Oblivion

Capítulo 18, ano quatro


"Ela é meu esquecimento

E minha pele queima

As mãos dela sobre mim

Ela sussurra:

'Os limites do nosso amor estão nas estrelas?'"

MY OBLIVION, Tindersticks

Posso afirmar com todas as noções de probabilidade que, quando Pietr se formou na UT, a vida de universitário tornou-se monótona e me fazia questionar tudo que entendi sobre amizades. Porque foi ali que percebi que todos os meus amigos na verdade eram amigos de Pietr associados a mim. De início, essa afirmação pode parecer até um tanto depressiva, porém anos depois agradeci de joelhos e beijei o chão por isso.

Por quê? Ora, essa é fácil. Porque foi apenas numa situação com estes amigos que consegui reencontrar Louna.

Está bem, está bem, vamos por partes. Primeiramente, eu gostaria de questionar sinceramente como ainda suporta nossas idas e vindas. Porque eu, sinceramente, já não aguento mais. Depois de quatro anos de insistência e de fugas, a gente entende que a pessoa não quer mais nada contigo, não é? Quer dizer, pelo menos assim eu entendi o recado.

Após o incidente com o The Roosevelt Room e com toda a parte de chorar até desidratar e o garoto desconhecido, eu desisti oficialmente. A parte difícil foi encontrar alguém à altura. Porque as parte difíceis de ser Adrien Thomas podem ser enumeradas em qualquer ordem, no entanto em meu sistema de classificação gosto de deixar classificado por "o que incomoda mais". Nesta lista, encontram-se 1) a persistência das garotas da geração Y em ter fetiches em homens negros e ter vergonha de andar com eles em público, 2) quando isso acontecia era apenas para me exibir como "Adrien estuda astronomia! Não é incrível?" e 3) não importa o quanto eu tentasse enxergar as qualidades de Louna em outra pessoa; se não fosse ela, não seria o mesmo.

Agora, podemos tratar do reencontro.

Partindo do princípio da teoria de minha mãe sobre eu ser "teimoso que nem uma mula", saí e me dediquei à teoria em sentido prático. Como todo universitário que se preze, depois que Pietr se formou não compareci a sequer uma gandaia. O tempo livre que tinha adiantava simpósios, trabalhava ocasionalmente quando surgia algum bico no meu emprego anterior, ficava em casa ajudando Caleb a estudar para as provas de admissão... a gandaia (merecida?) só veio na primavera do terceiro ano, com a semana de "relaxamento" antes das provas finais. Daí, eu pensei: que mal faz ir a apenas um dia?

O tema que não me fez torcer tanto o nariz foi uma festa chamada Cadeado. Era ridículo: cada homem recebia uma chave, e as mulheres recebiam um cadeado. Ambos recebiam máscaras para se camuflarem, e a graça era encontrar seu par equivalente, por isso era um número limitado de inscrições, atualizados de minuto em minuto – e não era necessário ser estudante físico da UT, convidados eram aceitos mediante documentos. Era tudo que eu precisava: algo ridículo, mas que não envolvesse roupas ridículas. Então, me trajei com o monocromático preto de praxe e parti com o calhambeque que eu ousava chamar de caminhonete.

No meio do caminho, me ponho a analisar o relacionamento de Marla e Pietr àquela altura do campeonato. Os dois fazem uma ótima dupla, apesar de passarem alguns anos se negando a enxergar isso. Ainda posso ter esperanças; se bem que já não tinha mais graça aquela parte em que eu estava acostumado a tirar sarro dele com Marla e ele de volta comigo com a irmã...

Hoje não. Hoje eu vou encontrar um cadeado e depois retornar à vida de universitário responsável.

Que vida de merda que eu levo, hein...?

De qualquer maneira, ao chegar ao local da festa e receber minha chave e minha máscara, me sinto mais como um membro da Anbu do que um carente desesperado. Isso eleva minha moral interna ao infinito, não me importa que ela seja branca e destoe do resto da roupa. Tento relevar o fato de que a música eletrônica naquele volume é insuportável, ao passo que as pessoas ao redor já começam a procurar seus pares. Sei disso porque alguma garota aleatória está com uma pulseira com cadeado virado para mim. Dou de ombros e encaixo minha chave, um tanto aliviado de não ter virado. Ela sai em busca do próximo, não ligando muito para o fato de eu estar ali.

Opto por permanecer num canto, de início, apenas para observar. Enquanto alguns dispensam seus cadeados para ficarem com querem de verdade – ou outros ficando com ambos, em tempos diferentes – outros parecem já ter desistido da tarefa, dando lugar a uma diversão sincera e efêmera. Penso em pedir uma bebida no open bar, mas me interrompo ao ver que não estou sozinho no balcão.

A mulher ao meu lado tem cabelos lisos escorridos e uma franja torta identificável há quilômetros. Parece solitária, diferentemente de seu estado habitual de espírito descontraído e durão. Isso me leva a abrir um sorriso aliviado, e ir me sentar ao lado dela como quem não quer nada. Quando me vê, ela ergue uma sobrancelha, pronta para despejar o Monte Fúria sobre mim.

— Ah, cai f...

— Ei, Jojo! — sorrio, fazendo com que seu resmungo seja audível apesar do barulho da festa. — Que 'cê 'tá fazendo aqui? Pensei que não gostasse de farra!

— Para você é Jo-elle, Thomas. E não gosto. Estou como acompanhante, porque sou uma ótima amiga. E você, o que está fazendo aqui? Pensei que não gostasse de farra.

É incrível como tudo que essa mulher pronuncia parece um tiro de bazuca nas costas.

— Eu? Eu... Vim... É...

— Ugh, eu... Vim... É... — ela faz uma péssima imitação de mim, apoiando os braços na mesa. — Ah, você é ainda mais patético quando está sem o Pietr. Cheio de desculpinhas.

— E você é ainda mais detestável quando está sem a Louna — sorrio.

— Obrigada, é adorável. Mas eu não vim sem ela, eu sou a acompanhante dela.

É claro. É claro que dentre todos os eventos de primavera em Austin, tínhamos que ter escolhido o mesmo evento para farrear. Três pessoas que nunca farreavam indo procurar cadeados. Santo Deus, em que tipo de roteiro clichê e indeciso me colocaram para viver? Se há alguma criatura maligna controlando os fios do destino, por favor: agora é a hora de parar. É sério! Isso é ridículo e de muito mau gosto.

— Jura? Que... Maneiro... E cadê ela, então?

— E eu sei lá? Eu estou aqui, disso eu sei.

— Não sabe onde ela está? O que tem na cabeça, Joelle? — me levanto de supetão, olhando ao redor. Apesar de ter me arrependido na hora, porque não encontrei nada mais do que casais se pegando e gelo seco entrando bem no meu nariz. Por sua vez, ela gargalha com gosto. Não a censuro; é um bom dia para rir da desgraça alheia. — Qual é a graça?

— Calmo aí, John McClane, ela foi só no banheiro... Eu que não sei onde fica. Você é tão fofo se preocupando com a Louna... Uma pena que não passa de um covarde.

Não resisto em franzir a testa e olhar em sua direção, exigindo respostas. Não é preciso que eu enuncie a pergunta em voz alta, porquanto que Joelle encara as próprias cutículas ao me responder:

— É isso mesmo que você ouviu. Seu covarde. Você foi embora, largou ela aqui e nunca, nunca disse para ela como se sentia. Ficou choramingando por anos, e achou que guardar tudo isso era suficiente para que ela magicamente se tocasse de que você a queria.

— Como é que é?

— É isso mesmo, Thomas. As mulheres não adivinham como os homens se sentem, assim como vocês não adivinham o que nós sentimos — dito isto, ela ergue a máscara do rosto para que eu possa encará-la nos olhos. — É uma parada biológica, ninguém aqui é mutante, meu querido. Telepatia é um negócio fictício, aqui na vida real as pessoas se comunicam, se entendem e se resolvem.

Louna não sabe como eu me sinto? Depois de quatro anos deixando isso o mais óbvio possível...? Bem... Talvez a Jojo esteja certa. Se eu contar à Louna como me sinto – sinceramente, em todos os pormenores, incluindo os açúcares desnecessários –, as chances de ser rejeitado ainda é gigantesca, porém... Terei certeza de que não estarei lendo nas entrelinhas, não é?

— Tem... Algum conselho? Quer dizer, eu... Sei que você não curte esses negócios de relacionamento e tudo o mais, mas...

— Eu? Não mesmo — ela dá de ombros. — Mas eu entendo muito da minha amiga. Louna é maravilhosa, tem um montão de problemas e não precisa que você seja mais um deles.

— Obrigado pela parte que me toca.

— Disponha. Presta atenção: nem que esteja com o rabo entupido de álcool, você vai ser sincero com ela. Vai... Dizer que quer estar ao lado dela, que a ama e que quer que ela conte o que passou durante esses anos todos. Porque, pelo que eu entendi você é uma enorme incógnita na vida dela.

Assinto com a cabeça, me sentindo uma mosquinha. Parece óbvio demais, agora. Jojo me olha com certa dose de piedade, destoando da tempestade ambulante de praxe. Daí, ela me oferece a própria pulseira – pateticamente, minha chave engancha no mecanismo e não o abre.

— Ah, graças a Deus — Jojo suspira de alívio, me fazendo gargalhar no mesmo segundo. — Ei, Thomas?

— Sim?

— Eu não te odeio, 'tá legal? 'Cê é um cara legal, mas precisa aprender a lidar com os seus sentimentos. E com os dos outros.

— Entendi, Sargento — de um modo ou outro, bati continência para ela. Em resposta, Joelle revira os olhos. — Obrigado, Jo-elle. Eu te devo uma.

— Deve mesmo. Cinquentinha 'tá bom.

Não dá tempo para que eu possa refutar seu argumento, porquanto que ela abaixa a máscara e olha por cima do meu ombro. Sei exatamente o que esperar, e desta vez não é algo que me enche o coração de alegria. Sinto-me tenso e com os ombros pesados, ainda mais quando escuto a voz da mulher dos meus sonhos pronunciar:

— Tinha gente vomitando no banheiro, eu perdi a vontade de fazer xixi... Mas você parece que se divertiu bastante durante a minha ausência, né?

Volto meu olhar para Louna, prendendo a respiração. Mesmo debaixo de uma máscara, nossos olhares se cruzam e eu tenho certeza de que hoje é um divisor de águas. Para o bem ou para o mal, de hoje não passa.