Olhos de Botão
Capítulo Único
Curiosamente o gato olhava a menina. Como se o tormento conspícuo fosse apenas mais um espetáculo para assistir, mas ela não podia vê-lo. Desolada, agarrava-se a boneca com o rosto igual ao seu, com fita azul na cabeça, mas ao invés de olhos, dois botões.
Jade nem notou quando a Outra Mãe se aproximava, apenas sentiu seus braços lhe embalarem num abraço caloroso. Tinha o mesmo cheiro e voz da mãe real. Poderia conviver com os botões da nova mãe. Ao menos ali teria uma mãe.
Nos primeiros dias pensou: ela voltará. E quando voltar terei comido todo o brócolis da geladeira. Ela sentirá orgulho. Passaram-se quatro, cinco dias. A mãe de verdade estava tão brava quando saiu e tudo porque Jade havia quebrado o prato de legumes. Ora, criança nenhuma gosta de legumes. A Outra Mãe entenderia.
Agora só tinha a ela.
Ela não vai voltar.
— Sabes o que fazer, meu anjo. – A Outra mãe tomava a sua mão e a guiava para a mesa.
A caixinha guardava pequenos botões pretos.
Não devia doer mais do que já doía.
Levou a agulha à altura dos olhos. O ar estava arrefecido e o silêncio repentino tinha uma morbidez tensa. Era tão menina, a pequena Jade. Tão corajosa. Furou os olhos e o grito ecoou pela casa. Quando chorou, Beldam a segurou no colo.
— Vem. A mamãe termina para você.
E, cantarolando uma canção de ninar, a Outra Mãe lhe costurou os olhos, lentamente, com os dedos de agulha. Jade viu por entre o sangue a expressão envelhecendo. No rosto dela, dois botões sem expressão ou compaixão. Ela não tinha alma.
Estava lançado o anátema. Privada no outro mundo, não tinha mais nenhuma mãe, não tinha mais nada. O gato, como se aplaudir, lambeu a pata. Deixou-a para sempre no Outro Mundo.
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