October

Holy shit! Its a girl.


#1


Aquela camada gélida de gel sobre sua barriga fez a moça de cabelos ruivos estremecer deitada naquela maca. Ela analisava atenta a aquele pequeno monitor ao seu lado, esperando qualquer coisa que lhe fosse visível. Porém, parecia que quanto mais a enfermeira esfregava o aparelho em sua pele, mais a sensação de que nunca ia ver seu bebê aumentava.

Ela enrolava seus dedos esqueléticos uns aos outros, não conseguindo conter sua ansiedade – que naquele momento até mesmo a enfermeira percebera. Mas Brenna não se importava, tinha perdido as contas de quantas vezes olhara para o lado e pensara em seu marido. Queria estar segurando suas mãos naquela hora preciosa, mas os milhares de quilômetros distantes desmanchavam rapidamente a imaginação da mulher.

– Achei seu bebê. – escutou finalmente a voz doce próxima a si. A moça agora esfregava com mais força o aparelho sobre seu ventre dilatado, apontando para um ponto ainda confuso na tela. – Está vendo aqui, mais pra esquerda? Este é seu bebê!

A jovem contou animada, mostrando então aquele feto já um tanto desenvolvido. Brenna não soube ao certo o que estava sentindo. Alegria com certeza era uma das emoções inconfundíveis de todo aquele momento em sua vida, esse que estava tendo pela primeira vez. Mas infelizmente ela não conseguiu desfrutar por muito tempo, sua cabeça só se ocupava em uma coisa: Paul.

– Posso te contar o sexo, mamãe? – escutou mais uma vez a voz melódica lhe interromper de seu transe. Brenna sem sombra de dúvidas rapidamente assentiu, tendo a leve sensação de que seu coração fosse passar por sua garganta a qualquer momento. – É uma menina!

Então, subitamente, aquelas lágrimas delicadas de pura felicidade escorreram pelo rosto impecavelmente maquiado da mulher. Nunca vira aquela satisfação de tamanha imensidade como estava tendo. Seria, sem dúvidas, um dos melhores episódios de sua vida – apesar de estar faltando uma peça especial para o encaixe.

Vendo que suas pernas já estavam firmes e que podia se manter em pé sem que a emoção lhe abalasse, se sentou buscando por um pedaço de papel para limpar sua barriga. Esta o fez especialmente, deslizando o papel sobre ela serenamente, imaginando sua menina ali dentro. Era tudo o que estava desejando, uma companheira do mesmo sexo que o seu.

Ao sair finalmente da clínica, não viu nada mais a fazer ao não ser apanhar rapidamente seu aparelho celular de dentro da bolsa. Discou os números já decorados do marido, esperando impaciente que ele finalmente atendesse.

– Brenna? – escutou sua voz cansada do outro lado.

– Querido, acabei de sair da clínica. Vamos ter uma menina! – exclamou, recebendo um silencio torturante de volta. – Paul?

– Uma menina?! Holy Shit!



Paul do outro lado da linha conseguira acabar imediatamente com todo o cansaço e sono que dominava cada parte de seu corpo. Ouvir primeiramente, há cinco meses, que iria ser pai tinha sido um dos episódios privilegiados a serem guardados dentro de sua memória pelo resto da vida, mas agora com a segunda noticia de que teria uma menina para cuidar, havia sido um tanto apaixonante demais para o rapaz.

Aquele ônibus conseqüentemente havia se tornado menor depois de alguns minutos. Os gritos histéricos de felicidade não eram mais controlados, e seus amigos que tentavam desfrutar de pequenas horas de sono resmungavam aos cantos. Ele não se importava, pela primeira vez na vida não estava ligando para o bem estar daqueles ao seu redor. Ele queria extravasar.

Pensamentos como o mesmo de sua esposa o pegaram de surpresa instantes depois, ele só queria estar com ela naquele momento, encarar sua barriga e dizer oi para sua filha.

– Estamos em Indiana, e depois fecharemos no Kansas.

– Estamos com saudades...

– Mais uma semana no máximo, prometo!

– Tudo bem, querido. Não se preocupe, está tudo sobre controle.

Falou por fim, desligando o celular.

Paul não sabia o que fazia para tentar controlar sua vontade de subir as paredes. Aquele fervor todo tinha o tomado por completo, sem pedir permissão. Porém ele gostava da sensação, era estonteante.

Seria mais em seus conceitos, se ao encarar ao redor, não visse seus amigos dormindo pesadamente em qualquer canto do ônibus. Ele precisava contar para todos eles que iria ser pai de uma menina, e não demorou muito para se levantar e ir até cada um deles, onde passou os cutucando.

– É UMA MENIIIIIIIIIIIIIIIINAAAAA! – gritou divertido passando por todos ali, sem poupar ninguém daquela alegria sobrenatural que tinha tomado conta de seu ser em poucos minutos. Mas não pode negar, no entanto, que estava gostando da sensação de liberdade para acordar seus amigos, por mais que soubesse que ambos estavam terrivelmente cansados – cansados como ele até um momento atrás.

– O que está acontecendo Paul?! Fumou? Está todo mundo cansado! – Joey reclamou mal humorado, tentando arrumar seus fios longos dentro de uma toca. Segundos seguintes ele se levantou ainda cambaleando.

Depois daquela tentativa frustrada, Paul teve seu tão desejado sucesso. Todos se despreguiçavam ali, mal humorados e confusos também. Apesar de tudo estava achando aquilo hilário, só não queria imaginar nos milhares de insultos que receberia depois.

– Eu não sei que merda acontece com você, Paul! – Shawn reclamou num tom alto, fazendo todos concordarem e encararem o homem rindo logo à frente.

– Eu vou ter uma menina! É uma menina! – disse em alto bom som, ainda mais empolgado.

Analisou as feições alheias, ambos trataram de esboçar sorrisos radiante, deixando subitamente de lado a raiva por terem sido acordados.

Paul tinha uma razão, e alguns dali já sabiam como era ter essa sensação.

Depois todos fizeram questão de abraçar o amigo, dando seus parabéns – cada um do seu jeito. Mick com aquele seu tamanho todo, conseguira erguer o rapaz apenas em um movimento, apertando-lhe contra si.

Então seguiram o resto da viagem com mais um motivo para comemorar. Cervejas haviam sido depositadas sobre a pequena mesa que existia ali dentro daquele ônibus. E seguiram demais quilômetros assim, aos ânimos.

°°°

Paul olhava a estrada percorrer pela janela a fora. O caminho de volta para casa já era conhecido e estava se sentindo finalmente aliviado por estar prestes a chegar a Des Moines – aonde chegaria de surpresa para sua esposa.

Depois da notícia de Brenna, os dias haviam passado ligeiramente rápidos para o baixista.

Os shows em Indiana e Kansas haviam sido cheios de surpresa para demais integrantes da banda; A empolgação particular de Paul havia feito com que uma energia distinta se despertasse no homem, o fazendo pular e tocar descontrolado por todas as horas de show que teve. Apesar do fato de ter tocado para seus fãs – o que também o fazia se sentir extremamente extasiado – agora tinha um motivo a mais e todos já sabiam.

Kansas City – 1:29 a.m

Wait and bleed havia acabado de ser tocada, e todos os gritos de ambos os lados eram ecoados pelos ouvidos dos nove. Eles estavam felizes por terem feito um bom trabalho, no final das contas. A turnê tinha dado certo e no Kansas seria feito o ultimo show, o que despertou particularmente em cada um deles aquela amável sensação de capacidade. Eles tinham capacidade para aquilo, apesar de todos os momentos difíceis, todos sabiam – na verdade, descobriam depois de algumas horas tocando.

Não haveria mais razão sem a banda, sem aquela energia contagiante vinda de cada parte do corpo de seus admiradores. E Paul era o principal dono desse sentimento, era ele quem sentia essa energia positiva cada vez que subia aos palcos e via seus maggots se libertarem através de suas músicas. Aquilo era brilhante. Ele fazia bem para os outros, e no final das contas, fazia bem para si próprio também.

E contando com todos os sentimentos se acumulando dentro de si, as visões de seu futuro de agora em diante despertando-lhe outros que nunca tinha sentido até então, ele parou o show no meio, roubando o microfone das mãos de Corey, que apesar de estar com aquela máscara cobrindo sua face, o fez imaginar seu olhar confuso.

– Eu preciso contar pra vocês meus amados vermes! – falou ofegante – Teremos mais um membro na família! Eu vou ser pai de uma menina, caralho! – declarou, sendo ensurdecido por gritos extasiados e agudos em seguida. Uma salma de palmas fora dada, sendo acompanhada por todos da banda também, em incentivo.



– Paul, você fica aqui. – Shawn avisou, despertando o rapaz de seu transe interior. Observou quem ainda estava dentro do ônibus: Sid, Mick, Craig e claro, o mesmo que o acordara. Então despediu de todos, pegando suas coisas e descendo atrapalhadamente do ônibus.

Nunca havia atravessado o jardim de sua casa tão rápido como tinha feito, e também nunca havia sentido aquela necessidade de ver sua esposa na vida. Depois de um tempo, começou a se perguntar quanto tempo àquela situação energética que se encontrava iria durar. Talvez até sua filha nascer, ou um pouco depois disso também, pensava.

– Brenna! – a chamou, adentrando finalmente sua casa. Aquela que ele beijaria as paredes mais tarde. – Amor? Cheguei! – continuou, colocando de lado sua mala e case.

– Paul? – ela perguntou com a voz ainda desconfiada, mas seus passos ao descerem a escada aumentaram ao enxergá-lo ainda parado em pé na sala de estar, somente a esperando se aproximar.

Com um pouco de dificuldade pela barriga já grande, a mulher conseguiu por fim descer os degraus num tempo considerável, e na mesma velocidade correu até os braços do marido – estes que já se encontravam abertos.

– Como você está gorda! – brincou, levando um tapa no braço e um olhar furioso da esposa em seguida. – Estou brincando, meu amor! Você está linda.

Desta vez, ele começara a distribuir beijos por todo o rosto da mulher, matando suas saudades.

A estrada era sim uma coisa inexplicável. A sensação de estar dentro de um ônibus com oito amigos e mais algumas cervejas e instrumentos capazes de fazer um som daqueles, era uma das coisas que ele levaria consigo para dentro do caixão. Mas agora que tinha uma família, agradecia por finalmente ter chegado ao seu lar.