A Casa de Virgem era vítima de uma destruição como nunca havia sido. Sentada com a saliva escorrendo-lhe da boca, tudo que Ikki podia fazer era buscar com os olhos os poucos lampejos que conseguia encontrar daqueles dois titãs dourados lutando no templo e destruindo tudo ao seu redor. Com assombro, ela viu que as duas figuras de ouro tiveram de se afastar quando um clarão brilhou entre eles e destruiu o piso em que estavam.

Assim que a poeira baixou, uma figura enorme apareceu: era o Cavaleiro de Touro.

— Touro, o que faz aqui? — perguntou Shaka, sem que Ikki pudesse ouvir.

— Vim evitar que dois idiotas se matem! — falou ele com sua voz grave.

— Está dizendo que também irá trair o Santuário, Grande Aldebarã? — perguntou Shaka.

— Abra os olhos, Irmã Shaka. Atena agora sofre na Casa de Áries.

— Escute a voz de Aldebarã, Shaka. Acorde!

Aioria bradou, finalmente chamando a atenção dos dois, mas Ikki pôde ver claramente que a discussão interrompeu-se, pois as Armaduras de Ouro que usavam aquelas três figuras maravilhosas simplesmente começaram a pulsar um brilho mais forte, aparentemente sem que eles tivessem qualquer controle. Seus olhares confusos para si e para os demais.

Escondidas na escuridão, tanto a Armadura de Câncer no templo da morte como a de Gêmeos nos labirintos infinitos também pulsavam um brilho dourado claro enquanto uma aura cósmica envolvia suas figuras mitológicas. Descendo as escadarias após a Casa de Libra, Miro parou sua marcha ao notar que também a sua Armadura de Ouro pulsava um brilho fora de sua vontade.

— A Armadura de Ouro está ressoando como se chamasse as outras Armaduras do Santuário, mas o que pode estar acontecendo?

Ajoelhada ao lado de Saori, a Deusa Atena, Mu de Áries também notou que sua linda Armadura do carneiro de ouro pulsava na frequência com que o Báculo de Ouro de Atena brilhava. Pois todas as Armaduras de Ouro do Santuário pulsavam junto daquela energia de Niké.

E elas pulsavam, pois Mu sabia melhor do que ninguém que pela primeira vez em quinze anos todas as Armaduras de Ouro estavam de volta ao Santuário junto de Atena. As Doze Armaduras de Ouro estavam em seus Templos Sagrados.

Todas.

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Seiya, Shun e Shiryu estavam na Casa de Sagitário.

Um templo que encontrava-se vazio, pois sabiam que aquela era a Casa do antigo Cavaleiro de Ouro Aioros, responsável por ter salvo Saori quando ainda era uma criança. Salvo a Deusa Atena, mas considerado um Traidor por aqueles que viviam na Grécia.

A Armadura de Sagitário estava à frente deles, montada no maravilhoso centauro alado com o arco apontado para uma parede. Como lembrava-se Seiya, o arco não tinha seta alguma. Havia uma aura dourada ao redor dela e um tilintar distante soando por todos os lados.

— O que está acontecendo? — perguntou Shiryu ao ouvir distante os sinos que pareciam badalar sutilmente.

— Essa é a Armadura de Sagitário que protegeu a Mii contra o Aioria. — falou Seiya.

— A Armadura de Aioros, o herói que salvou Atena. — comentou Shun.

— O Santuário inteiro parece ressoar junto. — falou Shiryu outra vez.

— Posso ouvir também do lado de fora. — veio uma voz da entrada.

— Hyoga!

Com o corpo todo furado pelas picadas do Escorpião, a roupa toda manchada de sangue e os olhos cansados, o Cavaleiro de Cisne estava novamente entre eles.

Estavam outra vez juntos.

— Hyoga, você está bem! — sorriu Shun.

— Graças a você, Shun.

— E o Cavaleiro de Escorpião? — perguntou Seiya.

— Percebeu seu erro, mas disse que iria à Casa de Virgem.

— Ele vai tentar intervir na luta entre Shaka e Aioria. — ponderou Shiryu.

— De qualquer forma, devemos seguir adiante o quanto antes. — falou Hyoga. — A chama de Sagitário já está quase se apagando também.

— Então vamos!

Mas então o centauro alado de ouro que era formado pelas partes da Armadura de Sagitário moveu-se nas suas patas para que o arco apontasse para o grupo. Os quatro pararam, sem entender o movimento que claramente parecia ameaçador.

— O que significa isso?

— Seiya?

— A Armadura de Sagitário está nos seguindo com seu arco, Shiryu. — explicou Shun.

Do arco vazio, uma flecha de luz materializou-se ao mesmo tempo que uma aura de ouro envolveu o centauro alado. Os quatro Cavaleiros de Bronze sentiram-se ameaçados e, ao mesmo tempo, não compreendiam o que acontecia; e não tiveram tempo de adivinhar, quando os braços do centauro alado puxaram o arco de ouro e dispararam aquela flecha de luz para cegar os guerreiros de Atena.

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Os quatro Cavaleiros de Bronze viram-se cegos, tal como Shiryu. E, tal como seus amigos, Shiryu percebeu que sua visão simplesmente voltou ao normal quando a luz se amainou e ela pôde ver claramente o estado lamentável em que Hyoga e Seiya estavam com seus ferimentos e o cansaço nos olhos do jovem Shun.

— Amigos… — começou ela. — Eu… eu voltei a enxergar.

— Ah, Shiryu! — exclamou Seiya imediatamente olhando para a Armadura de Ouro, mas ali ela não estava mais.

— Será que a Armadura de Sagitário te curou? — perguntou Shun.

Mas a Armadura de Ouro realmente não estava mais onde estava tampouco estava em qualquer canto. Notaram como no lugar dela havia um pedestal baixo em que a Urna de Ouro estava repousada.

— Ela voltou para dentro da Urna. — comentou Hyoga.

Sons de passos ecoaram no templo na direção deles e todos colocaram-se em guarda, quando viram um rapaz com vestes simples atravessando a Casa de Sagitário sem dar pela presença deles. Um rapaz de cabelos curtos, uma pequena faixa na cabeça e um rosto muito preocupado.

Os Cavaleiros de Bronze entreolharam-se e decidiram segui-lo para a saída da Casa de Sagitário, pois ainda precisavam se apressar para salvar Atena o quanto antes.

Ao saírem da Casa, no entanto, notaram que a tarde que antes morria agora era uma noite profunda em que as estrelas cintilavam no céu de uma noite fria. Seiya ficou olhando para as estrelas que tão bem reconhecia quando teve sua atenção chamada por Shiryu.

Tanto Hyoga como Shiryu e Shun ainda seguiam o rapaz, que sequer dava pela presença deles, como se ali eles não estivessem ao seu encalço. E, ao invés de tomar as escadarias que levariam para o próximo templo, aquele rapaz apressado simplesmente entrou em uma fenda da rocha ao lado do templo de Sagitário que, à primeira vista, parecia impossível de comportar uma entrada para uma pessoa normal. Era um engendrado truque ótico para esconder uma entrada na montanha, de modo que os Cavaleiros de Bronze conseguiram seguir o jovem entrando também naquela rocha impossível.

Ao entrarem na montanha, viram-se em um corredor escuro e terrivelmente mal iluminado por poucas tochas no teto, com escadas toscas que desciam e subiam; goteiras espalhadas em ambientes lúgubres e profundos. O rapaz seguiu correndo adiante com rapidez e os Cavaleiros de Bronze foram atrás.

Correram por escadarias que pareciam infinitas e, de tempos em tempos, grandes olhos na escuridão pareciam brilhar, observando os cinco invasores que acordavam seus sonos.

— Onde será que estamos? — perguntou-se Hyoga.

— Dizem no Santuário que os Gigantes cavaram nas montanhas suas ruas. Esse deve ser um desses lugares. — lembrou Seiya.

— Vejam, ele parece que vai sair. — anunciou Shiryu ao notar que o rapaz entrou em um beco da caverna.

Os quatro seguiram o rapaz pela curva à direita que ele fez e, magicamente, viram-se fora daquele estranho túnel na montanha. Novamente a noite escura acima deles cintilando suas estrelas brilhantes. À frente deles, viram que o rapaz tomou as escadarias e continuou subindo para um maravilhoso templo; Shun olhou para trás para compreender onde poderiam estar e viu na distância muitos templos erguidos.

— São as Doze Casas. — comentou Shun.

— Então este deve ser o Templo do Camerlengo. — falou Hyoga ao ver o templo à frente dele no que era, sem dúvidas, o ponto mais alto da montanha. — Vamos, Shun!

Tanto Shiryu como Seiya já entravam no Templo no alto da Montanha; podiam ver lá na frente o rapaz preocupado rasgando os corredores na frente deles, atravessando o átrio, uma nave principal, até que passou por uma enorme porta branca de adornos dourados; dava para um bonito altar com um trono de ouro vazio. O rapaz se deteve, pois não estava ali quem esperava.

— Onde será que está o Camerlengo? — perguntou-se Shiryu.

— Amigos. — começou Seiya. — Eu estou com um mau pressentimento.

— O que quer dizer com isso, Seiya? — perguntou Shun.

Seiya já sabia. Mas tiveram de seguir o rapaz, que voltou a correr, atravessando o pátio daquele altar e entrando pelas cortinas atrás do trono de ouro; foram todos atrás de Seiya e do rapaz, que era um pouco mais velho que eles.

O fundo do altar, guardado pelas cortinas escarlates, desembocava em um corredor iluminado por archotes, onde encontraram o rapaz mais à frente ajoelhado ao lado do corpo de uma mulher inteiramente enfaixada dos pés à cabeça e inconsciente no chão. Haviam ainda outras três mulheres igualmente derrotadas, que Shun percebeu estarem mortas ao se aproximar de uma delas.

Shiryu viu como o rapaz abraçou a mulher, que havia morrido em seus braços, e seguiu adiante para uma grande porta fechada que ele abriu de uma só vez.

Hyoga e os demais viram com assombro que, quando o rapaz escancarou a porta, revelou-se dentro dela um pequeno cômodo onde uma figura ameaçadora, de batina escura, um elmo dourado e uma adaga de ouro na mão estendida no ar colocava-se diante de um bonito berço de madeira.

Não haviam notado até agora como nada podiam ouvir que não fossem as suas próprias vozes entre si. Pois agora também podiam ouvir claramente o choro daquele bebê prestes a ser assassinado.

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Entraram todos no cômodo no exato momento em que o enorme padre desceu a lâmina dourada no berço, mas foi impedido pelo rapaz, que segurou o fio da adaga com a própria mão, vertendo sangue dentro e fora do berço de uma criança que desatou a chorar ainda mais.

Não podiam ouvir nada além do choro da criança, mas claramente podiam ver na expressão e nos lábios do rapaz que as duas figuras discutiam veementemente.

— É Aioros. — falou Seiya de maneira contida, como se tentasse evitar ser escutado pelas figuras.

— Então aquele bebê…

— É Atena. — falou Hyoga.

— É a Saori. — lembrou Shun.

Finalmente caiu sobre eles a realidade de que estavam vivenciando a Triste Noite, a fatídica madrugada há quinze anos em que Aioros salvou a vida de Saori, a Deusa Atena.

O enorme padre parecia irredutível e desvencilhou-se de Aioros para fincar a adaga de ouro no berço com sucesso; Seiya em desespero tentou atacá-lo, mas apenas atravessou a figura de batina preta para ver à sua frente como o enxoval da criança estava nos braços de Aioros, próximo à janela.

O terrível padre então atacou Aioros, mas o rapaz se esquivou e, mesmo com o enxoval no colo, acertou um soco poderoso no estômago daquela figura ameaçadora, de tal forma violenta que ele bateu contra a parede ao lado de Shun, deixando seu elmo dourado cair e rolar pelo chão próximo à Shiryu. Seus cabelos eram longos e totalmente grisalhos, conforme viu Hyoga do outro lado. No rosto de Aioros, Seiya viu um enorme assombro, como se ele o houvesse reconhecido de alguma forma.

Com clareza, Shun viu que o padre escondeu os olhos para tentar evitar que fosse visto, mas revoltou-se ao ver que Aioros o havia reconhecido e então ardeu um cosmo dourado incrível disparando uma energia terrível contra o rapaz, que virou de costas para que nada atingisse a criança em seu colo. A força foi tamanha que abriu um buraco enorme na parede da torre que revelou a noite estrelada lá de fora. Aioros saltou pelo buraco junto da criança para tentar salvá-la.

Seiya segurou-se no limite do quarto e viu o herói Aioros pousar na pedra muito lá embaixo.

— Vamos! Vamos atrás de Aioros! — chamou ele, saltando com Shiryu ao seu lado.

— Vamos logo, Shun! — chamou Hyoga.

Mas Shun viu como o padre recolocou seu elmo enquanto parecia convulsionar em lágrimas, correndo pelo corredor de onde haviam vindo. Ele finalmente saltou junto de Hyoga e assim foram atrás de Aioros.

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Desceram algumas escarpas da montanha e logo viram, à esquerda, a face lateral do Templo do Camerlengo em que haviam entrado. Entenderam que ele gostaria de retornar às cavernas dos Gigantes para fugir dali, mas, em frente ao templo, Aioros viu que havia um Cavaleiro de Ouro esperando por ele.

Um maravilhoso Cavaleiro de Ouro com uma rosa na boca.

Não podiam ouvir o diálogo entre os dois, mas claramente Aioros tentava convencer o Cavaleiro de Ouro, que era muito mais novo do que ele, talvez o mais novo entre todos ali. Mas o Cavaleiro de Ouro estava irredutível e o diálogo que não podiam ouvir pareceu simplesmente parar quando as duas figuras olharam no horizonte na direção do Templo.

— Droga, o que está acontecendo? — perguntou Seiya, sem entender e sem poder ouvir.

Ao final do que quer que tenha acontecido, o Cavaleiro de Ouro atacou Aioros disparando uma dezena de rosas.

— Saori mencionou um Cavaleiro de Ouro que deixou uma rosa para ela. — comentou Shun, lembrando-se bem.

— Deve ser este.

Aioros não lutava, apenas fazia tudo que podia para que nada atingisse a criança; houve um lampejo de luz, durante o qual os Cavaleiros de Bronze perderam o que havia acontecido, e logo viram como Aioros caminhava calmamente, descendo as escadas. O Cavaleiro de Ouro, dono das rosas, parecia não poder mais se mover.

— Veja, Seiya! — chamou Shiryu.

Quando viram no chão onde a sombra do Cavaleiro de Ouro se projetava graças às chamas da entrada do Templo do Camerlengo, notaram que havia uma Flecha de Ouro fincada em sua sombra.

— A Flecha de Ouro. — balbuciou Seiya reconhecendo aquela como a seta fincada no peito de Saori.

— Vamos, Seiya! — chamou Hyoga, pois Aioros havia retornado para dentro das cavernas.

Ao levantar os olhos, no entanto, Seiya viu ao seu lado alguém que não esperava ver ali e que somente ele viu. Era Saori. Também olhando para a flecha que lhe rasgava a carne..

— Saori. — chamou ele a garota ao seu lado.

— Vá, Seiya. — pediu ela. — Eu estou te esperando.

Seiya olhou para seus amigos entrando na caverna e, quando tornou a olhar para o lado, Saori não estava mais ali. Ele correu atrás dos amigos outra vez com o peito pesado.

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No escuro túnel, os Cavaleiros de Bronze alcançaram Aioros facilmente, pois claramente ele tinha dificuldades para seguir, atingido por qualquer letargia causada por aquelas rosas que haviam fincado em seu corpo. Mas ele seguiu em frente e outra vez saiu ao lado da Casa de Sagitário.

O rapaz entrou e deixou o enxoval com a criança cuidadosamente em um divã que havia no segundo andar de seu templo. Os Cavaleiros de Bronze ficaram ali olhando aquele bebê que parecia sorridente e, de forma desconcertante, também parecia ter clara consciência de que eles estavam ali. Ela olhou para o rosto de Shun e deu uma risada gostosa. Seiya deu seu dedo indicador para o bebê e ela o apertou.

— É a noite em que Saori foi salva. — falou Shiryu, emocionada.

— É o motivo pelo qual todos nós lutamos. — falou Hyoga.

— Ela também está lutando.

— Seiya? — perguntou Shun, sem entender o amigo.

— Saori também está lutando junto com a gente. Pude sentir seu Cosmo mais de uma vez.

Seus amigos também haviam sentido e Hyoga lembrou-se claramente de sua batalha contra Miro.

— Agora eu entendi o porquê da Armadura de Sagitário não ter seta nenhuma. — comentou Seiya. — Aioros a deixou para trás.

— Então a Flecha de Ouro que está no peito de Saori é a Flecha de Sagitário. — confirmou Shun.

Eles foram então interrompidos quando Aioros irrompeu no cômodo com seu corpo enfaixado e a Urna de Ouro nas costas; tomou o bebê com cuidado no colo e novamente saiu da Casa de Sagitário. Seiya e os outros seguiram-no de perto e viram que, antes que ele chegasse na encruzilhada da pedra, havia outro Cavaleiro de Ouro esperando por ele.

Uma garota jovem, de face muito dura, os cabelos curtos e terrivelmente negros, mas com lágrimas escorrendo-lhe pelos olhos. Seiya notou como Aioros pareceu desarmar-se ao tentar convencer aquela Cavaleira de Ouro que, no entanto, carregava no rosto uma profunda decepção. A garota brandiu seu braço direito e viram todos como a pedra da encruzilhada que levava ao túnel dos Gigantes simplesmente foi destruída, de tal modo que Aioros não poderia mais fugir por ali. Ele deu as costas para a Cavaleira de Ouro, mas Shiryu observou bem como ela usou novamente seu braço para fatiar um abismo na frente de Aioros, de modo que não poderia também voltar para a Casa de Sagitário.

Ele ainda tentou uma, duas vezes, mas a garota jovem não parecia ter capacidade para escutá-lo e avançou para tomar a criança dos braços de Aioros, que a evitou e saltou pela lateral da montanha ao seu lado para o fundo de um abismo.

— Ele se jogou! — exclamou Hyoga.

— Que loucura, dessa altura?! — notou Shun.

— Vamos!

Seiya também saltou atrás dele e os Cavaleiros de Bronze o seguiram.

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Desceram sem muita dificuldade saltando pela escarpa e chegaram à uma estrada sinuosa ao pé da montanha por onde viram correr adiante o jovem Aioros com Atena no colo; ele foi interceptado por um grupo de soldados que juntou-se para pará-lo, mas o habilidoso guerreiro deu cabo de todos eles, que não eram páreos para um Cavaleiro de Ouro como ele mesmo combalido e sem sua Armadura. Foi o suficiente para que os Cavaleiros de Bronze o alcançassem.

A estrada se fechava cada vez mais e, ao chegar perto de uma fonte de água instalada naquele ponto da montanha, Aioros tomou um momento para limpar suas feridas, que manchavam o enxoval da criança. Cuidadosamente, colocou sua Urna no chão e deixou o enxoval ao lado para se banhar levemente lavando o rosto.

Hyoga assombrou-se ao ver ao seu lado que a garota de ouro havia retornado.

— Aioros! — chamou Shun, mas ele não podia escutá-los.

A Cavaleira de Ouro colocou-se entre Aioros e o bebê. O rapaz assustou-se primeiramente e então claramente tentou conversar com candura nos olhos, tentou falar com ela; ele era mais velho que a garota, mas sua experiência de nada parecia adiantar, pois ela mantinha-se irredutível.

— Seiya! — ouviu Shiryu chamar, pois ao seu lado havia aparecido uma assombração.

Era o Cavaleiro de Gêmeos com o enxoval da criança no colo.

Aioros assombrou-se quando viu a encruzilhada em que estava: de um lado, a jovem Cavaleira de Ouro e, de outro, o terrível Cavaleiro de Gêmeos. Eles todos lembravam-se de ter enfrentado aquela assombração na Casa de Gêmeos, e era ele quem carregava o bebê Atena no colo. Os olhos igualmente escondidos debaixo daquele elmo amaldiçoado.

Aioros parecia muito surpreso de ver o Cavaleiro de Gêmeos ali e caminhou até ele tentando ver quem estava por debaixo daquele elmo, mas sem qualquer sucesso, pois aquela assombração afastava-se. Corajoso, Aioros tentava argumentar com a garota de Armadura de Ouro, acusava o topo da montanha; escutava e tentava negar as acusações que lhe jogavam contra ele e nada adiantava no fundo.

— Ele parece conhecê-los. — observou Shun.

— Aioros enfrentou dois Cavaleiros de Ouro sem sua Armadura, mas por quê? — perguntou-se Hyoga.

O Cavaleiro de Gêmeos finalmente pareceu ordenar a jovem Cavaleira de Ouro para dar cabo de Aioros, que olhou para a jovem com uma tristeza imensa, talvez não de estar prestes a morrer, mas por ela ter de carregar aquela ordem terrível. Mas, com lágrimas no rosto, ela inflamou seu Cosmo e desferiu seu punho cortante e violento, que fatiou o peito do herói Aioros jogando-o por uma curta ribanceira que ele tinha às suas costas.

— Aioros! — exclamaram os quatro Cavaleiros de Bronze correndo até a beira da pequena queda.

O golpe só não fatiou o corpo de Aioros ao meio, pois viram-no deitado no chão de terra com o peito revestido pela proteção da Armadura de Sagitário. E então todas as partes finalmente vestiram seu corpo; ele tentava levantar-se com extrema dificuldade, descompassado e terrivelmente infeliz. Vomitou uma poça de sangue e os Cavaleiros de Bronze compreenderam que, embora seu corpo ainda estivesse inteiro, o ferimento daquele punho cortante da Cavaleiro de Ouro o atingiu de maneira determinante, talvez mortal.

Ao lado de Shiryu, ela viu que surgiu a Cavaleira de Ouro, que também foi olhar o resultado de seu punho. Próxima como estava, Shiryu teve certeza de que havia uma tristeza imensa em seus olhos. Ela tinha a sua idade.

— Afaste-se, Shiryu! — pediu Shun.

O Cosmo de Aioros levantou-se naquela madrugada e ele usou sua técnica dourada que manifestou-se como um trovão maravilhoso; sua voz, pela primeira vez, eles puderam ouvir, pois seu Cosmo irrompeu dentro daquela memória.

— Trovão Atômico!

A voz de Aioros era forte, mas jovem, decidida. E sua força destruiu a plataforma em que a Cavaleira de Ouro mantinha-se de pé, fazendo com que ela caísse para onde Aioros estava.

Afastado da destruição, Seiya notou, no entanto, próximo da fonte de água atrás da bacia de pedra, um rostinho rosado reaparecer engatinhando. A criança estava ali à salvo e sorriu para ele. O Cavaleiro de Pégaso não compreendeu muito bem o que se passava à princípio.

Quando a poeira baixou e a Cavaleira de Ouro levantou-se também com dificuldades para encarar Aioros, todos viram lá de cima como o Cavaleiro de Gêmeos também estava no chão e aproximou-se da garota, entregando-lhe o enxoval com a criança; a garota recebeu aquele pacote amedrontada e aflita, como se não soubesse calcular a importância que era carregar aquele presente. Tinha medo em seus olhos jovens. O Cavaleiro de Gêmeos colocou a mão em seu ombro e projetou uma secção dimensional, que Shun tão perfeitamente reconheceu como a Outra Dimensão.

E então a jovem Cavaleira de Ouro desapareceu dali com a criança no colo.

Seiya imediatamente olhou para trás e viu que o bebê Saori ainda engatinhava próximo da fonte de água.

— Uma ilusão… — adivinhou ele, finalmente.

O Cavaleiro de Gêmeos caminhou ameaçadoramente na direção de Aioros, que agonizava de seus ferimentos, ainda que estivesse usando sua Armadura de Ouro.

— Inferno, o que será que está sendo dito? — revoltou-se Hyoga.

Gêmeos então deu-lhe as costas e flutuou até onde estava Seiya e a criança.

Os quatro Cavaleiros de Bronze finalmente perceberam o que se passava e colocaram-se entre o Cavaleiro de Ouro e a criança. E, impossível como fosse, aquela figura fantasmagórica pareceu desistir de dar cabo da vida daquela criança indefesa; não poderia nunca ser pela presença daqueles Cavaleiros de Bronze, afinal de contas eles não estavam lá realmente, mas sentiram que precisavam defendê-la mesmo dentro de uma memória.

Mas ali estava o Cavaleiro de Gêmeos, hesitante.

Tempo o suficiente para que Aioros levantasse vôo com suas maravilhosas asas de Sagitário do fundo daquela fenda e usasse seu Cosmo de Ouro contra aquela assombração que assomava-se diante do bebê.

A cosmo-energia atingiu Gêmeos e o Cavaleiro simplesmente explodiu em mil partes de Armadura de Ouro, revelando que não havia nada dentro dela; aquelas partes espalhadas juntaram-se no ar e montaram duas figuras Gêmeas no chão, brevemente tomando um tom de ouro e flutuando para longe de volta para o Santuário.

Aioros caiu vencido na ribanceira outra vez.

— Uma ilusão. — lembrou-se Hyoga.

— Como na Casa de Gêmeos. — falou Shun.

Os quatro Cavaleiros de Bronze queriam tanto ajudar Aioros e era terrível que nada podiam fazer; podiam apenas olhar o esforço que ele fazia para escalar aquela curta distância até onde estavam. Mas seus ferimentos eram terríveis e muito sangue escorria por debaixo de sua Armadura de Ouro. Ainda que soubessem que aquela era uma memória e ele conseguiria sair dali e salvar Atena, era agonizante não poder dar-lhe a mão.

E ele conseguiu.

Sua Armadura retornou à Urna, ele limpou o sangue como pôde na fonte, seu peito rasgado ele cauterizou com seu cosmo; colocou a Urna nas costas com muita dor, tomou o enxoval no braço que estava menos ferido e seguiu pela estrada para longe do Santuário.

Caminharam velando Aioros por sua via crucis com o peito cheio de dor, até que ele vacilou e foi ao chão de joelhos. Lágrimas apareceram em seus olhos, de quem vê surgir uma enorme desesperança.

A criança no colo, no entanto, parecia lhe sorrir para lhe dar forças.

Ele encontrou uma reentrância na pedra ao lado de algumas ruínas e ali sentou para descansar e talvez morrer. Aioros tirou a Armadura de Ouro de suas costas e a colocou ao seu lado. Seus olhos então fecharam-se lentamente e, conforme eles se fechavam, os quatro Cavaleiros de Bronze viram como aquela memória simplesmente apagou-se em uma enorme escuridão.

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Aos poucos a escuridão foi iluminando-se levemente com as chamas da Casa de Sagitário. Shiryu não podia mais enxergar, mas percebia que estava retornando à si junto de seus amigos. Estavam outra vez diante do centauro alado empunhando seu arco sem seta.

Seiya ajudou Shiryu a se levantar, enquanto Hyoga puxou Shun para ficar novamente de pé.

— Viram a Triste Noite, não foi?

A voz que escutaram não era outra senão a de um maravilhoso Cavaleiro de Ouro, que estava agora também diante deles.

— Aioria. — surpreendeu-se Seiya.

— A memória de meu irmão reside na Armadura de Ouro. Foi ela que me fez ver o enorme erro em que vivi por todo esse tempo.

— E agora nós também vimos. — comentou Shun.

— Vejam. — pediu ele.

Na parede ao lado da Armadura de Sagitário havia um trecho de pedra quebrado que revelou por debaixo dos adornos palavras em grego escritas de maneira apressada, mas muito claras. Seiya, que havia treinado tantos anos no Santuário, compreendeu rapidamente a breve mensagem e seus olhos imediatamente fecharam-se de tristeza enquanto lágrimas rolaram-lhe pelo rosto.

— Seiya? — perguntou Hyoga.

— É o testamento de Aioros. — disse ele chorando.

— O que está escrito, Seiya? — pediu Shiryu.

Seiya leu com clareza para seus amigos.

"Aos jovens que aqui chegarem: confiarei Atena aos seus cuidados."

— Aioros. — finalizou Aioria, marcando a assinatura de seu irmão mais embaixo da mensagem.

Seiya caiu de joelhos em prantos ao lembrar-se da noite terrível que Aioros precisou encarar para que Saori tivesse uma chance.

— Aioros esperou nossa chegada por todo esse tempo. — comentou Hyoga, emocionado.

— Sem saber quando ou mesmo se nós conseguiríamos chegar até aqui. — falou Shun, balançado.

— Nos confiou o bebê. — começou Shiryu, chorando.

— A Saori. — repetiu Seiya.

— Lembro de meu Mestre Ancião contar sobre um antigo provérbio chinês, sobre como é valorosa a pessoa a quem podemos confiar nosso filho quando estamos para morrer.

— É um verdadeiro homem. — falou Aioria olhando para Seiya, Shun e Hyoga. — E uma gigantesca mulher. — disse, colocando a mão no ombro de Shiryu.

— Aioros nos confiou a vida de Atena. — falou Seiya.

— Aquilo que era mais importante para ele. — comentou a garota.

— A dor que deve ter sido para ele deixar a criança com pessoas que sequer conhecia. — lembrou-se Shun.

Os quatro Cavaleiros de Bronze choravam, mas sentiam também em seus peitos que suas forças pareciam ter se recuperado para que pudessem marchar as últimas três horas e salvarem a vida de Atena como Aioros havia feito.

Seiya se levantou e estendeu a mão para os quatro amigos. Eles sorriram e uniram suas mãos às de Pégaso.

— Faltam só três Casas para chegarmos ao Camerlengo. — falou ele.

— Chegaremos a ele e descobriremos uma forma de salvar Atena. — adicionou Shiryu.

— Se não fosse por vocês, não acho que teria chegado até aqui. — falou Hyoga.

— Nós só conseguimos porque todos demos o máximo de nós. — corrigiu Shun.

— Ficaremos vivos! — bradou Seiya. — Nascemos distantes para vivermos juntos, amigos.

Unidos em Cosmo e amizade, os quatro Cavaleiros de Bronze finalmente correram para a saída da Casa de Sagitário. Aioria sorriu vendo aqueles jovens tão decididos em sua batalha e sentiu o Cosmo de seu irmão em todos eles.

— Adeus, irmão.

E também partiu para se juntar a Seiya e aos outros.