One and Only

One; Sweet Memories


One & Only



One; Sweet Memories


A nós, gente, só foi dada essa maldita capacidade de transformar o amor em nada. Paulo Leminski.

O céu havia sido acobertado por um manto sombrio, e estávamos, ela e eu, atrás de alguns arvoredos à frente da porta da sala de visitas:

Esconda-se!

E ela puxou-me rapidamente, antes mesmo que eu pudesse ver àquele que estávamos tentando espionar.

Tsc. Tsc. Não seja tão ansioso, Frank. Antes que você olhe, preciso contar-lhe um segredo. foi o que ela dissera, enquanto fazia alguma questão de afagar-me os cabelos, assim como a minha mãe fazia. Mas não era igual. Lindsey era bonita sob a luminosidade noturna, tinha o cabelo negro, pele branquinha, olhos de raposa. Ela fazia-me carinho porque queria alguma coisa. Já a minha mãe, cabelo loiro, olhos safira, e só fazia-me carinho porque me amava demais. Prometa que não vai contar a ninguém.

Eu juro.

Deixe-me ver os seus dedos.

Mostrei-os.

Você deve jurar que não contará a ninguém colocando a sua mãozinha assim, veja. ela demonstrou-me o que queria, depositando a sua própria mão sobre os seus quase, inexistentes, seios.

Mas eu não tenho isso daí! retorci o meu rosto, enojado.

Não? Você não tem um coração? ela olhou-me desconfiada, com uma de suas finas sobrancelhas erguidas.

Coração, eu tenho.

Então coloque a sua mão bem aí, de modo que consiga senti-lo, e jure pela vida de sua mãe que não contará a ninguém.

Eu não queria jurar pela vida da minha mãe, mas eu tinha bastante medo do que Lindsey faria comigo acaso eu não a obedecesse. Certa vez eu joguei sua boneca favorita na churrasqueira enquanto havia fogo, queimando-a feito carvão. E como castigo, ela enfiou minha cabeça na privada, depois que forçosamente tive de prometer que nunca mais faria nada do gênero.

Coloquei minha mão sobre o peito, e fiz sinal de cruz.

Ótimo. Você é um menino bonzinho. ela sorriu vitoriosa, e segurou-me com bastante força através do colarinho da camisa azul claro que eu vestia, aproximando nossos rostos. E como além de ser alguns anos mais velha, ela ainda era bem mais alta do que eu, tive de ficar na ponta dos meus pés para que pudesse acompanhá-la em seu raciocínio, e olhar diretamente em seus olhos Sabe, eu gosto dele, de verdade.

Ela arregalou àqueles olhos pequenos e ansiosos, e eu apenas franzi o cenho, desentendido.

Gerard. ela reforçou.

Não sei exatamente o porquê de tê-lo feito, mas cruzei os meus braços e fiz bico, emburrado.

O que foi?

Eu achava que você iria contar-me alguma coisa legal!

Legal? E Gerard não é o máximo?

Dei de ombros.

Ora, Frank, dê só uma olhada. É impossível não gostar dele...

E ela puxou-me junto a si, pendendo nossos corpos à direita, para que assim pudéssemos observar a porta entreaberta. E Gerard estava lá, no centro de sua sala improvisada, de frente à televisão, jogando o seu videogame.

Confesso que não o achei especial, a princípio.

Ele até que se empenhou numa tentativa de ensinar-me jogar algum jogo de tiro, o seu favorito, no caso, utilizando um controle que mais parecia uma pistola, que outra coisa. Mas eu não havia conseguido aprender de jeito nenhum, por mais que ele tivesse a maior boa vontade e paciência comigo. Então, vencido pela minha própria ignorância de criança, dei-lhe às minhas costas, e deixei-o sozinho. E era exatamente por isso que eu estava ali, com a Lyn-z, naquele momento furtivo. Ela havia aproveitado a minha aborrecida ida até a cozinha, para sequestrar-me e obrigar-me a jurar pela morte de minha mãe, que não iria contar a ninguém que ela estava amando-o.

Ela amava Gerard.

E, então? ela ousou perguntar, trazendo-me de volta daquelas minhas lembranças recentes.

Então o quê?

Como assim o quê, pirralho? Diga, o que acha dele.

Eu não disse nada. Apenas fechei ainda mais, àquela minha cara amarrada.

Não me importava com o quão a Lindsey seria estúpida comigo, soprando o ar, soltando-me com certa hostilidade e fazendo-me cair com o bumbum no chão; Ela tinha toda razão, eu era só um fedelho de oito anos, que não entendia absolutamente nada sobre o amor. Ou assim pensava, até aquele momento. Porque quando Lyn-z saiu de cena, batendo suas botinhas rudemente, e deixando-me sozinho com os meus olhos molhados, ainda assim eu pude ver, através das lágrimas, mesmo que por um único instante, do que ela estava falando.

É, Gerard era diferente.

Ele era todo especial.

Embora Lindsey e Gerard tivessem a mesma idade, doze anos, tinham ideais bastante distintos.

Lindsey era do tipo de pessoa que usava outra, seja lá quando precisasse de alguém para distraí-la do tédio naqueles encontros familiares, ou então para fazê-la o seu confidente pessoal. Mas Gerard, não. Ele não era assim, tão ligado às conveniências, tão egoísta. Ele era do tipo de pessoa que deseja fazer amigos de verdade, jogar videogame. Ele não se importava com diferença de idade, ou por seu novo amigo ser um bebê-chorão-filhinho-da-mamãe, como Lyn-z costumava chamar-me.

Gerard era realmente um cara bacana com quem eu poderia aprender um montão de coisas legais.

Mas o grande problema é que, juntamente com aquela súbita afeição, também viera à complexidade.

Eu era mesmo um bebê-chorão. Ou melhor dizendo; Eu era O bebê-chorão. Uma criança muito aporrinhadora que nem mesmo a Lindsey, a maior chata que existe na face da Terra, aturava o dia inteiro. Quem dirá Gerard, àquele cara legal, que jogava videogame fodasticamente bem, e ainda tinha bastante paciência de ensinar os outros.

Game-over para mim.