À medida que Ísis caminhava em meio à tempestade de areia, seus pés afundavam. Fazia três dias e duas noites que ela se encontrava naquela situação e mantinha-se firme, segurando seu tesouro mais precioso; sua filha.

"Falta pouco" pensou ela.

A mulher segurava o bebê fortemente contra si, e tentava enxergar algo em meio a tantos ventos carregados de pó.

Quando por fim suas pernas cansaram-se e cessaram movimentos, ela caiu.

Estava quase pensando em desistir quando de repente, percebeu que a tempestade estava passando e decidiu esperar. Quando tudo pareceu mais calmo, se ergueu novamente e antes que pudesse voltar a caminhar, avistou ao longe um templo.

Sorrindo um pouco, Ísis olhou para a filha para averiguar se esta estava bem. Nada parecia estranho, apenas o fato de que a menina não se incomodara com a tempestade de areia, o bebê havia sequer chorado.

-Você é mesmo uma menininha forte-Disse a mulher acariciando a bochecha direita da filha. - Coragem querida, falta pouco.

Após andar mais uma meia hora e atravessar uma extensa ponte, Ísis adentrou no templo. Um grande buraco no teto permitia a entrada de luz no local que iluminava um altar ao qual Ísis se direcionou.

-Quem tu pensas que és para adentrar em meus domínios?

Uma voz nem masculina, nem feminina pareceu soprar-lhe as palavras.

Quando Ísis virou-se, nada viu. A mulher entraria em pânico se não reconhecesse, de livros, quem lhe falava.

-Me chamo Ísis, e venho aqui com um propósito.

-Pouco me importa quem és, afasta-te antes que eu a mate.

Sombras escuras emergiram do chão e caminhavam em direção a Ísis, que calmamente retirou os lençóis de sua filha e a ergueu em direção ao buraco no teto. A criança, então, abriu os olhos.

Por um momento, as sombras pararam de caminhar e a voz calou-se.

-Trago comigo minha filha, expulsa de nossa vila por nascer com a marca dos imperfeitos, dos errantes.

-Não poso fazer nada por tua filha sem antes me dares algo de valor equivalente. - Respondeu a voz que demonstrava agora um certo interesse na garotinha.

A mulher recuou.

-Nada equivale a vida de minha filha.

-Exceto a tua própria.

Compreendendo o que a voz quis dizer, Ísis trouxe a filha para perto de si novamente, admirando-a.

Ela nunca compreendera o porquê sua filha era considerada uma errante, já que a pobre menininha era apenas um bebê, e aparentemente a única coisa que fez de ruim for ter nascido com olhos de um profundo verde água.

Mas no fundo, Ísis sabia que não eram olhos comuns, eram olhos considerados pelo povo de sua vila como errantes que deveriam ser eliminados, e é por isto que ela havia fugido, para evitar que sua filha fosse sacrificada em nome do bem comum, uma vez que a cada década, uma criança da vila que nascesse com olhos daquela cor, deveria ser morta para manter a paz entre os deuses e os mortais.

-Troco minha vida pela proteção de minha filha.

As sombras desapareceram.

-Não há como voltares atrás uma vez que nosso trato for estabelecido.

Ísis admirou com ternura a criança acariciando-lhe o rosto. A mãe não pôde evitar que uma lágrima escorresse-lhe dos olhos.

Deixando o bebê no altar e caminhando calmamente para o feixe de luz que se encontrava no meio do templo graças ao grande buraco no teto, Ísis lançou um último olhar para sua filha que começou a chorar.

-Seu nome é Dália, não se esqueça.

-Não me esquecerei. -Disse a voz fazendo com que a mulher dissipasse aos poucos. - Protegerei sua cria e farei dela os meus olhos e ouvidos.

Uma sombra surgiu ao lado do altar e tomou a criança nos braços.

-Suma daqui, leve-a para outro lugar, sinto que homens se aproximam de meus domínios.

Obedecendo a voz superior, a sombra desapareceu com a criança no exato momento em que homens adentraram no templo.

Os cinco cavaleiros seguidos de um sacerdote desceram as enormes escadarias até chegar ao saguão do templo.

-Olhe só essas estátuas. -Disse um dos guardas se referindo as 16 enormes estátuas nas paredes.

-São os 16 colossos que protegem estas terras. - Respondeu o sacerdote olhando ao redor. - A mulher não se encontra aqui, talvez tenha morrido no deserto. Menos mal que ela tenha falecido, assim não precisamos correr atrás da menina. Vamos, vamos retornar a vila e dizer que matamos a menina cumprindo a profecia.

Todos os soldados se direcionaram novamente às escadas com certo ar de desânimo, menos o sacerdote, que ficou admirando o altar por algum tempo antes de seguir o mesmo rumo dos soldados.

Quando todos se retiraram do templo, a sombra surgiu novamente no saguão e direcionou sua cabeça para cima, possivelmente olhando a luz que adentrava no templo a partir da rachadura no teto.

-Cuide da criança, protege-a e faça com que conviva com os protetores destas terras. Quero que a menina cresça sabendo quem é e, a qual lugar agora realmente pertence. Esculpa uma máscara para ela, em madeira, para que esta se assemelhe com um colosso.

A sombra curvou-se e desapareceu novamente com a criança em seu colo.

O silêncio tomou conta do templo e tudo voltou ao seu devido lugar, como se nada houvesse acontecido.