Olhos de Vidro

Capítulo 2: Amor


OLHOS DE VIDRO – CAPÍTULO FINAL

“AMOR”.

Quando Dahyun finalmente havia decidido o que fazer, tudo o que lhe restava era escolher alguém “interessante” para entrevistar. Todos ali eram dignos de pena, mas, em sua concepção, eles deveriam ter orgulhos de si mesmos, mesmo assim, não havia ninguém que a fizesse dizer algo do tipo: “Nossa, aquela é a pessoa perfeita!”, por isso sentia-se perdida. Passou pelos banheiros e ouvira algo como um cochicho, sendo que, na verdade, era alguém chorando. Típico de banheiros femininos, não? À menos que não fosse um choro de mulher.

A menina entrou no banheiro e acendeu as luzes que antes estavam apagadas.

— Por que acendeu a droga da luz? — Jimin perguntou após ouvir o barulho do interruptor — O que uma menina faz no banheiro masculino?

— O que um homem faz no banheiro feminino, e como sabe que sou uma menina?

— Ah, droga, eu errei de novo? Perdoe-me, eu sou cego.

— Mas na plaquinha na porta tem aqueles “pontinhos de cego”, você não sentiu?

O rapaz riu.

— É a primeira pessoa que vejo falar do jeito certo, “sentiu”, porque às vezes as pessoas esquecem e perguntam: “você viu?”, a maioria fala sem maldade. — Jimin explicou — E eu sei que você é uma menina porque seus passos são leves e saltitantes, além de que, esse perfume, “Carolina Herrera”, minha irmã também usa.

— Ah, sim. Mas, então, você estava chorando, certo?

— Não, menina, eu estava suando pelos olhos.

— Que oppa grosseiro você é! — Dahyun cruza os braços.

— Desculpe, é costume, eu costumo ser irônico a maioria das vezes.

A menina piscou, sem nada entender. Mas por quê afinal ele estava sentado no chão do banheiro, no escuro e sozinho, abraçando suas próprias pernas?

— Desculpe-me por perguntar... Como você sabe que acendi a luz? — Dahyun arqueia a sobrancelha — Digo, cegos não enxergam tudo escuro?

— Então é assim que as pessoas acham que os cegos são? Bem, eu vejo uma luz forte batendo em meus olhos, é por isso, embora a maioria das vezes fique tudo negro. Bem, ao menos é no meu caso, pois eu tenho onze por cento da visão.

— Mas adianta alguma coisa?

— Não, nada.

Jimin riu bastante. Era a primeira vez que uma pessoa conversava consigo tão abertamente sobre sua cegueira e não faz piadas de mal gosto, pois ele sabia que era apenas uma inocente criança. Mesmo os ignorantes forçam-se a ser educados e tentam não dizer algo que seja sinônimo para olhos, têm pena; outros preferem se afastar e evitar contato com ele. Bendita seja Dahyun, a menina que tratou Park Jimin como humano.

— Deve ser legal ser cego...

Que surpresa!

— Por que alguém acharia isso? — Jimin estava incrédulo.

— Às vezes eu queria ser cega, sabe? Se for pra ver tanto ódio no mundo, ver meus pais brigando, olhar meu reflexo no espelho e ver uma menina triste, eu preferia mil vezes não poder enxergar nada.

Ela só queria ser poupada da dor, nada mais.

— Se for pra se sentir perdido, tornar-se um inútil, ser digno de pena, alvo de preconceito e achar que é um incômodo, eu escolheria ser como eu era antes, uma pessoa normal.

— Sabe, cegos não precisam ter coração, isso deve ser legal. Se for para ver o sofrimento e ter que conviver com pesadelos todos os dias, eu não quero ser normal!

Um silêncio aprofundou-se por alguns segundos.

— Qual o seu nome, menina? — Jimin pergunta.

— Eu sou Dahyun. — abriu um largo sorriso. — Como se chama, oppa?

— Que bonito o seu nome! Eu sou o Jimin.

— Soa bem, eu gostei.

Pela primeira vez Jimin sentia-se animado em uma conversa.

— Sabe, Dahyun, eu também tenho pesadelos, mas eu nem mesmo pude enxerga-los, apenas senti-los, garanto que é muito pior, porque de qualquer forma você não tem uma saída ou sequer uma noção do que está acontecendo. Eu nem mesmo pude ver o rosto da minha irmã quando ela cresceu, nem mesmo pude ver o rosto da minha mãe pela última vez antes dela morrer naquela maldita cama de hospital. Eu só pude sentir suas mãos geladas apertando as minhas e ouvir seu último suspiro, foi horrível.

— Eu vi minha mãe levar uma facada uma vez. Se eu pudesse viajar no tempo, nunca me deixaria ter visto seus olhos tristes. Também nunca a vi sorrir, porque sempre que ela sorri para mim, é mentira, ela não está feliz, faz isso apenas para não me preocupar, embora eu saiba de toda a verdade.

Como uma simples criança conseguia descrever tão perfeitamente aquelas sensações? Talvez ela fosse ainda mais infeliz que Jimin pelo simples fato de enxergar. Não importa o quanto ele desejasse sua visão de volta, pensar por aquele lado fazia pesar sua consciência.

— Eu tenho uma pergunta para a entrevista da escola, se importaria? — a menininha perguntou, tocando-o nos ombros.

— Pois não.

— Como os cegos enxergam o mundo?

— É uma pergunta fácil... Primeiro, feche seus olhos e se concentre. — após essa resposta, Dahyun fez exatamente como o Park havia pedido — O que você vê?

— Tudo está branco. Branco, não... Só está claro, mas é uma luz bem forte, dá agonia.

— Sem abrir os olhos, vá até o interruptor e apague a luz.

— E se eu bater em algum lugar, Jimin?

— Confie em mim.

Dahyun suspirou, e, sem questionar, obedeceu, caminhando lentamente até o interruptor. O rapaz pergunta:

— O que você vê?

— Agora não vejo nada, só escuridão. O que faço agora, Jimin?

— Venha até mim, Dahyun.

A menina caminhou para frente, onde tinha certeza que Jimin estava, mas ele já não estava no mesmo lugar.

— Onde está você? — a criança pergunta, desesperada.

— Estou aqui. Siga a minha voz.

Devagar ela caminhava, com seus braços abertos e dedilhando cada pequena parte do banheiro, ela era paciente e seu medo sumia pouco a pouco. Tocava desde as pias úmidas às bordas de madeira, a mesma podia sentir a textura das coisas com mais atenção, sentir as suas formas, perceber cheiros, era naquilo que se concentrava. Jimin não ficou falando o tempo todo para que Dahyun o seguisse, ele simplesmente ficou parado em algum lugar. O banheiro não era tão pequeno assim, porém, Dahyun memorizou as ondas sonoras da voz dele.

A garota não se lembrava bem onde ficava cada coisa no banheiro, não ficou presa a tantos detalhes, mas foi formulando coisas em sua mente que ela conseguiu caminhar normalmente, sem se esbarrar em nada, até sentir a pele cálida de Jimin e as mãos dele darem uma leve sacudida no topo da sua cabeça, como carinho.

— Boa menina. — o mesmo sussurra.

Ela abriu os olhos.

— Obrigada por isso, foi legal. — estava animada — Você é um oppa bonito, já teve uma namorada?

Não dava para ver, todavia, Jimin corou, era uma pergunta engraçada.

— Não, nem pretendo ter.

— Ótimo. É só você me esperar e eu chego lá.

Sim, ele achou graça, não passava de uma criança.

— Acabamos de nos conhecer... — Jimin brincou — Como pode dizer isso?

— Minha mãe disse que homens de bom coração são raros e que quando eu encontrasse um, não medisse esforços e ficasse com ele. Eu gostei de você, você é legal.

Jimin a tocou no rosto, esfregando os polegares pela bochecha dela e mandíbula.

— Você também parece bonita e tem bochechas fofinhas. Vai encontrar alguém legal um dia.

— Você consegue ver as luzes, mas não é chato não saber como são as coisas?

— Eu já foi capaz de ver as coisas, está tudo em minha memória, eu apenas aprendi a usar melhor a minha imaginação baseado em tudo o que vi.

— O que é isso? — Sara pôs algo na mão dele, para que adivinhasse o que era.

— Tem formatos diferentes. Tem algo com o formato de círculo, fofo e macio, textura lisa, panos finos e algo que parece ser... Dois botões?

— Essa é a Sunny, minha boneca de pano. Sente como é legal o cabelo dela?

— Sim, é de lã.

— Como consegue gravar tudo tão facilmente? Que incrível!

— Sabe, parando pra pensar, há um lado bom em ser cego. Como não podemos enxergar, aprendemos a sentir.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.