Olhares

Sob dias de céu cinzento


Noctis olhava para as bochechas de Prompto durante as aulas. Olhava para os pés dos seus cabelos dançando livres no vento, assim como as cortinas tornavam-se véus dos ares e voltavam quietas a seus postos.

Noctis olhava para cima. Não havia nada além do teto branco da sala. Logo virava para baixo e via os cadarços desamarrados de Prompto. Esportivos, assim como ele ficara para se aproximar da realeza. Desnecessário.

Noctis olhava para o relógio; faltavam quarenta e sete minutos para a aula acabar. Mirava em seu alvo inconsciente outra vez, e quase uma hora desenrolou-se em alguns segundos. Ouviu o barulho calmo do sinal que encerrava as atividades escolares do dia.

E então, Prompto olhava para Noctis.

— Vamos, Noct?

Era difícil ter privacidade sabendo que Ignis poderia estar no apartamento. “Um saco”. Não gostava de levar sermões em seu tempo de descanso. Logo, Prompto colocava-se na perigosa missão de deixar Noctis passar algumas noites em sua casa. Eram muitas perguntas sobre porque ele também morava sozinho ou sobre onde estavam seus pais, mas... Isso não fazia tanta importância. O príncipe ficava preocupado sobre o assunto, achava que algo grave poderia ter acontecido, porém não sabia se faria certo de invadir essa privacidade do outro. Sua arrogância conhecia alguns limites.

— Boa noite, Prompto.

— Sim... Boa noite, Noct.

E os dois adormeciam em qualquer lugar, com os braços e pernas esparramados em, também, qualquer lugar. Quem se importa?

Quem se importa?

Prompto se preocupava com muitas coisas e a solidão prendia sua mente em confins imaginários. Noct percebia isso nos olhares tristes que seu amigo trocava com o céu, com as nuvens cinzas de dias nublados, e nas chuvas que choviam embaixo do telhado molhando apenas os punhos de sua nuvem. Calava-se nas garoas silenciosas e interrompia os dilúvios gritantes com o consolo que podia oferecer.

— Desculpe por chorar de vez em quando, Noct... – repetia, inúmeras vezes, em meio à coriza e soluços agudos.

— Não me importo – sussurrava ao passo em que apertava o abraço, após pausa pequena. Esperava que aquela força adicional fosse matar a dor do amigo, ao menos um pouco. Funcionava. Quando era muito efetivo, ele ria.

— Seu tsundere.

— É o quê, seu metido?

E assim seguiam seus dias numa cidade segura, num reinado tranquilo. Prompto sabia de cor as “quinze coisas que a Alteza odeia” e todas eram pontos de cócegas. Em contrapartida, Noctis tinha uma mira impecável na cesta da ursa menor* do loiro quando atirava bolinhas de papel pelo tubo de uma caneta. Estavam tão grudados um ao outro o tempo todo e eram tão leigos à vida que não davam nome e forma ao que os rodeava, como se fosse algo de uma dimensão acima das suas. Mesmo assim, era... Natural.

Em mais uma noite das fugas da realeza, Gladio liga para Noctis.

— Ei, Noct, fugiu de novo, né? Você sabe que Ignis não gosta disso. Ele realmente fica preocupado quando você não dorme em casa.

— Não é segredo pra nenhum de vocês dois o lugar que eu estou. – Prompto pôde ouvir a voz de Gladio do outro lado da linha antes. Sentou-se no sofá ao lado de Noctis e encostou a cabeça no ombro dele para ouvir a conversa. – Se vocês estão tão preocupados assim, venham me buscar.

— Eu não me meto nisso. É assunto de casal. – Debochou.

Entretanto, Gladio não ouviu palavras de defesa ou de contra-ataque. Só alguns bipes da ligação desligada. Noctis refletiu sobre o assunto por alguns segundos e mexeu os ombros, pedindo para Prompto levantar a cabeça.

— Parecemos um casal?

O loiro achou graça, mas não riu. Ajeitou a toalha molhada ao redor de seu pescoço, pois tinha saído do banho, e respondeu.

— Parecemos...? Acho que... Talvez.

A Alteza segurou-se para não questionar como raios alguém achava que talvez. Só envolveu seus braços ao redor da cintura do outro e encostou sua cabeça perto daqueles cabelos gelados. Foi correspondido imediatamente.

Talvez...

Prompto não teve reflexos para reagir, tampouco fechou os olhos: ao mesmo tempo em que estava confuso, olhava para os cílios longos de Noctis... E para as pontas vermelhas de suas orelhas. O príncipe tinha juntado suas bocas, sem saber ao certo como fazer aquilo, mas tentou. Foi uma tentativa curta, ainda que válida.

— O que você acha da ideia?

Num sorriso estridente que o príncipe percebeu o quanto era amado.

— Não acho que seja ruim, Noct.

Conforme os dois tomaram ciência da situação, o vermelho começou a efervescer em seus rostos...

Acho que seria maravilhoso...

Noctis esperava a aula acabar e subia para o terraço, pois não tinha atividades de clube. Encarava o céu. Sentiu gotas pingando vagarosamente e procurou um lugar onde não iria se molhar.

Mesmo com o céu cinza e mesmo com as trocas de olhares que Prompto fazia com o alto nesses dias, a Alteza sabia que ele não era mais só um meio de exterminar a dor do outro. Ele podia preencher seu coração com momentos bons o suficiente para que a tristeza nem brotasse.

E Argentum já não ficava triste com tanta frequência. Claro, ele sempre teria seus motivos e sua solidão... Mas subia para o terraço sabendo que veria um pedacinho da sua felicidade.

Noctis olhava para Prompto, e Prompto olhava para Noctis. Os dois sorriam, e compreendiam exatamente o que aquilo queria dizer.

— Vamos, Prompto?

— Sim, Noct – e ofereceu espaço debaixo do guarda chuva, mesmo que só fossem alguns metros para dentro da escola. Foi agradecido com um beijo.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.