— Temos uma emergência.

Essa foi a primeira coisa que Irene ouviu ao atender a ligação e a única coisa que ocupava a sua mente no caminho até a agência SM. Ela não queria que as meninas se preocupassem até que soubessem de fato o que estava acontecendo, mas não conseguia ignorar a sensação terrível que lhe embrulhava o estômago.

Seulgi e Wendy conversavam baixo, sua discussão preenchendo o silêncio do carro, enquanto Yeri repousava no ombro da Joy. Era tarde da noite quando elas receberam a ligação, e estavam exaustas por causa da rotina atribulada.

Joy podia sentir seus músculos doloridos, seu corpo cansado implorando por descanso, mas estava consciente demais para dormir. O que quer que fosse a razão para elas serem chamadas pela agência no meio da noite, devia ser algo sério – disso todas elas sabiam.

E devia ser algo ruim.

“Irene de Red Velvet é a maior bully que a indústria do K-pop já conheceu

Ex-trainee da SM Entertainment expõe a atitude ruim e o comportamento agressivo da idol.”

A sala ficou silenciosa pelo que pareceu horas. Além do grupo, o CEO e o manager estavam reunidos, e apesar de o espaço reservado para a reunião ser consideravelmente espaçoso, a atmosfera lá dentro era quase sufocante. Por um minuto as meninas conseguiam apenas encarar, sem reação, o papel a sua frente, com o título chamativo de notícia escandalosa. Foi Yeri quem quebrou a quietude:

Yah, que tipo de piada é isso?

O CEO se sentava na frente delas, um olhar austero obscurecendo seu perfil.

— Esse artigo ainda não foi publicado. Felizmente, o editor teve a consideração de ao menos nos avisar previamente para que pudéssemos tomar as devidas medidas.

— Mas o que isso tudo significa? – Seulgi retorquiu, confusa.

— Eu sinto muito por isso, meninas. – Foi o manager quem respondeu – Aparentemente eles pegaram um depoimento de uma ex-trainee. Eles não revelaram a fonte, por uma questão de privacidade, mas as acusações são bem sérias.

Yeri parecia ficar mais impaciente a cada instante que se passava.

— Mas quem acreditaria nessa porcaria? É obviamente falso, a unnie nunca faria isso!

— Nós sabemos que não é verdade, mas também não podemos controlar a reação do público. Isso pode criar um impacto preocupante na sua imagem como um grupo e especialmente na reputação da Irene.

O cômodo silenciou-se mais uma vez. Joy sentia vontade de gritar. Aquilo não podia estar acontecendo.

— Nós podemos combater isso, podemos falar pra eles que é mentira… – tentou dizer, sendo logo interrompida pelo manager.

— Não temos como provar que…

— Podemos descobrir quem é essa pessoa e fazê-la admitir…

— Seria quase impossível encontrar quem prestou esse depoimento. Nós podemos liberar uma declaração pública de que o artigo é mentiroso, mas há uma possibilidade de que isso não seja suficiente.

— Mas nós também poderíamos…

— Sooyoung-ah. Por favor.

A voz de Irene era quase inaudível, tímida e discreta, mas profundamente firme – um reflexo de como a jovem sempre fora. Essa era Bae Joo-hyun; nem sempre os outros compreendiam seu jeito. Alguém que ouve, alguém que precisa ouvir, acima de tudo, para entender. E assim permaneceu durante toda a discussão – calada –, sobretudo porque sabia o que aquilo significava. No fim do dia, seu jeito de agir, a maneira como tratava as coisas e as pessoas, a forma como havia aprendido a lidar com a pressão insustentável da carreira que havia escolhido – essa havia sido sua ruína.

Irene tinha consciência do que acontecia a sua volta, e também não era ignorante em relação aos boatos que por vezes rondavam a sua imagem pública. Atitude fria e distante, comportamento ruim, retraído, arrogante. E sabia também que, por causa de tais boatos, as chances de conseguirem reverter o estrago da publicação daquele artigo, mesmo que falso, eram mínimas.

Uma boa parte dela, a parte que era mais Bae Joo-hyun do que Irene, mais cantora do que idol, mais amiga do que líder, não se incomodava muito com aquilo, porque as pessoas que realmente importavam reconheciam a inverdade do que era dito sobre ela. Mas a reação das meninas, as suas meninas, lhe partia o coração, porque aquilo as afetaria também.

— Sinto muito por colocá-los nessa situação. – Ela continuou, se dirigindo ao manager e ao CEO, erguendo os olhos do artigo pela primeira vez naquela reunião – Por favor, façam o possível para que as meninas não sofram por isso. Eu enfrentarei as consequências.

— Mas isso é tão injusto! – Wendy disse – Tem que haver um outro jeito.

Irene segurou sua mão, tentando sinalizar que estava tudo bem. As garotas se calaram. O CEO levantou-se à janela com os olhos fixados na noite iluminada de Seul, mas com a vista perdida e sem direção. Joy percebeu a inquietude que o dominava, as mãos agitadas, o olhar perdido, mas antes que pudesse tentar compreender o que aquilo transparecia, ele se pronunciou:

— Na verdade, tem sim um outro jeito. Nós pensamos em algo que achamos que daria certo.

Elas olharam umas para as outras, trocando silenciosamente a mesma pergunta.

“Por que não falaram isso antes?”

— Só tem um problema. É algo que depende de você… Joy.

Joy inspirou profundamente o ar frio da tarde de Seul, escondendo as mãos no bolso do sobretudo. O sol caía preguiçoso, anunciando o fim do dia em tons de rosa e laranja no céu, e a menina aguardava inquieta o passar do tempo no meio da ponte de um dos parques da cidade.

A noite anterior repassava incessante em sua mente, quase como se ela tivesse que se forçar a acreditar que tudo aquilo estava realmente acontecendo.

“Eu faço. Não importa o que seja, eu faço”, ela dissera. E sabia que não seria nada simples. Os poucos anos que já passava na indústria foram suficientes para ensiná-la que tudo tinha um preço, e que nesse jogo as etiquetas mais caras eram as imagens, as aparências, as figuras públicas. Ela sabia que algum dia chegaria o momento de apostar a sua, mas não esperava que não estaria sozinha na jogada.

O plano arquitetado pela equipe de publicidade da SM era, de fato, brilhante, e Joy o teria assim considerado, não fosse o fato de estar odiando tudo aquilo profundamente. Mas ela parava para respirar quando se sentia perto de explodir, fazia as mãos pararem de tremer, e se lembrava das meninas, imaginava todas elas juntas, suas unnies e sua dongsaeng, e conseguia se acalmar. “Isso é por elas, Sooyoung.”

Apoiou-se no corrimão da ponte pelo que parecia ser a milésima vez. Agora o horizonte já havia escurecido quase completamente, e a luz natural do sol dava lugar para as lâmpadas fracas do parque. Era quase hora. Relembrou o plano uma última vez: um encontro secreto, como o manager dissera.

“Um casal com uma reputação impecável e enorme aceitação do público. Vocês vão se encontrar brevemente e em segredo, nós comunicaremos à fonte do artigo a hora e o local, como se estivéssemos entregando vocês dois. Fizemos um trato que será como uma troca de notícias. Eles liberam o namoro e nos devolvem o artigo da Irene. É uma estratégia perfeita.”

Quase perfeita, Joy pensou. Aquele não seria um show que ela poderia fazer sozinha.

“Nós já contatamos o empresário dele, por via das dúvidas. A CUBE Entertainment está completamente de acordo. Eles estão dispostos a cooperar, Joy.”

Essa era a parte que a menina ainda não conseguia compreender. Que motivo levaria ele a concordar com tudo aquilo? Joy não se sentia mais no direito de dizer que o conhecia – fazia anos que não se falavam, e ela também não tinha certeza se algum dia chegou a, de fato, conhecê-lo –, mas esperava que ele fosse a última pessoa no mundo disposta a participar de uma farsa como aquela. Uma voz que ela tentava conter dentro de si com todas as forças queria acreditar que a razão podia ser algo além, podia ser…

“É um acordo favorável para os dois lados, Joy. Esse é o tipo de publicidade que qualquer empresa pensaria duas vezes antes de rejeitar.”

Eles estão certos, ela analisava, cutucando o chão com a sola da bota, e não é como se os dois nunca tivessem feito aquilo antes. Eles participaram do We Got Married, afinal de contas. Eles encenaram um romance com a Coreia inteira como espectadora. O que fizeram naquela época foi uma farsa também. Uma farsa como todas as outras.

Estava cansada, suspirou. Exausta, de repente, e queria ir embora, queria parar de pensar naquilo. Virou-se no impulso de fugir dali, mas paralisou no mesmo instante.

— Sooyoung.

Era ele na sua frente, olhando em seus olhos, chamando por seu nome, e de repente ela não conseguia mais respirar.

— É… obrigada por fazer isso. Eu sei que faz um tempo que…

— Sooyoung – ele a interrompeu –, o que está fazendo aqui? Meu… meu manager marcou de se encontrar aqui comigo… O que está acontecendo?

Não.

Joy olhou, buscou na escuridão dos olhos dele, enxergou a persistente confusão nos olhos dele.

Não.

Sungjae não estava ali por ela, não estava ali pela publicidade, nem ao menos sabia por que estava ali. Mas Joy sabia, e uma figura que espreitava os dois através das árvores do parque também sabia, e quando a menina viu o homem mascarado escapando numa moto com fotos dos dois, era tarde demais para fazer qualquer coisa.

O jogo começou, as apostas foram feitas. Joy segurava as cartas na mão, mas eram cartas de outra pessoa, de alguém que nunca esteve disposto a jogar.

E ela estava perdendo.