One night only

Capítulo Único


Não conseguia acreditar que Yukino tinha me obrigado a terminar a papelada do clube. Havia ficado preso naquela sala maldita até as sete da noite, e quando finalmente pensei estar livre, ouvi uma voz feminina.

– Hikigaya.

Revirei os olhos. O que aquela professora maluca queria agora? Me virei e ela continuou:

– Preciso que você me faça um favor. Prometi a uma amiga que está viajando que cuidaria da casa dela por essa noite, mas tenho... outros compromissos. Faça isso por mim, te dou cinco pontos extras.

Suspirei. Mulher abusada. Mas eram cinco pontos afinal. Acabei concordando e ela me entregou as chaves da casa, me alertando sobre o que faria comigo se quebrasse um único vaso e me deu instruções para chegar até lá.

Estava atravessando a rua da escola, xingando até a última geração daquela mulher maldita, quando esbarrei em alguém.

– Ai... me desc... Hachiman!

Ergui os olhos e me deparei com o rosto rosado de Totsuka sorrindo pra mim, com uma mão na cabeça. Como alguém consegue ser tão adorável?

– O que está fazendo aqui tão tarde? - continuou.

– Coisas pro clube. - resmunguei.

– Ah, claro... Yukino-san pega pesado as vezes né? - disse ele, dando uma risadinha e chegando mais perto.

– Ahn, sim. Com licença, eu tenho que ir antes que aquela mulher maldita me alcance e faça outro pedido abusado... - disse, passando por ele e seguindo meu caminho. Mas Totsuka veio andando ao meu lado. Perto demais.

– Como assim, Hachiman?

Perguntou ele, piscando pra mim.

– Aquela corrupta está me subornando para eu cuidar da casa de uma amiga dela hoje à noite. - respondi, me imaginando em uma cena agradável onde jogava dardos na cara de pau da morena maldita.

– Nossa. E você avisou seus pais?

– Estou indo para casa fazer justamente isso.

Totsuka ficou calado. Ele parecia inquieto, mexendo com a ponta do casaco verde do clube de tennis que vestia. Ele notou que eu estava olhando para o uniforme dele e explicou:

– Estava treinando na quadra. Mas, mudando de assunto, Hachiman... - murmurou, coçando a nuca e mordendo o lábio. Ignorei uma avalanche de pensamentos inadequados sobre aquela cena amável. - Posso ir com você?

Parei de andar. Passar a noite sozinho, num quarto com Totsuka? Quero isso pro resto da minha vida. Quase o disse, mas engoli essas palavras e mudei a resposta:

– Por que quer fazer isso? - indaguei.

Ele pareceu congelar com a minha pergunta. Murmurou algumas palavras desconexas, olhando para o chão e esfregando as mãos nervosamente. Por que seu rosto tinha que ficar tão bonitinho quando corado? Ele parecia tão nervoso que resolvi deixar a curiosidade pra lá e aceitar sua proposta.

– Bom, não importa. Se você quer, não posso te impedir.

Totsuka se iluminou com essas palavras. Ficou sorrindo como um anjo pelo resto do caminho.

Enquanto explicava a situação estranha para minha mãe, que me encarava confusa e curiosa, Totsuka ligava para casa, dizendo aos pais que dormiria na casa de um amigo.

Amigos... é, talvez seja essa a nossa relação.

No fim, estávamos os dois de saída quando minha mãe gritou:

– Esteja de volta às oito. E vá de bicicleta, Hachi!

Droga, mãe. Muito obrigada por essa. E lá estava eu, segurando o guidom com força, tentando pensar em qualquer coisa que não fosse o Totsuka sorridente que abraçava minha barriga sentado na garupa.

Não demorou muito e estávamos parados em frente à uma pequena e tradicional construção japonesa. Peguei as chaves e, depois de deixar a bicicleta encostada numa árvore, entramos na casa. Totsuka acionou o interruptor de luz e adentrou o cômodo mais próximo, se perguntando onde seria o banheiro. Sentei num sofá e esperei, escutando uma canção antiga que Totsuka cantarolava baixinho. Esperei uns sete minutos. Por que demorava tanto? Andei até a porta fechada e bati. Não houve resposta. Resolvi abrir.

– Totsuka, tá tudo be...

– H-Ha-Hachiman!

Pigarreou ele, com o rosto em brasa, se enrolando de qualquer jeito na cortina do chuveiro. Totsuka estava tomando banho... oh, céus. Senti o rosto ficar quente. Droga, ele é um garoto, afaste esses pensamentos! Gaguejei um pedido de desculpas e bati a porta nervoso.

Alguns minutos depois, estava sentado num saco de dormir, batendo com as costas na parede, tentando esquecer a visão da cara vermelha de Totsuka escondendo o corpo no plástico florido... e então as luzes se apagaram sozinhas. Breu total. Escutei um arquejo de surpresa vindo do corredor.

– Hachiman? - chamou ele, a voz trêmula. - Hachiman, ta aí? Acho que a energia caiu.

Cambaleei pela casa, a procura do banheiro, quando minhas mãos tocaram a madeira fria da porta. Aproximei o rosto, abrindo a boca para responder Totsuka, quando senti uma respiração quente na minha bochecha. Um arrepio elétrico subiu minha espinha: nem tinha visto Totsuka parado bem ali, à minha frente. Tinha uma mão apoiada de cada lado de sua cabeça, e ele se encontrava a poucos milímetros de mim.

– H-Hachiman.

Sussurou. Tentei acalmar minha frequência cardíaca e me afastar dele, mas meu corpo estava paralisado. Minha visão foi se acostumando com o escuro e eu pude ver os contornos de um Totsuka trêmulo, com as mãos segurando minha camisa. Eu seria capaz de explodir, se não fosse a vontade de ficar ali pra sempre. O sangue de Totsuka parecia ter ido todo para o rosto, mas não sei dizer se minha situação estava muito diferente. Estava a ponto de tocar o rosto dele, mas acabei levando um choque de realidade quando uma gota d'água escorreu do cabelo de Totsuka e molhou minha mão. Baixei o olhar e vi que ele vestira seu uniforme por cima do corpo ainda molhado. Provavelmente fez isso no susto do black out, para não ter que sair por aí pelado. Seu lábio inferior tremia e estava levemente azulado. Hum... sexy.

"Controle-se, Hikigaya", pensei.

Com um suspiro, me afastei dele, que soltou minha camisa aos poucos. Me desfiz do casaco que eu vestia e o coloquei ao redor dos ombros de Totsuka, que pareceu se assustar com o gesto, mas logo segurou a peça de roupa contra o corpo e agradeceu meio sem jeito.

– Ahn... a gente devia ir pra cama. - eu disse, constrangido.

Totsuka me olhava com aqueles olhos azuis, quase saltando para fora das órbitas, me encarando em choque.

E então eu percebi a ambiguidade do que eu tinha dito. Ruborizei.

– Eu não quis dizer nada de estranho, sabe, só estava dizendo que deveríamos dormir, não foi minha intenção dizer n-nada esquisito... desculpe. - disparei, gaguejando como um retardado. Ele piscou algumas vezes e respondeu:

– Ah... claro... er... Hachiman, eu não tenho saco de dormir.

– Deve ter algum nesses armários, só temos que procurar.

Não tinha. Passamos pelo menos umas duas horas procurando, usando a luz de velas que Totsuka encontrou numa prateleira, mas não deu resultado. Achamos apenas alguns cobertores velhos e uma toalha para secar Totsuka. Estava olhando um último armário, cheio de esperanças - a última coisa que eu queria era dormir espremido ao lado daquele garoto tentadoramente adorável. O que eu tinha na cabeça quando pedi só um saco de dormir pra minha mãe? Deus sabe o que eu faria se estivéssemos deitados tão próximos... fui tirado desse pensamento no momento seguinte, quando a porta do armário se abriu e toneladas de objetos caíram, derrubando-me.

– Hachiman! - a voz desesperada de Totsuka veio até mim. - O que... ah, Hachiman, você está sangrando!

Suspirou ele, com a mão na testa, fazendo uma expressão adoravelmente preocupada. Quis eternizar aquela expressão. E depois quis me socar por tal pensamento.

Ele tocou gentilmente um ponto acima da minha sobrancelha, fazendo um choque elétrico percorrer meu corpo, de dor e prazer ao mesmo tempo. Algum objeto maldito abrira um corte na minha cabeça. Fiz uma careta e ele recuou rapidamente, pedindo desculpas.

– Um beijinho sara. - eu disse, antes que pudesse segurar minha língua. Se eu pudesse, atiraria em mim. Traído pela própria boca. Totsuka pareceu atônito por um momento, provavelmente pensando em como me rejeitaria gentilmente, mas quando me dei conta seu rosto se aproximava do meu vagarosamente. Meu sangue subiu à cabeça e eu podia ouvir meus batimentos cardíacos acelerados. Quando os lábios de Totsuka tocaram a minha bochecha, eu perdi a noção de tudo. Por alguns segundos, eu estive no paraíso. Eu devia ter feito uma cara de pateta, porque Totsuka riu.

– Eu acho que tenho um band-aid em algum desses bolsos... - disse ele, entre um sorriso. Queria aquele sorriso numa moldura.

Totsuka fez curativos em mim, e depois nos deitamos.

Aquele saco de dormir era muito menor do que eu me lembrava. Estávamos virados de frente um para o outro (o que estava quase me matando) e Totsuka pegou no sono em poucos segundos. Meus olhos começavam a se fechar quando escutei-o murmurar, adormecido:

– Hachi... man...

Com certeza qualquer chance que eu tinha de dormir evaporou. A boca dele estava entreaberta, os cabelos claros caíam no rosto e ele estava simplesmente tão perto... perto demais. Uma corrente elétrica percorreu minha espinha. Soltei um longo suspiro, mas logo desejei que não o tivesse feito. Meu suspiro foi como uma rajada de vento no rosto de Totsuka, soprando seu cabelo para trás e fazendo-o cerrar os olhos.

– Frio... Hachiman...

Murmurou. Seus dedos se fecharam no pano da minha blusa e ele se aproximou mais, no que suas pernas encontraram as minhas. Perdi completamente a cabeça. Nem sabia que um coração humano podia bater tão forte. O nariz dele quase roçava no meu, e tentei empurrar a cabeça dele levemente com os dedos. Grave erro. O sono de Totsuka era leve e ele abriu as pálpebras devagar, encontrando meus olhos. Mas não se moveu. Ficamos assim por algum tempo, e sinceramente, era como se eu fosse ser engolido por pura felicidade. Eu queria ficar ali até o dia da minha morte, exatamente daquele jeito... mas Totsuka não deixou. Virando um pouco a cabeça, encaixou seu nariz na minha bochecha e sua boca resvalou na minha, e eu prendi a respiração. E então ele beijou meu lábio de cima.

Foi o toque mais sutil que já sentira, mas aquilo provocou uma espécie de explosão de borboletas e outras coisas gays dentro de mim. Eu estava perdido. Havia caído na armadilha de Totsuka, estava completamente submisso a ele. Meu lado racional queria sair correndo dali e me internar num hospício, mas esse lado nem parecia existir mais quando Totsuka fez aquilo. Eu não pude me mover muito, tão atônito e maravilhado estava, só fiz um leve cafuné no cabelo dele. Ele deu um sorriso fechado, mas não moveu um músculo. Esperei que ele me desse outro beijo, mas não o fez, e sussurrou:

– Hachiman.

– Hmm?

– Eu não estava treinando tennis.

Eu não disse nada. Mexi meus dedos em seu cabelo. Ele continuou:

– Eu estava esperando você, Hachiman.

Me derreti. A voz sonolenta de Totsuka dizendo aquelas coisas só me dava mais vontade de passar o resto dos meus dias com aquela criatura perfeita. A minha vida toda estive acostumado a ser ignorado, rejeitado por todas as garotas para quem me declarei e tratado como alguém invisível. Sempre achei que era melhor assim, porque as pessoas são podres e, quanto mais distância delas, melhor. Mas Totsuka, aquele anjo bem diante de mim dizendo palavras afetuosas que eu nunca esperei ouvir, era uma perfeita prova de que eu estava errado. Nunca fui de sorrir, mas acabei fazendo-o. Estiquei os lábios, beijando-o e ignorando os pensamentos que me diziam que aquilo era errado.

– Você não pode ser real, Totsuka. - sussurrei, fechando os olhos. - Boa noite.

Totsuka me surpreendeu, envolvendo minha cintura com os bracinhos magros e aninhando a cabeça em meu peito.

– Boa noite, Hachiman. - sussurrou de volta.

Só pensei em uma coisa antes de cair no sono: precisava agradecer àquela professora tapada.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.