October

Fuck this shit


#14

Passei minha bolsa transversal por cima do uniforme escolar. Aquela droga de uniforme escolar, diga-se de passagem. O coturno desgastado por cima daquela meia três quarto. Eu não me importava se estava estranho, de qualquer forma, mais ridículo que aquela saia de pregas não estaria com certeza.

Desci as escadas correndo, agora eu tinha que ir para escola, ou não poderia ir viajar pelo mundo com aqueles barbados radicais. Eu realmente estava disposta a ir para as aulas todos os dias para que isso possa acontecer, devem ter notado o quão isso soa importante pra mim. Irônia logo pelas seis da manhã, nisso eu puxei o Dedrick maior. “- Está tudo bem cara? – Chris pergunta assim que Paul chega ao estúdio, às sete horas da manhã. – Ah claro, nem tenho que vim agüentar oito filhas da puta logo pela manhã.” E esse é meu pai respondendo com cara de tédio. Agora já sabem que o poço original de ironia e sarcasmo dorme logo ao lado.

Apanhei meu caderno em cima do criado-mudo, não podia passar o dia sem ele por perto. É claro que era mais do que um simples caderno de capa rabiscada, havia mais do que folhas amassadas dentro dele. Anotações inúteis, as úteis. Telefones úteis, e os extremamente inúteis, como por exemplo, do Sid Wilson. E a minha parte favorita de tudo que possa ter ali, as fotos. Pois é, crescer em volta de homens, não da pra evitar, você acaba tendo suas influências, e essa veio de Clown. Também há aquela que vocês já conhecem, do Quake 3, graças aquele nerd desocupado; ou então, fazer piadas e falar palavrões a todo instante. Ah, esse não preciso nem dizer de quem peguei mania, não é mesmo? Aquele loiro de cabelo ruim, mas de olhos azuis. Corey filho da puta Taylor. Eu vou me casar com ele quando crescer, da pra acreditar que eu já disse isso a ele?

E me lembrando de influência eu não poderia me esquecer desses meus fios castanhos e longos quase batendo a cintura. Era fato que, depois que tive meus cabelos cortados ainda aos sete anos, nunca mais cheguei perto de uma tesoura; Acho que fiquei com trauma. Mas outra parte que contribuía para toda essa característica é que, ao passar uma semana dentro de um ônibus com aqueles malucos barbados, numa viagem até Nebraska, aprendi uma coisa, ou pelo menos bati a cabeça e do nada me surgiu esse costume feio vindo de Joey Jordison. “– Para, não se mexa, você está perto do meu cabelo!” ou “ – October não usa o meu shampoo, ele é feito só pra mim.” Ok, isso foi meio afeminado, mas quando se trata daqueles lindos fios do Jordison, simplesmente saia de perto.

Ainda há muitas outras manias que não são exatamente vindas de mim, mas com o tempo perceberão todas. Eu garanto.

Bem, voltando a minha bolsa e pertences, assim que todos estavam comigo desci as escadas aos pulos, seguindo o rastro do aroma de panquecas vindo da cozinha.

- Mãe, porque você faz panquecas quando estou atrasada? Sempre que tenho tempo você me faz torradas.

- Desculpa Tober, mas hoje estou de bom humor.

- Que ótimo, esteja de bom humor até eu voltar da escola, ok?

- Nem vem com esse papo October! Pode ir para escola, e sem detenção de preferência, tudo bem? Lembre-se da tooooour. – cantarolou, chantageando-me.

- Isso é malvadeza de vocês. – falei enfim, beliscando a massa agridoce e saindo em seguida. O ônibus estava próximo, eu podia escutar aquele som de motor velho na rua logo atrás. Não vou entrar em detalhes de minha ida até a escola, ônibus escolares costumam ser mais irritantes do que Corey Taylor bêbado.

Assustei-me com meu celular vibrando.

“– Direto para escola, ou se não... ADEEEEEEUS LONDRES”

Argh. Meu pai e suas maneiras de dizer a sua filha: “Não falte aula.” Ele ainda estava pegando o jeito, afinal, como a maioria diz: ter filhos adolescentes é um saco. Embora eu achar que diante dos olhos dele eu não seja isso, nem de ninguém, na verdade. Aliás, como o senhor Gray sempre me disse, eu sou a menina mais estranha do mundo. Olha só quem fala, não sou eu quem usava uma máscara de porco. Enfim, pra quem é co-fundador de uma banda cujas músicas são piores que os meus caralhos cotidianos, até que eu era uma adolescente obediente. Claro que tirando a parte de quando me dava na teia de roubar seus malboros para ficar em cima do telhado, fumando-os. Não posso negar, experimentei uma vez por curiosidade, e simplesmente adorei esse negócio.

- Olha só, quem é vivo sempre aparece, e na hora certa ainda. – escutei a voz aguda de minha amiga logo atrás, sem deixar escapar seus risos sarcásticos.

- Hey Stacy. Sobreviveu sem mim nessa bodega?

- Acho que sim, tive que fazer dupla com o Jason na aula de química ontem, então acho que sobrevivi.

- Jason? Jason Hudson? O viciado em biologia?

- Esse mesmo, e acredite, ele é mais estranho do que parece. Passou a aula inteira me falando sobre formigas da Amazônia... Quem diabo quer saber dessas merdas?

- Tenha mais cultura, Stacy. – debochei.

- Não é fácil pra mim me acostumar com esses tipos de coisas, não sou eu quem tem um pai com fãs chamados de vermes.

- Não ofenda. Nem sabe o significado de tudo isso...

- Não é patético ser fã da banda do seu próprio pai? October desencana um pouco.

- Iria, se a banda do meu pai fosse tocar todos os finais de semana num boteco, na esquina da sua casa.

- Tudo bem, tudo bem, não está mais aqui quem falou. – disse enfim, erguendo as mãos em forma de rendição. – Falando sério agora... O Frank vai dar uma festa hoje, você vai, não é?

- Mais uma daquelas festas sem noção? Não sei, sabe que meu pai não deixa.

- October! Larga mão de ser lerda... Você acha que minha mãe me deixa ir? Fale a sua que você vai dormir na minha casa, que eu vou falar para minha que vou dormir na sua. Hein, hein?

Fiquei pensando por um instante, mordendo os lábios. Nunca havia mentido para meus pais, e não posso negar que essa idéia me incomodava um tanto, ainda mais quando eu poderia colocar tudo a perder. Tour, mesada, Quake 3 e o pior de tudo, confiança. Não saberia lidar com isso.

- Acho que não é uma boa idéia, Stacy.

- Porque, está com medo? Acha que seu pai nunca fez isso na vida? Qual é October, você precisa de vida social, e que não seja com caras beirando o cinqüentão!

- Hey! Não fala assim deles, ok?

- Você sabe que o Frank é caidinho por você, não sabe? – continuou com a insistência, contando-me o que eu já desconfiava, maliciosamente.

- É claro que sei, e sei ainda mais que é por puro interesse.

- Interesse?

- Não se faça de idiota, Stacy! Você sabe que metade dos meninos só quer ficar comigo por causa do meu pai.

- Mas ele pode ser diferente, veja só... Eu falo com você, e não é por interesse.

- É claro que não, loira burra, você curti Rihanna... E sabe que eu não sou lésbica. – debochei, vendo-a mostrar-me o dedo do meio. – Sem ofensas, claro.

Os meus risos foram interrompidos pelo som alto do sinal, avisando que à hora de entrar para sala de aula já havia chegado. Com Stacy, como sempre, em meu encalço peguei antes meus livros dentro do armário, e adentrei a classe que eu não via já há algum tempo.

- October Gray, você por aqui. – dito e feito, lá estava o tal de Frank, dono das festas mais badaladas da escola, grande merda, filhinho de papai. – Stacy já deve ter te falado, mas falarei de novo. Onze horas na minha casa, não aceito não como resposta hein, Tober!

- Não sei se quero perder meu tempo hoje...

- Tenho certeza que será sua melhor perda de tempo. – disse em tom malicioso, enquanto me analisava.

- Você não precisa fazer isso por causa de um autografo... Eu posso conseguir um pra você, Frank.

Talvez, se eu tivesse uma câmera fotográfica em minhas mãos naquele momento, a foto seria merecida de meu caderno, porque, sinceramente, aquela cara de tacho havia me feito ganhar o dia. Ignorei seus resmungos e me sentei enfim, já sentindo vontade de me enforcar com aquela gravata quando o professor de história adentrara a sala. Não bastava escutar as histórias de boi dormir do meu pai todos os dias, ainda tinha que agüentar um velho com abstinência sexual falar sobre macacos da pré- história.

- Agora uso uma camiseta com 133 MHz nas costas, fique esperta, estourarei seus miolos, menina burra. “

- Filho da puta! – deixei escapar em um tom desagradável assim que li a mensagem, fazendo a classe me olhar. Encarando a cara de deboche de Stacy ao meu lado, lhe dei o dedo do meio, escutando o pigarrear alto do professor barrigudo logo à frente. Dei de ombros, guardando o aparelho celular discretamente dentro de meu bolso, enquanto eu sentia uma bolinha de papel me acertar as costas.

- Mas que diabos? – resmunguei, apanhando a folha amassada enquanto tentava achar o dono. A duas fileiras distantes, Frank piscava para mim, fazendo sinal para que eu lesse o que quer que estivesse escrito ali, com a caligrafia péssima, diga-se de passagem. Argh, garotos.

Não é por autografo que estou te chamando para ir à festa. Ela é realmente legal, e seria ainda mais pra mim se você estivesse lá.

PS: Seja quem for o filho da puta, fale mais baixo dessa vez, detenção como boa vindas não deixará seus pais felizes... E nem aquele corno pedófilo que está olhando para bunda da Jane.

Estiquei meus olhos até a longa mesa a frente, pertencente ao senhor Darwin. Jane estava inclinada a mesa logo ao lado, conversando com uma de suas amigas, sem notar o que meia sala já percebera. Pois é, sente, tome um café, porque este mundo está perdido mesmo.

Bufei, voltando a pensar no que realmente me cobrava. A confusão e insegurança era grande, mas eu não podia deixar de avaliar aquele pedido agora. De um jeito ou de outro, eu não conseguiria escapar das persistências de Stacy e acabaria cedendo para fazer companhia a ela. Foda-se essa merda, só espero não me danar.