One Already Dead

Oneshot: One Already Dead


Oh my friend, my friend, don't ask me
What your sacrifice was for
Empty chairs at empty tables
Where my (loved one) will sing no more

Ontem, sentei-me no banco do costume e bebi. Não havia ninguém na nossa base. Todos morreram, não é verdade? Mesmo tu… O nosso líder, o meu amor…

Tinha de haver um buraco no fim das garrafas; era impossível ter emborcado umas seis assim tão rápido. Os meus cabelos negros estavam despenteados, os meus olhos azuis, inchados, as lágrimas escorriam como correntes imparáveis. A dor no meu coração era a dos espinhos de uma rosa; espinhos que outrora te protegeram e agora me matavam.

Peguei o meu bloco e um pedaço de carvão. Delineei traços aleatórios, até uma face se fazer notar. Encaracolei os teus cabelos de ouro, marquei as maçãs do teu rosto, entortei ligeiramente o teu nariz, adociquei os lábios que sempre ansiei por beijar. Sempre amei a suavidade da tua expressão quando sorrias, o ângulo do teu sorriso, a curva adorável da tua boca e as covinhas que a acompanhavam. Sempre amei a maneira como falavas, tão certo de que íamos sair vitoriosos de um golpe de estado. Dizias as palavras certas, persuadias qualquer um, tinhas um dom, o encantador feitiço que era a tua voz.

Parei de desenhar quando estraguei o esboço com as minhas lágrimas.

Merde, Enjolras… Tenho saudades tuas.

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Hoje faz um mês desde a tua morte. Um mês desde que Deus te roubou de mim, e me deixou para trás. Para quê? Nem há palavras para tal injustiça…

Desenhos e pinturas da minha autoria decoram as paredes, brancas por baixo, do meu quarto. Todos eles têm o mesmo tema, a mesma personagem, o mesmo sonho. Os mesmos cabelos ondulados, o mesmo sorriso de canto, o mesmo corpo e o mesmo sentimento.

Arranquei um deles e olhei-o. O meu preferido da vasta colecção. Era um que fiz há uns anos, uns dias depois de formarmos o nosso grupo revolucionário. Encontrei-te a dormir em cima da mesa, devias ter sucumbido ao sono de tanto olhar o mapa de Paris que tinhas em frente. Devia ter-te acordado ou transportado para a cama. Mas essa tua expressão angelical, descontraída, pacífica que mostrava era demasiado perfeita para eu não olhar para ela mais um tempo. Usavas sempre uma expressão dura como um diamante, parecias sempre inalcançável. Mas observei-te enquanto dormias, e não vi nada mais do que um adolescente que foi obrigado a crescer mais rápido do que estava previsto, vi que estavas tão perdido como todos nós. Como eu. Senti-me um perverso doentio, na verdade. Mas era uma visão de que eu nunca me iria cansar, mesmo se pudesse olhar para ti dessa maneira todos os dias. Como isso não seria possível, desenhei-te. Fiquei com uma cópia original do momento em que me apaixonei por ti.

O revólver que seguro em mãos e aponto para a minha boca seca sabe a ferro, ao raspar na minha língua. Faço uma cara estranha ao provar aquele metal, mas o que interessa isso? Estou pronto.

Fosse eu um sonhador, um lutador, um mártir… Fosse eu a luz das velas no teu cabelo dourado, fosse eu o cabedal que cobria as tuas mãos, fosse eu as palavras que enrolavas na boca, fosse eu o ar dos teus pulmões ou o sangue que escorreu pelas ruas de Saint Michel quando morreste a meu lado… Se eu fosse algo mais do que um covarde gato abandonado num beco, um artista renegado com o fígado afogado em vinho, então talvez eu me tivesse atrevido a pronunciar o meu amor por ti enquanto tive a oportunidade.

Mas vou compensar-te por isso. É isso que vou fazer agora. Como tanto se diz, os Franceses não têm medo de morrer por amor.

Enjolras… Já não tenho saudades tuas… Estarei contigo dentro de poucos momentos, não é?

Sorri. E disparei.

Permets-tu? Je t’aime, Enjolras.*

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.