Oblivion

Capítulo dezesseis, ano três


Quando acordo de meu cochilo ⎼ tenho certeza disso porque acordo justamente com a luz do sol em meu rosto, junto a uma cotovelada de Adrien ⎼, estranho um cabelo cacheado que não seja o meu. Braços ao meu redor que não lembro de estarem ali a não ser…

Em meus sonhos.

Santo Deus, não é um sonho! Ele está mesmo aqui e…

Meus sonhos tem um rosto. E memórias, e sensações, e cheiros e… gostos!

Observando-o agora, não evito de pensar: se eu disser que o amo hoje, talvez ele fique? Ele não escorrerá pelos meus dedos como água? O problema é que eu nunca disse isso a ninguém, nem para Pietr. Simplesmente não consigo pronunciar as palavras, eu prefiro… demonstrar. Parece errado dizê-las, porque… eu não as ouço com frequência. Pelo contrário, posso contar nos dedos quantas vezes me dirigiram amor falado.

Adrien, mais do que ninguém, merece todo amor do mundo. Mas será que o amor mais adequado é o de alguém que não sabe o expor?

Marla diz que eu preciso parar de me autossabotar. É hora de tentar, não é?

Estendo uma mão para acariciar seu ombro nu, sorrindo com a nova junção de memórias que preenchem meu visor mental. Nós dois observando o pôr do sol no Lago Travis, nos beijando encostados na Lola, conversando sobre a vida em sua casa…

Meu coração bate forte no peito, o que me faz envolver sua cintura com os braços e apoiar minha testa em suas costas geladas, apreciando o momento. Penso em retornar a dormir, porém Adrien resmunga, aparentemente frustrado por ter sido acordado. Prendo o ar por breves segundos, arriscando sussurrar:

― Desculpa, te acordei, não foi?

Ele não me responde. Ao invés disso, sinto seus músculos tensionarem.

Com cuidado, Adrien se desprende de meu abraço e se senta na cama. Observo-o passar a mão pelo rosto, cansado, e analisar o ambiente. Imagino que sua ressaca esteja começando a dar efeitos, o que faz minha consciência pesar.

― Onde…? ― é a única coisa que ele pronuncia, franzindo a testa.

― No quarto de hóspedes ― rio fraco, ajeitando os lençóis em volta de meu corpo. Por que sempre que, passado o momento de afobação, sentimos vergonha? ― Eu não quis ir para o meu quarto, porque… não que eu sinta vergonha de você, é que eu não confio no meu irmão mesmo. Vai que ele chega fazendo um estardalhaço e…

Como se apenas tivesse notado minha presença agora, Adrien volta o olhar para mim. Sua expressão é bem fechada, então não me surpreendo por ter me encolhido toda.

― Tudo bem aí?

― Desculpe, eu não… ― Adrien coça a nuca, nervoso. Com pressa se levanta, procurando as peças de roupas que lhe pertencem. Quando repara no que está fazendo, solta um pigarro nada discreto. Sem olhar para mim, ele finaliza: ― Sinto muito, não tenho o costume de fazer essas coisas, entende? Isso tudo é muito estranho, e você é muito bonita, mas…

― Mas?

― Mas eu não… durmo com estranhas. Não sou assim. Desculpe, moça, isso foi um erro incalculável.

Meu coração se quebra em um milhão de pedacinhos. Ele não dorme com estranhas. Foi um erro incalculável. Isso quer dizer que, da perspectiva dele, eu sou uma garota qualquer que dorme com o primeiro cara que aparece? Se não fosse essa primeira parte, eu poderia compreender que Adrien estava se referindo a agir impulsivamente, mas… estranha?

Aquele pesadelo inunda minha realidade novamente. Pouco me importa se Adrien é o garoto dos meus sonhos, agora que ele mal me reconhece. Mais um ano se passará e ele continuará olhando através de mim. Quanto tempo até ele arranjar uma namorada e esquecer que eu existo? Quanto tempo até que eu finja que ele não existe e siga meu caminho sozinha como sempre fui?

― Moça? ― sua voz me desperta do torpor. ― Me desculpe, eu não quis dizer que…

― Tudo bem ― digo, ríspida. Procuro meu roupão que também foi abandonado pelo chão e me enrolo nele para me esconder de sua visão. ― Já disse. Vou levá-lo até o seu carro, senhor.

Fecho as cortinas do quarto, tampando o sol que faz o favor de expor a minha desgraça. Sinto as lágrimas acumularem no canto dos olhos, mas pisco para que elas não venham a fazer um escândalo; pior do que uma estranha, é uma estranha chorona.

Adrien perambula pela casa como um fantasma, observando as paredes da casa perfeita. Após uma verificada no quarto, chego à conclusão de que ou Pietr não veio ainda ou que passará a noite com Marla. Me consola saber que ao menos um de nós está se encaminhando para uma vida amorosa bem-resolvida…

Na cozinha, recolho as chaves da Lyla e lanço um olhar ressentido para a xícara de chá que foi esquecida no balcão. Jogo o conteúdo na pia e engulo em seco pela metáfora relativa em minha cabeça. Entrego as chaves para ele sem conseguir olhá-los nos olhos. Pode ser um adeus definitivo para nós, afinal.

― Dirija com cuidado ― sussurro, quando nossas mãos se encostam na transição do objeto. Seu olhar para mim é curioso, como se ele também tivesse a ciência de que algo estava fora de lugar na equação. ― Se precisar de remédios para dor de cabeça, é só pedir.

― Não, obrigado ― Adrien murmura, massageando o próprio cabelo. ― Qual… qual é o seu nome?

Nego com a cabeça, apertando a xícara para me controlar.

― Ah, eu não sou ninguém. Não precisa se dar ao trabalho com nomes, Adrien.

Sua bochecha adquire um tom vermelho, e então ele assente com a cabeça, girando nos calcanhares para ir embora. Observo-o caminhar até a porta, hesitar e, antes de sair pela porta, ele se volta para mim.

Eu nunca desejei tanto que ele voltasse correndo…

― Tenha um bom dia, moça… desculpe se fiz ou disse alguma coisa que possa tê-la ofendido. Eu… até mais?

Assinto com a cabeça. Por mais que não fosse ser o caso, ele ainda era gentil. Por isso eu o deixei ir.

Permaneço estática quando Adrien fecha a porta com cuidado, quando ele dá a partida na caminhonete e vai para casa. Fecho os olhos e visualizo todo o caminho que ele percorrerá, incluindo a curva traiçoeira logo após a ponte Pennybacker.

Permaneço estática quando o calor de minhas mãos transfere para a xícara, e não sinto mais frio de estar encostada no mármore da pia.

Permaneço estática também quando Pietr chega em casa, sem Marla, com olheiras maiores do que eu, e cantarolando feliz. Quando me vê, pisca repetidas vezes para assimilar o ambiente melancólico da casa. Então, Pietr cambaleia até minha direção e, sem que eu precise dizer algo em voz alta, ele me abraça forte e permite que eu chore os três anos que tive Adrien apenas pela metade.

Amanhã ele voltará para a universidade e minha rotina me assolará pelo resto do ano uma vez mais, porém enquanto ainda está aqui para me abraçar, eu sei que ficará tudo bem.