Não posso. Não devo. Mas quero, quero como se isso fosse uma necessidade básica do ser humano.

Como se estivesse entre os itens básicos de consumo: água, comida, ar e Jeff. Mas eu ainda tinha uma boa consciência e me desgrudei de seus braços, ofegante.

–Nós temos que parar com isso.

Ele não pareceu muito convencido disso, mas manteve uma distância razoável para ambos. Enquanto parecia que eu tinha acabado de correr uma maratona, Jeff estava como se estivesse corrido uma distância de meros 100 metros.

–Nós podemos ir a algum lugar mais reservado, se você quiser. – As palmas de suas mãos estavam no meu rosto, seu dedão fazendo movimentos circulares. Inconscientemente, fechei os olhos, só sentindo aquela sensação de sua pele na minha e...

–Não. Jeff, não! – Recuei mais alguns passos. – Você não está ajudando, sabia?

Um riso rouco saiu de sua garganta, suas mãos estavam afundadas agora na sua calça jeans.

–Ninguém se incomodaria.

Eu me incomodaria. – Cruzei os braços contra o corpo.

Com um resmungo baixo nós seguimos o caminho de volta a casa em silêncio.

–Hey, que bom que vocês chegaram agora. – Maia estava na porta, como se estivesse pronta para sair de casa, quando nós chegamos.

–Por quê? Aconteceu alguma coisa? – O maxilar de Jeff estava tenso.

–Você sabe, o de sempre. – A morena deu de ombros, mas seu olhar não cruzava com o do irmão. Jeff não deixou esse fato passar despercebido. Rápidos longos passos e ele já estava diante dela, seus braços envolvendo-a de um jeito carinhoso e protetor que...

Bem, que eu não conhecia. Mas que com certeza eu invejava.

–Ok... – Tomei um suspiro longo. Notavelmente eu não era bem vinda nesse momento deles dois. – Onde eu posso encontrar o Sam?

–Lá em cima, último quarto do corredor. – Jeff me respondeu, mas nem sequer olhou pra mim.

A última coisa que ouvi, antes de subir as escadas, foi uma fungada baixa.

***

Eu precisava de algo concreto nesse momento, algo que fizesse total sentido, algo que eu poderia saber as respostas exatas. Foi por isso que fui atrás do Pequeno Newton assim que coloquei meu pijama mais decente. Lê-se decente como: adequado a minha idade.

–Sam? – Leves batidinhas com os nós dos dedos numa porta azul claro, a última do corredor.

–Pode entrar.

Entrei sorrateiramente, Sam estava tão concentrado montando uma cidade de Lego que mal notou, ou não deu muita atenção, a minha chegada triunfante.

Apoiada no para peito da porta, observei em silêncio enquanto ele encaixava as pecinhas coloridas com uma concentração incrível. Ao redor do garoto estava uma perfeita cidadezinha de brinquedos. Sam parecia tão tranquilo sentado com suas perninhas cruzadas que tomei um susto quando sua voz séria, como de costume, me perguntou:

–Algum problema, tia Al?

–Não. – Andei nas pontas dos pés até a cama forrada com um conjunto de edrendons azuis e me sentei, ainda em silêncio. – Tudo bem se eu ficar um pouco aqui?

–Tudo bem.

Analisei com atenção o conjunto de carros, casas, apartamentos altos, até um caminhão de bombeiros.

– Qual é o nome da cidade?

–Não tem um nome. Ela não existe de verdade. – Ele tinha acabado de formar um carro de polícia.

–Nós podemos criar um nome pra ela.

Foi a primeira vez que ele ergueu a cabeça em minha direção.

–Que tal Samsville? – Deslizei suavemente (ok, nem tão suavemente assim) até o chão, próximo de Sam no meio dos legos de brinquedo, com um deles pinicando minha bunda, alias.

–Isso faz sentido? – Franziu suas sobrancelhas, como um garoto mais velho.

–Acho que não muito.

Ele sorriu para mim, havia um bocado do seu pai nele, mas havia também uma pintada do desconhecido. Sam também tinha os traços de sua mãe, afinal. Os olhos castanhos, o nariz pequeno e talvez os dedos longos demais para uma criança de 5 anos. Mas o resto, definitivamente, era de seu pai. Os cabelos, o formato do rosto, até mesmo a forma de andar e franzir do cenho.

–Eu posso fazer parte da cidade, ao menos?

–Não tem pessoas na minha cidade.

Então notei que entre as ruas estreitas não havia ninguém, nem mesmo um bonequinho cabeçudo.

–Mas pessoas moram nas cidades. – Argumentei.

–E é por isso que as cidades dão errado.

–Você tem um ponto, Pequeno Newton. – Peguei um dos bonequinhos amarelos numa pilha separada da cidade. – Contudo não há motivos para criar uma cidade, se não tem ninguém para cuidar dela.

Eu cuido dela.

–E quem cuida de você? – Coloquei um dos bonequinhos no topo de um edifício. – Ninguém é feliz sozinho, mesmo que viver isolado possa parecer mais fácil.

–Tia Al? – A brincadeira já tinha sido interrompida, surpreendentemente, eu tinha toda atenção de Sam para mim. – Você também acha que os seres humanos são confusos?

–Definitivamente.

–Então é por isso prefiro cidades vazias.

Ele despachou o bonequinho que eu tinha equilibrado em um dos prédios.

–Sam, posso perguntar uma coisa?

–Sim.

–Você sabe por que sua tia está triste?

–A tia Maia? – Fiz um som de consentimento. – Ela é sempre chora. Vovó disse que é porque pessoas boas às vezes cruzam com pessoas ruins.

Fiz uma anotação mental para depois perguntar o livro de autoajuda que minha ‘sogra’ ler. Porque ele, definitivamente, era fantástico.

***

–Vida... – Uma cutucada. – Acorda, Vida... – Mais uma cutucada.

Resmunguei baixinho.

–Cala a boca, Brian, eu to tentando dormir.

–Alma, não é o Brian. – Eu estava grogue demais para identificar que o tom tinha adquirido um quê raivoso. – Você dormiu no tapete do meu antigo quarto.

Abri os olhos, ainda relutante. Estava escuro, mas consegui enxergar a silhueta esguia na minha frente.

–Jeff? – Praguejei.

–Acertou. – Meu corpo foi erguido e no segundo seguinte eu estava em pé, cambaleante.

–Você é um serial killer, na verdade, né? É para sua batcaverna que você está me levando?

–Apenas... – Ele suspirou. – Cale a boca antes que acorde o Sam.

Eu ia revidar quando meus pés bêbados pisaram numa das pecinhas do Lego.

Gostaria de lhe informar, caro leitor, que eu visitei a Lua nesse exato momento, foi rápido, mas inesquecível.

Cumpri-mi um grito histérico, apertando minhas mãos na camisa de flanela do Jeff.

–O que foi? – Seus olhos arregalaram-se.

–Eu pisei no caminhão de bombeiros. – Choraminguei. Nós estávamos a poucos passos da porta entreaberta quando paramos.

–Segure-se, ok? – Jeff ergueu-me com facilidade. Meus pés já não tocavam no chão, meu ombro contra o seu peito. Ofeguei.

–Eu pensei que isso só iria acontecer uma vez na minha vida. – Envolvi minhas mãos pelo seu pescoço. Essa posição, definitivamente, era minha favorita, nem mesmo meu pé dolorido estava me incomodando. – Na minha noite de núpcias.

–Cuidado com a cabe...

Então minha cabeça bateu no parapeito da porta. E lá se foi mais uma visita à Lua.

–Desculpe, Vida. Desculpe. – Suas mãos me apertaram mais bruscamente contra ele. – Eu pensei que você estava prestando atenção. Desculpe. Sua cabeça está doendo muito?

Eu tinha certeza que ficaria um hematoma, mas sorri na direção de seu olhar preocupado.

–Eu imaginava exatamente desse jeito na minha noite de núpcias, não se preocupe.

Ele não voltou a falar até que me depositou na nossa cama (isso ainda soa estranho) com o máximo de cuidado, como se eu fosse algum tipo de boneca de porcelana.

–Espere, não se mova. – Era o pedido mais fácil que ele já tinha me feito. As luzes foram acesas e totalmente desprevenida, senti um toque suave no meu pé dolorido. – Vida, seu pé... Porra, seu pé está sangrando!

Sentei-me na cama sem esforço, minha cabeça latejou. Jeff parecia um tanto quanto roxo, quando seus olhos ergueram-se em direção ao meu, seu tom mudou para um verde doentio.

–Sua cabeça. – Foi a vez dele choramingar, Jeff estava de pé, olhando para mim como se eu fosse um alien recém-chegado. Ele era tão engraçado quando estava assustado. – Porque diabos você está rindo? Aquele tipo de brinquedo deveria ser proibido pela ONU.

–Não acho que seja a ONU responsável por esse tipo de proibição.

–O Papa deveria! Isso é fruto do diabo.

–Eu não vou morrer, Jeff. – Revirei os olhos. – Umedeça uma toalha e traga aqui, tudo bem?

Pela primeira vez na vida Jeff pareceu desengonçado. Foi aos tropeços e voltou quase embaralhando-se nos próprios pés.

–Eu achei um desses remédios de machucados no banheiro e um band-aid de bob esponja. – Entregou-me a toalha encharcada, um vidrinho de spray e o band-aid.

–Meu favorito! – Tinha sido um corte superficial no peito do pé, a toalha estava começando a fincar numa cor vermelho aguado.

–Você quer que eu pegue gelo? Sabe... Para sua cabeça. Acho que você vai ficar com um Monte Everest aí.

Soltei uma risada trepidada.

–Você está fazendo me sentir melhor. – Soou sarcástico, mas era verdadeiro. – Só vamos dormir, ok? Você pode desligar as luzes?

Esticando-se, a mão de Jeff alcançou um interruptor perto da cama, ele poderia ter virado para um lado, eu para o outro e nós cairíamos no sono. Poderia ter sido assim.

Se uma movimentação estranha não tivesse me despertado ainda mais. O barulho de zíper me fez resmungar.

–O que diabos você está fazendo?

–Eu não durmo com roupa.

–O quê? – Gritei, quase caindo da cama.

–Eu durmo só de boxer, é costume. Sinto muito.

–Isso é sério?

Barulho de roupas caindo no chão. Pelo visto era mais que sério.

(N/A: APERTEM PLAY, AGORA! JÁ! Parem de ler isso e vão apertar play).

Jeff engatinhou até o meu lado da cama, seu calor corporal quase me incendiando. Sua respiração mais próxima do que o Papa deveria ter aconselhado, seus lábios entrando em contato com minha pele. Na testa. Adjacente onde havia batido no para peito da porta.

–Desculpe por isso.

Tinha-se dúvidas que eu não iria dormir hoje?

–Você já disse isso. – Seus olhos nos meus, enigmáticos e ao mesmo tempo esclarecedores, eu nunca tinha visto alguém ser assim até conhecê-lo.

Seus lábios mais uma vez me tocaram, na ponte do nariz, em seguida uma maçã do rosto e a outra. Era agora, pensei, não tinha mais volta. Dane-se o que minha mente gritava, ela tinha me incomodado por muitos anos até agora. Jeff comprimiu seus lábios nos meus, sua gentileza não durou muito tempo, ela foi substituída por uma necessidade urgente.

Você tem estado em minha cabeça

A cada dia me sinto mais afeiçoada

Me perco no tempo

Só pensando em seu rosto

Só Deus sabe porque levei tanto tempo a acabar com as minhas dúvidas

Você é o único que quero

Seu corpo estava quase todo contra o meu, suas mãos percorrendo as laterais do meu corpo.

–Jeff... – Um som gutural saiu da sua garganta, suas mãos apertando minha cintura.

Empurrei seu peito ofegante para o lado, ganhando um olhar confuso em resposta quando nos afastamos. Um sorriso quase diabólico surgiu em mim. Quando as costas dele alcançaram o colchão, ergui-me rapidamente, meus joelhos flexionados em cada lado do seu corpo.

–Eu gosto de ficar por cima.

Ele deu um rosnado baixo, tomei isso como algo positivo. Inclinei minha boca até a sua, minhas mãos apoiadas em seu tórax e meus cabelos desgrenhados pinicando nossas peles.

–Não vai ter volta, Vida. – Grunhiu entre dentes. – É isso que você quer?

Pensei no que tinha me impedido de fazer isso na última vez, no meu apartamento. Lembro-me que era o mesmo sentimento de pólvora e isqueiro, mas havia uma diferença: eu não conseguia parar de fazer o paralelo entre Jeff e Brian. Brian ainda estava tão vivo pelo sangue que corria pelo meu corpo que eu sabia que Jeff estava lá, mas sentia que meu ex-namorado estava pairando ao nosso lado.

Eu não sei por que eu estou com medo

Já senti isso antes

Cada sentimento, cada palavra

Já imaginava tudo

Você nunca vai saber se não tentar

Perdoar o passado e simplesmente ser meu

Mas não agora. Não aqui.

Eu sentia Jeff. Pólvora e fogo percorrendo um curto caminho até a destruição total. Eu só sentia isso, só pensava isso. Era louco, insano, inadequado e prazeroso. O inferno de prazeroso.

–Eu quero. – Duas palavras que tinham uma força impressionável.

Encontrei o seu olhar, sua pupila estava tão dilatada que seu verde acastanhado quase não estava visível. Seus batimentos cardíacos contra minha mão, fora do controle, era um som único e enlouquecedor.

–Que bom, porque não sei se eu iria conseguir parar.

Suas mãos firmes procuraram a barra da minha camisa velha e então essa voou longe.

–Uau, que prática.

Nós rolamos mais uma vez pela cama, Jeff estava por cima novamente. Foi aí que me arrependi de não estar usando um dos presentes da Ellie. Meu velho sutiã azul não parecia muito atraente. Minhas bochechas coraram, mas Jeff nem mesmo notou, seu olhar atento em meu colo. Malícia e admiração. Assim que seus lábios entraram em contato com minha pele, um pouco acima do umbigo. Queimando, foi assim que eu me senti, como se estivesse em combustão, meus pelos se arrepiaram.

Ele riu. Aquele desgraçado riu. Seus beijos seguiram em linha reta até a borda do meu sutiã, arqueando minha coluna, eu pedi silenciosamente por mais contato. Eu implorava, necessitava disso.

(Eu sei que não é fácil abrir mão de seu coração)

Confie em mim eu aprendi

Ninguém é perfeito

–Com pressa, Vida? – Ronronou.

–Idiota. – Sibilei, se é que consegui mesmo dizer alguma coisa.

Suas mãos calejadas subiram pelas minhas costas, seus dedos brincaram com o fecho do sutiã e então...

–Jerry, você está acordado? – Batidas fortes na porta me fizeram pular.

E finalmente despencar até o chão.

–Jerry?! – Era Maia, notei, enquanto meus olhos focavam no teto escuro.

–Você está inteira? – Em algum momento, como um gato felino, Jeff tinha parado ao meu lado. Com um movimento rápido, ele me puxou do chão.

–Pela metade. – Sussurrei de volta.

–Eu sei que não deveria te incomodar, mas... – Uma fungada baixa do outro lado da porta.

Ele bagunçou os cabelos, em sinal claro de nervosismo.

–Eu... Tenho que falar com ela.

Limpei a garganta. Nós dois estávamos frente a frente, minha blusa perdida em algum canto do quarto, ele só com as boxers. Mordi os lábios, sem saber se engolia a frustração ou se era um sinal claro de Deus.

Imagine uma voz grossa proferindo as seguintes palavras, Leitor: Alma, vossa senhorita sempre possuiu um dom intelectual admirável... E agora tá capengando para o outro lado, irmã? Pode isso, Alma? Não pode.

Despertei do meu mundo paralelo quando a porta fez um som baixinho. Ele já tinha ido. Suas roupas que antes pousavam no chão, também.

Deitei na cama esperando que em poucos minutos ele voltasse, talvez nós continuássemos onde tínhamos parado. Mas Jeff não voltou. E eu acabei caindo no sono, encolhida como uma bola numa cama grande demais e eu sozinha demais.