Não dormi nem uma hora. Acordei com alguém me sacudindo, com tanta violência que meu primeiro pensamento foi “Puta merda, o Nero me achou”. No meio da confusão, consegui puxar a faca e derrubar o atacante. Acordei em cima de alguém, e uma Carmem num robe de seda apareceu com um arco apontado pra nós dois. Quando foquei os olhos, um Lacerda meio estrangulado tentava escapar de debaixo do meu braço.

— Vcs… comigo… pfv?

O homem parecia prestes a ter um acesso. Depois da Carmem se vestir direito, Lacerda abriu pra nós uma porta na parede e voltamos ao escritório cheio de telas. Nem perguntou nada, mas começou a digitar com a velocidade de uma máquina, falando consigo mesmo de um jeito maníaco.

— Cybermaster, vai nos explicar o que está acontecendo aqui?

— Qual é o nome, as medidas e o poder da pessoa q vcs querem q entre aki? Hum, tem mais alguém no sistema… não posso evitar, mas posso acrescentar outra alteração…aki... M’lady, vc vai amar a surpresa q deixei p vc...

Dei um passo pra trás, e quando os olhos se acostumaram à penumbra, vi que o lugar estava uma bagunça. Bem acima da cabeça dele, havia uma tela quebrada. Melhor, rasgada por uma faca. Como um asterisco de oito pontas. Uma outra parecia derretida por um lança-chamas.

— Lacerda, para. Não digo uma palavra até você responder o que ganha com isso. A Maria te achou? É ela que está te pagando?

— Vcs não disseram q trabalhavam praquele homem! Pq n disseram logo que trabalhavam p ele?

— Cyber, você tá drogado, cara?

— Ele esteve aqui.

— Ele quem? Nero?

— Nero teria me esfolado vivo se soubesse que ainda tenho acesso à cidade. Falem depressa, temos pouco tempo!

Carmem me puxou pro lado. — Não tá pensando de novo em trazer a Denise pra cá, está? — Falou no meu ouvido.

— Eu também não quero, mas ela é a melhor nisso, Carmem. Com aquela porra de bomba na história, precisamos de toda a ajuda que pudermos. Sou incompetente pra caralho nesse negócio de manipulação.

E porque ela provavelmente iria contatar meu antigo chefe, e eu matei o irmão mais novo dele. Ainda estava me sentindo um merda por causa daqueles três. Se Luís olhasse na minha cara, ele iria perceber. Aí iriam começar a usar “Xaveco” como sinônimo pra alguém além de fodido.

Ela me soltou, conformada — Essa é uma coisa em que nós dois concordamos.

Comecei a falar da Denise pro Blog, ele mexia em quatro ou cinco telas, de vez em quando arriscando uma olhada no monitor queimado. Pegou uma lanterna de pedra e pôs em cima de um scanner ou algo assim.

— Às 05:40AM estará pronto. Denise poderá passar sem alertar ninguém por 72h. Do q mais vcs precisam?

— Eu não vou com você, entendeu? Nunca!

— Me desculpe. N vou falar c a senhorita d nv dakela forma.

Eu e Carmem nos olhamos chocados.

— Ok, o que aconteceu com você?

— Odin! Odin aconteceu! O q vcs ofereceram p ele ajudá-los desse jeito? Do q mais precisam? N vou cobrar, prometo. Se ele perguntar, só digam q ajudei. Q ele n precisa voltar.

— Ok, onde fica essa bomba? — Enquanto Blog procurava, eu tentava imaginar quem seria Odin, e no que mais ele estaria ajudando pra deixar o Blog de queixo caído daquele jeito.

Bom, já estava na hora de alguma coisa dar certo nessa droga. Mais uma coisa pra fazer depois: descobrir quem é o tal Odin e agradecer a ele se sobrevivermos. Todas as telas rodavam como no filme da Matriz, quando ele me puxou pela calça. Os olhos dele estavam arregalados, ou o cara estava prestes a ter uma overdose de estimulantes, ou quase louco de medo. Repensei a ideia de encontrar o Odin.

— Eu sei o q você carrega.

O medo desceu gelado pela garganta — Mas como-

— Meu trabalho eh saber coisas. E sou bom nisso. Escute: isso eh como um peão. Entendeu? Vc eh um bom enxadrista. Sabe o valor d um peão no fim do jogo.

— Não dá pra ser mais específico?

— Magia eh subjetiva, Xavier. Só tem uma regra imutável: nada vem de graça. Todas as outras… Só precisa conhecer o bastante p quebrá-las bem. Pense nisso como 1 peão. O único peão preto na sétima fileira. Mais alguma coisa? Qualquer coisa?

Tive uma ideia. — Você pode impedir Nero de entrar na cidade?

— Se eu modificar os códigos nesse nível, todo mago vai perceber. Mas eu faço.

— Não, deixa pra lá. E você, Carmem?

— É o suficiente por hoje. Agora nos deixe de novo no meu quarto.

— Sim, claro. Me desculpe mais uma vez.

Olhei mais uma vez pra ele, torcendo as mãos de nervoso, nada parecido com o cara que uma hora atrás nos mandou pro inferno por falta de pagamento. Xinguei meu coração mole, porque naquele segundo tudo que vi foi o Blog, distorcido e com tanto medo quanto o resto de nós. Ele não era assim tão diferente de mim quanto eu gostaria.

Estendi-lhe a mão. — Obrigado, Cyber. Assim que eu encontrar o Odin, digo pra ele o quanto você nos ajudou.

— O-obg! Agradeço mesmo!

Eu ainda pensava na estrela de oito pontas riscada à faca, e no quanto a sorte pode ser esquisita quando o portal fechou.