sari branco toda ornamentada de ouro nas pontas lhe cruzava o peito, os cabelos escuríssimos lhe caíam de dentro de seu elmo dourado. Os olhos fechados e as mãos calmamente uma em cima da outra na postura de lótus.

Atrás dela, um mural em que parecia inscrever-se a roda de Dharma.

Seiya, Shun e Shiryu assombraram-se com aquela visão, pois mesmo naquele estado de paz, a eles parecia que a Cavaleira de Ouro tinha mesmo uma aura impressionante; a mulher mais próxima dos deuses, o quão poderosa ela poderia ser?

Colocaram-se ao redor da lótus e a mulher não esboçou qualquer reação.

— Será que ela está nos ignorando? — perguntou Seiya. — Será que ela pensa que é tão importante que sequer precisa se preocupar com a gente?

— Seiya, acalme-se. — pediu Shun.

— Não temos tempo a perder, Shun. Não vejo saída dessa Casa de Virgem, apenas esse paredão atrás dela. Vou dar algo pro qual ela tenha de dar atenção.

Seiya queimou forte seu Cosmo, mas antes que tivesse tempo para armar seus Meteoros, viram todos como, ao redor de Shaka, um fogo de ouro apareceu para arremessá-lo para longe dali. Foram todos até seu corpo, preocupados com Seiya, mas a voz da Cavaleira de Ouro finalmente soou.

— Vocês não têm bons modos.

Olharam para trás e viram o exato momento em que Shaka lentamente flutuou a uma altura ainda mais alta acima daquela flor, até que desfizesse sua bonita postura e ficasse de pé sobre a lótus. Sua capa, antes cruzada no peito, caiu-lhe elegante pelas costas. Sua voz carregava um desprezo enorme.

— Vocês entram na sexta Casa, a Casa de Virgem, e imediatamente se colocam para me atacar. Me lembram os Espíritos Famintos que pulam sobre a carne morta.

Seiya levantou-se aos poucos.

— Ela é realmente muito forte. — falou ele, sofrendo. — Exatamente como Aioria falou. Temos de dar um jeito nela antes que abra os olhos.

— Será que ela não poderia compreender nossa missão? — perguntou-se Shun.

— Creio que Aioria não nos alertaria sobre ela se ele não soubesse de que lado ela está.

A Cavaleira de Dragão pediu então que Shun cuidasse brevemente de Seiya e colocou-se na frente deles.

— Lutarei contra você, Shaka! — anunciou ela, em alto e bom tom.

O Cosmo do Dragão ao redor de Shiryu era enorme e maravilhou Shun; a amiga deles aparentemente tinha realmente alcançado níveis incríveis em sua luta contra Máscara da Morte. Seus cabelos esvoaçavam ao seu redor e os dois testemunharam como Shiryu avançou com força renovada e poderosa na direção da mulher dourada.

— Cólera do Dragão!

Shaka de Virgem calmamente colocou sua mão direita ao seu lado e Shiryu percebeu como seu punho sentiu-se atraído para aquela mão delicada. A fúria de sua Cólera do Dragão manifestou-se como um poderoso gancho que parou a alguns centímetros da mão de Shaka, como se interrompida por uma energia invisível. Shiryu tentava empurrar seu punho com toda a força para que o gancho armado acertasse a Cavaleira de Virgem, mas ela não conseguia por nada. Era como empurrar contra uma parede invisível. De muito perto, Shiryu viu que Shaka sequer parecia fazer esforço.

— Droga, eu nem sequer toquei nela!

— O que há, Shiryu? — perguntou a voz calma de Shaka. — Esse é o ataque patético que é capaz de inverter o fluxo das cachoeiras de Rozan?

Shiryu tentava usar toda a sua força, mas seu punho não movia-se um centímetro sequer.

— Perceberá que o cosmo começará a atravessar a sua fraca Armadura de Bronze e rasgará a pele de seu punho. — Shiryu percebeu como aquela pequena esfera de energia que a impedia de se aproximar da palma da mão de Shaka começou a se expandir lentamente ferindo-lhe o punho, como ela havia lhe dito. — E em seguida serão os seus ossos. Os ossos serão esmagados e logo seu punho terá desaparecido por completo.

À essa altura, Shiryu já não conseguia forçar seu punho adiante para tentar tocar Shaka como também não conseguia puxá-lo de volta, de forma que estava terrivelmente algemada àquela mão tranquila da Cavaleira de Virgem. Shaka então soltou a energia de uma vez, jogando Shiryu para longe.

O corpo passou por Shun e agora estavam Seiya e Shiryu feridos no chão. Sobrou ele.

Ele ascendeu seu Cosmo como havia feito na Casa de Gêmeos e lançou suas Correntes de Andrômeda na direção de Shaka; elas quebraram no ar feito um raio, mas pararam a centímetros do rosto da Cavaleira de Virgem, que sequer esboçou qualquer reação. Exatamente como havia acontecido com o Cavaleiro de Gêmeos.

— Kān.

A voz de Shaka soou e Seiya viu como, no paredão atrás da Cavaleira de Virgem, um caractere único apareceu em dourado fazendo a Corrente de Shun mover-se sozinha e voltar para envolver o corpo do Cavaleiro de Andrômeda, prendendo-lhe as pernas, os braços e enforcando seu pescoço com violência. Sua voz engasgada era desesperada.

— Eu não posso acreditar. Como é possível a minha própria corrente me atacar desse jeito?

Seu sangue começou a escorrer nos pontos onde a corrente o pressionava com mais força. Shaka riu quase silenciosamente.

— Como está se sentindo sendo enforcado por sua própria corrente, Andrômeda?

Shun sofria terrivelmente.

— Basta eu dar uma ordem e sua cabeça cairá rolando.

Seiya correu em sua ajuda e viu como o corpo de Shun levitou levemente antes de ser arremessado para que ele o segurasse no ar e os dois caíssem juntos no chão. A corrente finalmente liberando a pressão de seu corpo. Shiryu também levantou-se para ajudá-lo.

— Ela é mesmo terrível. Não consigo imaginar o que podemos fazer para vencê-la. — falou Seiya.

— É mesmo a mais próxima dos deuses. — disse Shun, ainda engasgado.

Shaka então colocou-se imediatamente de frente para eles, ainda sobre sua lótus, as mãos espalmadas e paralelas.

— Cavaleiros de Bronze, eis aqui o seu momento final. Os mandarei para o Mundo dos Espíritos Famintos e de lá não voltarão.

Um brilho dourado apareceu entre as mãos de Shaka na altura de seu peito, o seu enorme Cosmo concentrando em apenas um lugar lentamente aumentando de intensidade. Escutaram soar ao longe um sinal sonoro que era seu cosmo soando na Casa de Virgem inteira.

— Ohm!

Seus cabelos negros esvoaçaram ao redor de seu corpo antes de sua voz gravemente exclamar.

— Rendição Divina!

A voz dela era pausada e ativou um brilho que os cegou a todos na Casa de Virgem.

Escutaram, como se fosse possível, o coral grave de vozes angelicais, bodisatvas em saris e em posturas antigas brincando por jardins, flores espalhadas pela relva, mas também o cavalgar de antigas divindades com seus tridentes e espadas fatiando o corpo dos homens. No centro da viagem daquela técnica terrível, sentado sobre uma lótus, a sagrada imagem de Buda.

Evanescendo para o corpo daquela mulher Shaka de Virgem de braços abertos e seu enorme Cosmo dourado ao seu redor. Era do tamanho de um colosso.

Seiya, Shiryu e Shun atravessaram sonhos e caíram vencidos aos pés de Shaka de Virgem.

Silêncio, enfim, no templo.

— Eu não posso entender como esses Cavaleiros sem tanto poder puderam chegar até à Casa de Virgem. — comentou Shaka, sozinha. — Os Cavaleiros de Ouro das casas anteriores devem ter traído Atena.

Atena que morria ainda na Casa de Áries.

—/-

O silêncio da Casa de Virgem, no entanto, foi interrompido pelas dores que Shun sofria, pois, dos três ali, ele talvez fosse aquele que tinha enfrentado uma batalha menos física e estivesse em melhores condições. Ele balbuciava um nome, chamando-lhe de longe.

— Ikki.

— Pelo visto aqui tem alguém que não sabe se dar por vencido.

Shaka caminhou calmamente até o corpo delirante de Shun.

— Dizem que sou a mais próxima dos deuses dentre os Doze Cavaleiros de Ouro. No entanto, existe um sentimento que eu não tenho nem um pouco em comum quando comparado a um Deus. A piedade pelos mais fracos.

Embora estivesse de pé, Shaka estendeu sua mão e iluminou o rosto de Shun com seu Cosmo para lhe dar o golpe final.

— Mas talvez tirar a vida de alguém tão fraco para que não sofra possa ser um ato de piedade.

Sorriu, seu Cosmo criou um feixe de luz, mas então sua mão foi terrivelmente atingida por algo na escuridão. Sentiu um estranho sangue escorrer-lhe entre os dedos. Shaka trouxe a outra mão para certificar-se de que não sonhava.

— Que sangue é este?

Não era o sangue de Shun, pois nem poderia ser, já que não o havia atingido; era ainda mais impossível: o seu próprio sangue. Notou próximo ao corpo de Andrômeda uma pena rígida e vermelha. Dobrou-se para pegá-la.

— Eu não posso acreditar que isso tenha me ferido.

Shaka então notou uma oscilação incomum nas tochas de sua Casa de Virgem. As mais próximas dela vibraram e suas chamas aumentaram de tamanho e intensidade, de tal modo que dois archotes de duas colunas paralelas cederam com a força do fogo e caíram no chão, iniciando um pequeno incêndio. O fogo que se alastrava pelo chão subiu ainda mais alto do que poderia e, de dentro dele, uma voz surgiu.

— É isso mesmo.

Uma figura aos poucos pisou fora do fogo.

— Vai se arrepender por ter machucado meus amigos. Esse corte é só o começo.

Shaka sentiu enfim uma poderosa Cosmo-energia invadindo a Casa de Virgem, pois uma Cavaleira de Bronze surgiu diante dela. O fogo que antes incendiava a casa tomou a forma de uma maravilhosa Fênix para iluminar aquela bonita Armadura de Bronze e, finalmente, morreu atrás dela. Da mão esquerda de Shaka ainda pingavam gotas de sangue.

— Quem é você? — perguntou ela, finalmente.

A garota disse, dura e decidida:

— A Cavaleira de Fênix. Ikki.

Shaka respirou fundo com mais uma intromissão como aquela.

— Fênix. — repetiu Shaka. — A ave de fogo. Essas suas asas são mesmo muito especiais.

Ikki deixou escapar um riso de deboche enquanto a mão da mulher de ouro ainda pingava sangue no chão.

— Pouco me importa. — falou Shaka apenas. — Será que você não percebe o terrível castigo que irá receber por ter ferido Shaka de Virgem, insignificante Cavaleira?

— Acho que não. — respondeu Ikki, bem ousada.

— Vejo que não. Pois veja por si mesma. Olhe para seus pés. Você já está no inferno.

— No inferno? — perguntou Ikki. — O inferno não é nenhuma novidade para mim.

— Confie em mim. Olhe muito bem para seus pés.

Seu tom era ameaçador e confiante, de modo que Ikki quase sentiu-se compelida a olhar de fato para baixo. E quando o fez, o que viu era impossível. Pois até a altura de suas coxas ela se viu banhada num mar de sangue escuro e viscoso que movia-se lentamente ao seu redor.

— Mas o que é isso? — assombrou-se gaguejando a Cavaleira de Fênix.

— É o meu sangue. — falou Shaka. — É o Lago de Sangue do Inferno vertendo da ferida que me fez.

— Isso não pode ser. Algumas gotas de sangue não podem formar esse imenso lago! Isso é uma ilusão!

Shaka riu.

— Não é uma ilusão. Considere isso como uma retribuição divina.

O lago estendia-se para onde Ikki pudesse ver e, de forma rápida e gradativa, o nível do lago impossível de sangue subia cada vez mais para afogá-la. Em pouco tempo, o sangue lhe batia no queixo, seus braços enterrados no sangue grosso e metálico pareciam feito chumbo e não conseguiam suportá-la na superfície. Não podia se desvencilhar daquela armadilha.

— Há um jeito para que você possa escapar daí e é muito simples. — falou Shaka ao ver Ikki desesperada tentando fazer algo.

O que Ikki viu, no entanto, também lhe assombrou, pois Shaka caminhava na superfície daquele lago até ela. Sua voz soou com o maior desprezo que poderia ter por ela.

— Ajoelhe-se aos meus pés. Esfregue sua testa pelo chão e me adore por toda a eternidade.

— Quer que eu a adore como a um deus? — surpreendeu-se Ikki.

— Isso mesmo. Se fizer isso talvez eu tenha piedade.

— Deve estar brincando. — falou Ikki. — Eu jamais vou venerá-la!

A Cavaleira de Fênix puxou então seus dois braços do fundo daquele lago de sangue e cerrou os punhos com força, fazendo aflorar ao seu redor seu poderoso cosmo de fogo. Afinal de contas ela havia passado seis dias e seis noites adormecida no coração de um vulcão de modo que sua Armadura e seu Cosmo estavam ainda mais fortes.

Fechou os olhos concentrando-se em uma única tarefa: Ikki perseverava com seu enorme Cosmo de Fênix para lentamente evaporar o sangue daquele lago impossível. Shaka não deixou sentir-se impressionada ao ver que ela era mesmo capaz de evaporar aquele lago por completo usando apenas o calor gerado por sua energia cósmica.

— Shaka, eu lamento dizer, mas a mim pouco importam os deuses. A única coisa que eu posso contar nesse mundo é com a minha própria força.

A Cavaleira de Ouro riu dela ao ressurgir atrás do sangue evaporado.

— Veremos se pouco importam mesmo os deuses, Cavaleira de Fênix.

Ikki viu-se num piscar de olhos em um lago raso onde milhares de flores de lótus enormes desabrochavam lentamente. Não podia compreender onde estava nem o que Shaka pretendia, apenas de que se tratava de outra ilusão. O Cosmo dourado da Cavaleira de Ouro, Ikki podia sentir em absolutamente tudo naquele lugar. Desde a água que molhava seus pés a cada lótus que se abria lentamente contra aquele céu estrelado.

— Suas ilusões não me impressionam! — mentiu Ikki, falando sozinha.

O Cosmo de Shaka, ela começou a sentir como as vagas do mar, invadindo seu peito lenta e vagarosamente. Indo e voltando. Viu no horizonte daquela charneca muitos arcos de luz pulsando e seu corpo foi impelido a caminhar eternamente naquela direção; e quanto mais se aproximava maior ficava uma flor de lótus no horizonte de onde ela compreendeu ser o centro daquela poderosa energia que não era outra senão o magnânimo Cosmo de Shaka.

O que era Shaka, afinal de contas? Refletiu Ikki enquanto corria por aquele mar de lótus repleto de incertezas.

Quando aproximou-se da maior flor de lótus daquele oceano, suas pétalas abriram-se de maneira maravilhosa e, dentro de seu ventre, de pé, estava uma criança de pouco mais de quatro anos de idade, os cabelos escuros ainda muito curtos e os olhos fechados. O bracinho direito estendido acima da cabeça e um dedo em riste pulsando aquela energia dourada e incrível de Shaka.

Sua voz soou como a da mulher adulta que Ikki havia escutado antes.

— Eu sou a Iluminada. A desperta. A compreensão da verdadeira natureza de todos os fenômenos.

Ikki assombrou-se com a imagem que formou-se dentro de sua própria mente ao ver aquela criança dentro da flor de lótus; seu cosmo pulsante e sua voz de mulher. Mas quando piscou novamente os olhos, diante de si estava outra vez a maravilhosa Cavaleira de Virgem com seu Cosmo de Ouro . A figura lhe assombrou.

Era Buda.

— O que significa isso? Por acaso está dizendo que é a reencarnação de Buda?

Shaka então juntou as duas mãos com as palmas encostadas e os dedos esticados, um gesto de adoração. Seu Cosmo de Ouro intensificou-se ao redor de seu corpo e Ikki percebeu que sua própria vontade de luta pareceu amainar-se diante daquela figura divina. Sequer podia se mover.

As mãos de Shaka então adotaram uma nova postura próxima ao seu peito, que não era outra senão o gesto mudrá da Roda do Dharma, em que os polegares tocam delicadamente os indicadores de cada mão formando um círculo.

— Ikki, escolha um dos Seis Mundos que eu vou lhe mostrar agora. — falou a voz de Shaka e suas mãos ascenderam um cosmo poderoso. — Farei com que morra no Mundo que preferir, quem sabe assim você abra seus olhos para os deuses.

Finalmente as mãos de Shaka afastaram-se estendidas; sua mão direita erguida ao lado de sua cabeça e a mão esquerda ao lado da sua cintura. Sua voz ecoou por toda a Casa de Virgem.

— O Ciclo das Seis Existências!

Fênix viu-se arremessada pela Casa de Virgem até que seu corpo fosse consumido dentro de uma enorme escuridão em que, mesmo que nada pudesse enxergar, a voz de Shaka a acompanhava por uma terrível viagem.

— Os Seis Mundos são para onde você é enviado conforme as suas obras e feitos nesta vida.

Ao abrir os olhos, Ikki viu-se eterna e lentamente caindo para uma noite terrível onde levantavam-se lagos claros, montanhas pontiagudas e de onde ecoavam gritos lancinantes de dor.

— O primeiro Mundo é o Inferno. — ouviu a voz de Shaka no horizonte. — Oceanos de fogo, lagos de sangue e montanhas de agulhas. De medos após medos intermináveis. Aqueles que caírem neste Mundo sofrerão eternamente.

O corpo de Ikki rodopiava lentamente, como se sugado por uma força terrível, mas que a permitia flutuar como se seu corpo experimentasse a própria falta de gravidade. Tudo escureceu para dar lugar a um ambiente opressor e cheio de esqueletos barrigudos. Outra vez a voz de Shaka:

— O segundo é o Mundo dos Espíritos Famintos. Os que caírem nesse Mundo só terão pele e ossos com um estômago inchado de fome eterna. Sempre famintos, os espíritos devoram a tudo, até mesmo a carne podre. Um castigo adequado aos ambiciosos.

A voz de Shaka foi então apagada por rugidos altos entre animais que se matavam e Ikki abriu os olhos para enxergar toda sorte de predadores e presas matando-se eternamente.

— O terceiro é o Mundo das Feras. Onde todos são transformados em bestas terríveis. É um mundo cão, onde apenas os mais fortes sobrevivem.

No lugar das feras que Ikki podia ver digladiando-se com suas garras e presas, surgiram homens e mulheres dos mais diversos tipos de armaduras, armas e dores lutando eternamente em uma guerra campal.

— O quarto é o Mundo de Asura, o mundo da luta. Haverá sangue e morte o tempo todo neste mundo. Terão de ficar lutando dia após dia sem nenhuma trégua.

Os homens e mulheres que então lutavam naquela eterna batalha campal receberam luzes estroboscópicas e Ikki viu como, ao invés de lutarem, agora se abraçavam, se batiam, choravam juntas, tiravam fotos com celulares freneticamente, faziam caretas e bocas, gargalhavam para no instante seguinte ajoelharem-se de tristeza.

— O quinto é o Mundo comandado pelas emoções. A felicidade, o ódio e a tristeza tornam instável e imprevisível esse que é o Mundo dos Seres Humanos.

Um brilho infinito que cegou aquela viagem de Ikki para revelar uma colossal estátua de Buda que cobria absolutamente tudo que podia ver.

— E o último Mundo é o Paraíso, mas não se deixe enganar pelo nome. Pois esse é um lugar em que um único pensamento errado te faz cair em qualquer um dos demais Mundos, seja o Inferno, o dos Espíritos Famintos, o Mundo das Feras, Asura ou mesmo o Mundo dos Humanos. Isso faz com que esse seja o pior de todos os Mundos.

Tudo finalmente apagou-se dentro de Ikki.

Seu corpo estava estendido aos pés de Shaka.

— Você está morto. — vaticinou a Cavaleira de Virgem. — Que Mundo escolheu, Ikki?