— Então. – Nathan começou me fazendo respirar fundo. – Seu cabelo fica bonito na luz da lua. – me disse. Olhei para ele tentando entender o que ele quis dizer, se era uma piada ou uma crítica ou até... um elogio. Nathan sorriu dando de ombros ao desviar o olhar. – Parece vermelho prateado. E seus olhos ficam muito mais claros do que o normal. – suspirei. Ele não precisava falar aquilo, ninguém ali precisava falar sobre as características do outro já que não eram importantes. – Que cor são eles? Verdes? – dei de ombros a falar.

— Acho que são dourados, mel. Não sei. – ele me observou por um longo instante mantendo o silêncio. Me foquei nas vozes um pouco distantes de nós, sem entender do que falavam, mas confortável de não estar sozinha ali. Olhei para o horizonte sem pensar em um bom motivo para correr, sair dali o mais rápido possível. Será que Nathan esperava que eu falasse sobre ele de volta? Como um favor por ter dito sobre meu cabelo e meus olhos, ele esperava que eu fizesse o mesmo?

— Ei Califórnia, você vai? – Nathan perguntou de repente. Pisquei me virando para ele prestes a perguntar do que ele estava falando, até ver sobre seus ombros, meu grupo em pé a centímetros da borda colocando cintos nas cinturas.

— Eu vou! – exclamei levantando rapidamente, fazendo Nathan riu alto ao levantar logo em seguida.

Me posicionei ao lado de Luke, que sorriu, ele já estava preso pela cintura por um cinto em uma corda que descia até o chão do outro lado, ela era presa a uma argola firme no concreto do muro. Parker, Tony e Tori estavam com outras cordas igualadas, apenas me esperando, havia outros dos grupos se arrumando rapidamente. Nathan pegou uma das cordas desocupadas, o cinto e sem pedir permissão – pois ele deveria pedir – amarrou-o em minha cintura por trás. Rolei os olhos sentindo o aperto mas não me mexi ou reclamei, ele sabia o que fazia. Nathan prendeu a corda e então ficou ao meu lado desviando seu olhar para baixo, para o breu total.

Olhamos para o horizonte, o sol despejava seus primeiros raios de luz nas nuvens cinzas e pesadas, lentamente a luz banhava a Cidade não-viva e se aproximava de nós como uma onda alaranjada. O Grupo X estava pronto, nós estávamos prontos e o Grupo Y parecia apreensivo, é claro que, em nossa primeira vez, cada veterano tinha o dever de explicar o que acontecia e como acontecia nas reuniões, mas parecia que o medo era maior do que qualquer outra coisa. Isto era o que nos diferenciava, nós não tínhamos medo de arriscar.

Quando a luz tocou o topo do muro e nos iluminou, a partida era feita, demos um passo para a borda e então, caímos em queda livre a medida em que a luz descia pelo muro. A sensação de não ter nada te segurando era libertadora e ao mesmo tempo aterrorizante. Não podíamos gritar de medo, podíamos gritar de animação e poucos de nós conseguia fazer tal coisa. Eu preferia abrir os braços e fechar os olhos, sentir por um instante que eu não estava caindo e sim, voando.

Os veteranos gostavam de apostar em quem chegaria primeiro ao chão e vibravam para suas apostas e era dever deles nos ajudar a subir depois. Eu poderia ter tido sorte desta vez, Nathan era forte o bastante para me puxar facilmente, ao contrário de Dan que precisou de mais dois amigos para me subir outra vez.

— É isso ai, Califórnia. – Nathan gritou me fazendo abrir o olhos no instante em que um garoto do Grupo Y se aproximava em minha direção gritando de medo.

Fechei os olhos apenas para não ver o impacto, nos batemos de frente colidindo com o muro, desequilibrando totalmente na queda. Ignorei a dor na cabeça, nas costas pela parede e também por minha arma está me machucando, ignorei os gritos do garoto e abri os olhos apenas para ver o chão se aproximar rapidamente, olhei para cima encontrando-o enrolado em minha corda, ou seja, um peso a mais.

— Pare de gritar! – gritei o mais alto que consegui, arranhando a garganta.

O garoto fechou a boca rapidamente mantendo seus olhos em desespero completo, ergui os braços para tentar puxar sua corda e equilibrar o peso mas era impossível se esticar mais. Se eu desistisse agora, cairia de cabeça no chão, se pensasse em algo poderia sobreviver. Em dez segundos minha vida passou diante dos meus olhos, o tempo foi parando lentamente a cada aproximação ao chão, me vi em várias imagens naquele momento, desamarrando o cinto, segurando-o com toda força nas mãos e pular para o chão achando mesmo que estava próximo o bastante para que caísse em pé. Mas então eu havia me enganado, não estava tão perto assim e cai sobre os latões de lixo que me arranharam e rolaram fazendo um grande barulho. Não ouvi som de ossos quebrados, a dor estava suportável e o garoto estava caindo mais lentamente agora.

— Cora! – ouvi a voz de Luke.

Continuei deitada apreensiva se poderia me mexer sem deslocar algum osso, mas pude vê-los cair no chão como eu deveria ter caído, em pé. As cordas tinham metros o suficiente para chegar ao chão, nada mais e nada menos, ou seja, nenhum deles poderia ou deveria ir até mim.

O garoto caiu de joelhos no chão sufocando o choro, soluçando alto o bastante para que eu pudesse ouvir de onde estava. Tentei erguer o indicador ou o polegar e mostrar que estava viva ou pelo menos, naquele momento conseguia respirar, mas nem mesmo os braços me obedeciam. Fechei os olhos mantendo a respiração calma.

— Nós temos que ajudar. – Parker gritou.

— Não ousem desamarrar os cintos. – Nathan gritou de cima do muro. – Vamos ajudar. Vamos puxá-los de volta.

— Não! – Luke gritou.

— Luke! Isso é uma ordem!

Só poderia ser brincadeira. Como iriam me ajudar daquele jeito?

Abri os olhos sentando lentamente ignorando a tontura, observei as latas de lixo jogadas ao meu lado ignorando o odor insuportável delas. Olhei para cima encontrando todos os participantes subindo lentamente pelas cordas e apenas o pobre garoto havia ficado para trás.

Nós dois.

Levantei encontrando minha CFR Whisper caída bem perto dali, olhei para minha calça, nada de sangue, pisei com um pé, nada. Pisei com o outro sentindo uma pontada no pé. Olhei meus braços arranhados em partes diferentes, mas nada profundo, pulei com o pé ainda bom enquanto arrastava o ferido caminhando até o garoto. Ignorei a voz de Luke chamando meu nome, ignorei a voz de Nathan me pedindo para ficar parada.

— Ei, você está bem? – mantive a voz calma dessa vez. O garoto ergueu seu olhar para mim, analisando dos pés a cabeça aumentando a surpresa em seu rosto.

— Você está viva. – ele sussurrou em choque.

— Claro. Você está bem? Como você se chama?

— Sou Nick, eu... Eu... Eu sinto muito. – disse levantando lentamente se encostando na parede.

— Você está bem?

— Meus joelhos doem. – Nick respondeu ofegante, fechando os olhos encostando a cabeça no muro. – Minha barriga dói. Minha cabeça também.

— Tudo bem, apenas continue respirando e tenha calma. – virei em direção a CFR e lentamente, pulando com um pé e arrastando com o outro, me aproximei para pegá-la de volta. Para nossa sorte, estava claro o suficiente para enxergar tudo ali.

— Eles irão nos matar. – Nick sussurrou.

— Eles são lerdos, provavelmente irão demorar para chegar aqui.

— Mas irão e nós...

— Escute, estamos em um beco, há três saídas e entradas, então veremos se algum deles estiver chegando. – falei puxando minha espingarda, colocando-a em um ombro.

Observei a rua em que estávamos, os prédios logo a frente que formavam um beco entre si e uma das três entradas. A primeira vinha do oeste e a segunda vinha do leste, é claro que zumbis não seguiam regras de trânsito então poderíamos esperar por eles em qualquer uma daquelas entradas. Observei os latões de lixo que estavam em maior quantidade ali do que em qualquer outro ponto de lixo em volta dos muros, tentei imaginar se algum zumbi poderia se esconder ali ou tinha capacidade para pensar algo assim.

Não havia nenhum.

— Califórnia! – Nathan gritou. Ergui o olhar para cima, todos me observavam. – Você acha que pode amarrar o garoto para puxarmos?

Concordei com a cabeça esperando que isso bastasse para responder. Pulei e me arrastei de volta a Nick que ergueu os braços me dando espaço para arrumar o cinto, amarrá-lo forte o bastante que Nathan precisaria de toda força para desamarrar. Desalinhei as duas cordas e amarrei uma delas no garoto, testei se estava bem preso e então ergui o polegar para Nathan. Ele retribuiu o gesto e então ordenou que os homens ali puxassem a corda.

— Obrigado. – Nick sussurrou.

— Me desculpe por gritar com você. – respondi. Ele sorriu assentindo com a cabeça e lentamente foi subindo sendo puxando pela cintura. – Ei, quantos anos você tem?

— Quatorze. E você?

— Dezessete. – com um sorriso Nick foi subindo.

Me virei encostando as costas no muro respirando profundamente, tinha acabado de salvar um garoto de quatorze anos, isso poderia orgulhar meus pais, com certeza. Tirei minha CFR do ombro sentando no chão, colocando-a no colo enquanto esperava ser resgatada. Eu nunca havia passado por isso em todas as vezes que estive no muro, nunca havia conseguido chegar em primeiro por que não ligava para a corrida, mas também não havia pensado que acidentes como esse poderiam acontecer. Observei minha espingarda procurando algo fora do lugar ou quebrado por conta da queda, estava intacta. Passei os dedos pelo visor, segui a linha do cano até o gatilho encontrando um desvio pequeno e discreto. Ergui a arma na altura de meus olhos encontrando um rabisco, ou era um símbolo?

CC.