O péssimo humor de Darcy só fazia melhorar o ótimo humor de Fitzwillian.

Darcy mesmo sendo um homem extremamente sério e inteligente poderia ser pior do que uma criança birrenta quando algo lhe incomodava. E nesse momento a causa de seu estresse diário era o fato da cidade parecer tão próxima á vista, mas mesmo assim levar horas à fio pela estrada sinuosa.

Ainda sentados um de frente para o outro o Coronel encarava Darcy com o rosto levemente curvado e sorrindo, como se desafiasse o primo a continuar com sua tese sobre estradas.

— Não me olhe como um lunático. - Darcy rangeu

— Eu?! Jamais! - o Coronel erguia as mãos em sinal de rendição

Darcy bufava pronto para continuar com sua explicação.

— O que quero dizer é que se o povo dessa cidade se empenhasse em fazer uma estrada reta, horas de viagem seriam poupadas.

— Mas assim perderíamos uma bela vista. - o Coronel rebatia sorrindo

— Nosso século pede velocidade, não belas vistas.

— Não é isso que você diz quando vamos a Pemberley. - o Coronel respondeu cruzando os braços, certo de sua vitória. - Oras Darcy, aprecie a vista, Georgiana não fugirá de você.

As horas seguintes não foram menos insuportáveis, Fitzwillian só conseguia sentir pena da próxima Senhora Darcy enquanto o atual, e solteiro, Senhor Darcy se preocupava apenas em inflar suas bochechas como isso fosse servir para alguma coisa.

O Coronel já havia tentado todo tipo de assunto, mas dessa vez não insistiria como de costume, ele entendia o porquê da ansiedade do primo.

Finalmente depois de longas, e torturantes, horas a carruagem estacionava em frente ao delicado chalé de praia. A pequena construção não se igualava em nada a grandiosidade das propriedades Darcy, mas a calmaria que transmitia fazia o atual locador considerar a sua compra. Por um instante ele se esqueceu dos problemas atuais e ficou imaginando como seria satisfatório passar temporadas tropicais ali, com a irmã, o primo e talvez uma companheira. Desejar algo que nunca desejou antes o assustará, então preferiu focar-se nos nos assuntos pendentes e na carranca de cansaço que já ameaçava deixá-lo.

— Pelos céus Darcy, por um segundo imaginei-o sorrir. - o Coronel zombava enquanto se atirava nas bagagens ao se espreguiçar.

— Mal chegamos e o sol já está te fazendo mal. - foi a resposta de Darcy ao deixar o primo e seguir para a casa.

Era cedo, por volta das 8 da manhã, quando o jovem lord entrou pelo corredor principal e encontrou na pequena sala, adornada por grandes janelas e pela doce luz do sol, o café da manhã sendo servido e uma Sra Younge deveras perturbada.

— Sr Darcy, nós não te esperávamos hoje.

— Eu pensei em surpreender minha irmã. Onde ela está?

— Ela está... fora... desenhando. - a frase cheia de pausas da mulher era seguida por um frio suor em seu rosto.

— Sozinha? - foi a pergunta cheia de aspereza lançada pelo rapaz.

Antes que Darcy permitisse que a pálida Senhora Younge respondesse sua pergunta, ambos, foram interrompidos pela barulhenta entrada de Fitzwillian que parecia ajudar os poucos criados presentes com as bagagens.

— Darcy como sempre um perfeito cavalheiro – o humorado jovem cantarolava enquanto lançava sobre o chão as malas que carregava. - A sua afobação acaba com toda a sua delicadeza natural.

— Sra Younge – ele continuou – parece mal, o que houve?

— É o que pretendo descobrir. – dessa vez foi Darcy quem tomou a palavra, cruzando os braços e parecendo cada vez pior, gerando estranhamento no primo. - Principalmente para levar ao fato de deixar minha irmã sair desacompanhada em uma área onde ela não possui nenhuma ligação.

Após o grave discurso do primo, Fitzwillian preferiu manter-se calado visto a gravidade da situação.

— Eu nunca disse que a Senhorita Darcy estava sozinha – a sra Younge parecia se recuperar aos poucos em seu explosivo discurso de explicação - Eu como sua acompanhante jamais permitiria tal situação a jovem – ela começava a retorcer a barra de seu vestido, demonstrando nervosismo ao se explicar – Acontece que, que, eu comi um peixe que me deixou deveras indisposta. Fiquei muito mal. Entretanto Miss Darcy estava ansiosa para continuar seu desenho, e com o tempo estando bom eu não quis estragar seu divertimento. Ela me pediu se poderia ir com a sua empregada, e eu não vi mal algum nisso. A empregada dela não é uma moça, e sim uma mulher sensata.

Ao fim da explicação, Darcy parecia mais calmo, afinal a mulher realmente parecia se sentir mal, mas sua preocupação com a segurança da irmã impedia que sua carranca fosse embora, e como para dar fim aquele turbulento começo quem se pronunciou foi Fitzwillian.

— Bem Sra Younge – a mulher sorria – Para qual direção elas foram?

— Sim – Darcy parecia tentar tranquilizar seu tom de voz – Podemos nos juntar a elas e depois retornarmos juntos. - ele encerrava com a concordância do primo.

Ela hesitou por um momento antes de dizer:

— Elas pretendiam dobrar a direita ao longo da costa para que a Miss Darcy pudesse terminar o esboço que já tinha começado.

— Muito bem.

Logo quando estavam saindo Georgiana descia a escada, vestida com roupas para ficar em casa e não mostrando sinal algum de ter estado fora desenhando.

— Miss Darcy, eu pensei que você já tivesse saído – a mulher na sala dizia, quase pulando na garota. – Teu irmão veio visitar-te. Lembre-se, um pouco de determinação é tudo o que é preciso, e você conseguirá o que seu coração desejar. - ela encerrava a medida em que ia se retirando da sala para a cozinha, com uma estranha pressa.

O discurso era estranho, mas ambos os garotos pareciam compreender a fala como um incentivo ao desenho da mais nova.

— Fitzwilliam – Georgiana disse, ficando pálida.

— Os dois! - respondia o Coronel se colocando ao pé da escada, esperando que a garota continuasse sua descida, mas isso não aconteceu.

Ela parou na escada e não desceu. Repentinamente, parecia muito nova e incerta.

— Georgina – agora era Darcy quem se punha ao pé da escada, com o semblante confuso e preocupado, perguntou – Se sente mal? O peixe, você também comeu?

— Peixe? - ela perguntou desconcertada.

— O peixe estragado que a Sra Younge comeu. Você também comeu?

— Oh, não. – ela dizia, contorcendo as mãos.

— Contudo você não está bem. - Darcy, notando um rastro de suor em sua testa e vendo o quão branca ela estava subiu os degraus que faltavam e pegou sua mão, a levando para sala.

— Fitzwillian, mande a Sra Younge chamar um médico, o mais rápido possível, por favor. - a súplica fez com que rapidamente o Coronel se retirasse, mas ao contrário do primo estava mais preocupado em descobrir a tal causa com a governanta, que não parecia exigir um médico.

— Will, por favor – agora era Georgina que suplicava – Eu não acho..

— Não Georgie, você não está bem, sente-se!

— Aqui - disse Darcy oferecendo-a uma cadeira enquanto segurava as mãos da menina que agora possuía um olhar choroso, mas que subitamente se transformara em olhar ardente e cheio de confiança com pequenas lágrimas em suas laterais.

— Não, eu não posso - Georgiana dizia deixando Darcy atônito - Eu não posso te enganar, não importa o que ele diga.

— Não importa o que ele diz? – Darcy perguntava assustado e confuso observando sua irmã se levantar rapidamente e andando de um lado ao outro falando rapidamente.

— Ele diz que se você soubesse sobre isso iria nos parar.

— Quem, Georgiana? - Darcy perguntava desesperado, interrompendo a irmã para tentar se situar no redemoinho de informações que pareciam surgir a cada segundo.

— George, nosso velho amigo, George Wickham!

Tamanho fora o susto que Darcy sentira ao ouvir aquele nome que fora impossível reagir a qualquer outra informação sem antes engolir o bolo que se formara em sua garganta, mas aquilo havia dado tempo para que sua irmã começasse um discurso apaixonado que parecia zumbir em sua cabeça.

— Senhora Younge e eu o encontramos por acaso na praia. Ele está passando o verão aqui. Nós conversamos e ele disse o quanto sente pesar por vocês não se falarem mais. Eu também, eu preferia muito mais quando vocês eram amigos. Não parece certo que tenha alguma coisa não resolvida entre vocês. Fiquei aliviada quando ele falou que foi tudo um mal entendido e que já estava resolvido, e que não havia nada, agora, para nos deixar desconfortáveis. Ele me lembrou da época em que ele me sentava no meu pônei e me levava para passear pelo jardim, e da vez em que me trouxe o bolso cheio de frutos de cascalho – ela dizia com um sorriso melancólico – Ele disse que foi uma sorte termos nos encontrado e que significava que podíamos renovar nossa amizade.

— E o que a Sra Younge disse disso? - a boca de Darcy se movia enquanto o rosto continuava compenetrado em sua irmã.

— Ela disse que era perfeitamente adequado, para mim, entreter um amigo da família. Caso contrário eu não o teria feito. Foi quando os jantares começaram, ele jantava aqui de vez em quando e nos acompanhava ao longo do dia caso estivesse chuvoso. Eu não pretendia me apaixonar, sei que sou nova e que o amor não é um sentimento que floresce em um único verão, mas.. mas - a voz de Georgiana parecia falhar, ao mesmo tempo em que contava a história com tanta energia e ardor seu rosto parecia denunciá-la, como se quisesse realmente acreditar na história que narrava - ele me contou tantas coisas agradáveis sobre o futuro que eu comecei a ver nosso casamento como uma coisa já certa.

— Casamento? - Darcy conseguiu exclamar horrorizado.

— Ele... ele disse que me amava, mas que você não nos deixaria casar antes que eu tivesse dezoito, que deveríamos fugir, e depois mandar-te uma carta de Lake District.

— E você concordou com isso?

— Eu queria que tudo fosse claro. Eu disse que ele deveria pedir minha mão de maneira tradicional, mas, ao mesmo tempo, eu queria que tudo acontecesse… e… e... - sem conseguir terminar a frase a menina começava a embalar em um choro sofrido e desesperado, de quem não conseguia por em palavras o desespero que o coração sentia - Por favor Will, ele não tinha más intenções, creio que ele deva ter pensado que seria uma aventura, e ele me ama, então assim poderá cuidar de mim e eu já não te darei tanto trabalho.

Com o encerramento da frase e a face corada pela vergonha, Georgiana retorcia a barra de seu vestido com as mãos, enquanto mordia os lábios para evitar que o choro se aprofundasse.

Darcy não sabia como reagir, estava claramente com raiva de Wickham por se aproveitar da fragilidade da irmã, mas ele não era o assunto para o momento.

Talvez tomando a decisão mais certa de sua vida, a que deveria ter tomado semanas atrás, jogou seus braços ao redor de Georgina deixando que a meninas chorasse seus anseios em seus braços. Tirando coragem sabe-se lá Deus de onde pode começar:

— Eu não quero te falar isso, Georgiana – Darcy dizia suavemente – mas eu devo. Ele não te ama. Ele te usou.

— Não! - a menina exclamou - Não é assim. Ele me ama. - Darcy via medo nos olhos da irmã e não quis continuar.

Não se sabe quanto tempo, mas ambos continuaram ali, abraçados, até que o choro da mais nova cessasse; sentando-a e beijando-lhe a testa, Darcy se manteve de pé, segurando a mão da garota enquanto falava:

— Eu devo falar com a Sra Younge e fazer com que ela saiba o que tem acontecido por trás de suas costas. Foi negligente dela não perceber. - porém a expressão de Georgiana o fez parar.

— Foi por trás das costas dela?

A menina acenando para os lados miseravelmente por fim respondeu:

— Ela me ajudou a planejar a fuga.

Aquela talvez tenha sido a gota d’água para Darcy, o homem já não sabia mais como raciocinar, seu mundo ruia perante seus olhos, sem que suas mãos pudessem fazer absolutamente qualquer coisa.

Havia chegado não fazia nem dois quartos da hora, e com apenas um problema, e agora tinha por volta de cinco.

Virando seu corpo com raiva seguiu pela porta da cozinha, onde tinha visto a senhora Younge seguir pela última vez, mas parou no meio do caminho ouvindo a voz cálida da irmã.

— Will..

— Georgie..?

— Não é nada.. - a menina continuou olhando para os pés, como uma frágil boneca sentada em sua cadeira para o chá.

Darcy não sabia o que fazer, como confortá-la, e naquele momento, sentia falta da mãe mais do que nunca. Ela saberia o que fazer. Ela saberia o que dizer. Ela saberia como confortar sua filha nessa situação. Ele só podia lhe entregar um lenço e esperar que seu sofrimento passasse.

— Eu volto logo.

— Está bem.

Como muito do que ele não pode prever, aquela seria a última frase que ouviria da irmã por algumas semanas, se soubesse, talvez, tivesse feito algo diferente.