Eu odeio o dia dos namorados.

Sério.

O

D

E

I

O

Com todas as minhas forças.

Não me leve a mal... Não é do amor que estou falando. Mas, sim: dessa data superestimada. Das pessoas deixando as desavenças que tem com o parzinho de lado por um segundo – sem ao menos conversar sobre ou de fato resolver os problemas (sem segundas intenções envolvidas) – e saindo por aí aos pulos com flores e cartões e chocolates, ursinhos de pelúcia... E os balões vermelhos em formato de coração, então? Falo nada... Rá, rá. Nosso amigo capitalismo agradece.

Afinal de contas, é disso que se trata: comércio.

Não amor.

Amor é algo para se contemplar todos os dias. E distribuir por todo canto, o máximo que for possível. Infelizmente, para algumas pessoas é coisa de feriados. Como respeito, e tudo o mais.

Por falar nisso...

Eu nunca tenho folga no dia de São Valentim.

Por que, ó Santo Casamenteiro? Por que, logo eu? Sou tão boazinha.

Não que eu esteja reclamando do meu emprego, longe disso. Adoro o lugar onde trabalho. É uma loja de doces em Londres... E eu sou fascinada por doces e Londres. É o paraíso. Mas, confesso odiar atender os clientes apaixonados. Então, neste dia, sempre conto as horas para poder ir para casa. Será que é tão errado pensar assim? Não pode ser só eu. Meu ódio é completamente, normal.

Completamente.

Ok, tudo bem... Você me pegou.

Além de tudo isso... Dia 14 de Fevereiro é o meu aniversário. E talvez eu seja muito azarada por isso. Ou talvez, seja apenas noia da minha cabeça. Mas, sempre acabo sozinha naquele que deveria ser o meu dia e que tenho que dividir com o feriado, sem escolha alguma. Todo ano, enquanto eu permanecer no meu país, ou em qualquer outro pelo mundo inteiro que também o comemore. E talvez, eu nunca tenha escapado das piadinhas também.

Que eu iria casar rápido. Que sofreria mais por amor. Que eu era “sedutora” por natureza, ou coisa sem nexo do tipo. Que para ser um anjo completo, bastava eu fazer babyliss no cabelo. Por que meu nome era Brittany e não Love? Por que eu não usava rosa todos os dias? Por que eu não andava com asinhas penduradas nas costas? Que todos os meus presentes de aniversário deveriam ser coisas bobinhas e românticas. Que meus filmes favoritos eram de amor, assim como as músicas e etc e tal. Que minha cor favorita era: vermelho e todas as suas variações. Que sorte eu tinha.

Que sorte.

Eu olhei para a porta bruscamente, quando o sininho da loja de doces soou. Adeus, pensamentos. Uma garota se fez presente no estabelecimento, focada em procurar alguma coisa entre o mar de possibilidades coloridas. Fazia nove graus lá fora, então ela estava muito bem agasalhada. Não consegui fitar seu rosto muito bem por conta da touca de lã, mas seus cabelos eram cumpridos e pretos e exalavam um brilho, que nem sei dizer. Ela calçava botas que iam até uns quatro dedos abaixo do joelho, e usava um vestido estampado em P&B com uma meia calça escura. E é claro que eu não posso deixar de mencionar o sobretudo vermelho.

Já não bastasse tudo isso, a pessoa se virou, vindo em minha direção... Com aquele rosto maravilhoso, e aqueles olhos castanhos profundos. Não me culpe. No meio do trajeto, ela foi tirando a touca dos cabelos para ajeitá-los e sorriu largo, de tal forma que meus olhos colaram nas covinhas que me cumprimentavam adoravelmente das bochechas da mulher. Era como se ela tivesse saído de um verdadeiro comercial de beleza... E eu, de um farmacêutico.

Mas, eu continuava mal humorada.

— Ah, aqui estão os chocolates... E aí, atendente? Tudo bem? — A garota ainda sorria, simpática. E eu apenas assenti, em silêncio. Então ela começou a apontar para alguns chocolates na vitrine entre mim e ela, a maioria de porcentagem amarga acima de 40%, com exceção de um. — Me vê seis desse... Dois desse e desse também... E um desse aqui. Obrigada.

Eu me segurei para não soltar um suspiro. Ela estava tão empolgada, deveria estar comprando para o namorado. Ou, futuro namorado. Eu não queria saber. Preferia não saber. Pra mim, era mais que suficiente continuar apenas admirando sua imagem e voz, até que não fosse mais possível. Mas, a loja tinha políticas neste dia que eu precisava cumprir. Mesmo desconfiando que ela estava comprando era pra si mesma, com toda aquela animação. Todavia, não dava para viver a base de intuições. Então, tentei sorrir com minhas próximas palavras.

Sem sucesso, é claro.

— É presente pra pessoa amada, ou--

— Que nada! — Ela me cortou. E suas feições mudaram no mesmo instante, da água para o vinho. — Não me faça vomitar, por favor. Eu não me sujeitaria a isso nessa vida. Esse é, de longe, o pior dia do ano.

AAAAH. Meus olhos chegaram a brilhar, e eu me peguei rindo.

— Você não poderia estar mais certa.

A morena voltou a sorrir e chegou mais perto do balcão, enviando seus olhos ao meu uniforme.

— Brittany, é?

— Eu mesma.

— Parabéns — Ela me estendeu a mão, brincalhona, e eu aceitei, sem nem pestanejar. — Você ganhou o direito de eu te chamar pelo nome, Brittany.

Oh, obrigada. Muita generosidade sua.

— Eu sei. — Nós continuamos rindo e balançando as mãos, até ela se apresentar: — Santana.

— Santana, é? — Eu espreitei os olhos. Nossas mãos em contato, esquentando uma a outra. — É a primeira vez que te vejo. Você não é daqui, né? Seu sotaque não me engana.

— Pois é, culpada. — Ela mudou sua entonação, para algo mais americano. Soltou minha mão. — Tô fazendo intercâmbio e praticando o inglês de vocês, se é que me entende. Acho bonitinho.

— Fico lisonjeada. — A gente sorriu ao mesmo tempo e ela desviou os olhos, balançando a cabeça. — Da onde é?

— De um lugarzinho infeliz do México.

— Interessante. — Eu ri. — E tá curtindo a estadia?

— Quem sabe?

— Hum... Pensando aqui se você merece o direito de eu te chamar pelo nome, Santana.

— Olha só... Engraçadinha ela.

— Não é? E mesmo assim, tenho certeza que das pessoas que estão na loja nesse exato minuto, eu ainda fico em segundo lugar. A vida é uma comédia, não?

— É o que parece — Santana riu, apoiando-se no balcão. — Tá legal. Que adjetivo você usaria pra me descrever, caso não soubesse meu nome? Pensa rápido, três, dois, um...

— Eita! Ok, ok... Definitivamente: chocólatra.

Santana cruzou os braços e me fitou séria, mas acabou gargalhando em menos de cinco segundos. Meu deus, ela era uma desconhecida e eu já considerava aquela risada a mais gostosa do mundo. Se controle, Brittany.

— Você não poderia estar mais certa.

— Eu reconheceria outra chocólatra a quilômetros de distância.

— E mesmo assim, se atreveu a perguntar se meus chocolates eram presente pra “pessoa amada”. Meio contraditória você.

— É política da loja. E não posso viver a base de intuições.

— Sabe... Não concordo com a última parte, Brittany. Ainda mais tendo ótimas intuições sobre você.

— Jura?

Ela assentiu, embalando o seguinte questionamento:

— Quando seu expediente acaba?

Fiquei surpresa. E talvez, um pouco vermelha. Virando-me para olhar para o relógio atrás de mim, em disparada.

— Ahn, daqui a duas horas.

— Perfeito. Nos encontramos daqui a duas horas, ali na frente. Tá?

— O-ok.

Santana pôs o dinheiro dos chocolates no balcão, mas não os pegou.

— Não se esqueça de trazê-los com você.

Foi à última coisa que ela me disse, antes de nos encontrarmos ao fim do meu expediente horas depois. Naquele instante, eu me peguei pensando se tudo aquilo não era fruto da minha imaginação. Mas, não. Santana era real. Toda a sua personalidade era.

Naquele dia, ela pediu um tour por Londres e eu não mencionei um pio sobre o meu aniversário por todo o nosso passeio. Pouco depois, ela acabou descobrindo quando arrancou minha identidade da minha mão, disse que eu era uma farsa. Rimos mais que tudo. Eu era mais de chocolates ao leite do que aqueles com alta porcentagem de cacau como os que ela gostava, mas confesso que naquele dia parecia mais doce do que jamais foi.

Ainda mais em seus lábios.

Eu não odiava mais tanto assim o dia dos namorados.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.