Oblivion

Capítulo 13, ano três


"Se você estiver pronto, seja meu esquecimento

Não quero viver assim

Preciso de algo para me nocautear

Não quero sentir

Nada pode me deixar dormente

Nada resta a não ser correr

Eu preciso que você me nocauteie, sim"

OBLIVION, Labrinth feat. Sia

Fazer amizade com Pietr me garantiu passe direto para as melhores amizades na UT. Por incrível que pareça, após aquele dia inteiro agindo estranho comigo, no seguinte ele me tratou anormalmente neutro. Agiu como se nem me conhecesse. Preferi pensar que estava apenas assimilando as esquisitices do dia – convenhamos, não foram poucas.

Enfim. Um ano de idas e vindas entre as brechas de feriado e férias que tínhamos me proporcionaram um relacionamento amigável com Louna. Até que Aimee completou seus dezessete anos, Caleb se formou em Cedar Valley e seus serviços não serem mais úteis.

Como minha mãe era... bem, minha mãe... sempre nos víamos ocasionalmente quando ela se juntava a nós nos jantares. Sempre parecia exausta. E eu não tinha o direito de perguntar, porque depois de um tempo Louna se distanciava mais e mais. Até Pietr não sabia o motivo de ela estar tão esquiva.

Estávamos em abril e, Pietr, em seu penúltimo ano como universitário, me implorou para fazer companhia em um show de uma amiga. Oportunidade única, disse ele. Mas eu tinha a leve impressão de que ele não imploraria tanto por apenas uma amiga.

— Vamos, Adrien — sorriu ele, mas mais pareceu um arreganhar de dentes. — A Lou vai estar lá também. Vai ser legal!

— Da última vez que você disse que um programa seria legal, Pietr, era um seminário sobre química forense e o cadáver de teste fui eu...

— E não foi legal?

— Deite-se numa maca gelada e sirva de petisco para doidos por duas horas e meia e depois a gente conversa sobre as suas definições de legal, pode ser?

Pietr gargalha, logo erguendo uma sobrancelha ao escolher uma camiseta no armário.

— Ou talvez seja você que tenha que rever se são as suas definições de legal que não são padronizadas demais...

— Que o universo tenha piedade da sua alma!

Encarando meu armário preto monocromático, não é como se eu tivesse que me arrumar tanto assim. É apenas a Lou. Já Pietr vai ter um pequeno trabalho se quiser impressionar. Então, seleciono a minha preferida e recente aquisição para fazer piada da minha própria desgraça: a que leva a citação de Wilson, do Fall Out Boy – "I’ll stop wearing black when they make a darker color". É perfeita.

— Além da Lou, aposto que a Marla vai estar lá — provoco.

Pelo que Louna contou, ele e a Marla já saíram algumas vezes quando elas trabalhavam juntas em Cedar Valley. Foi dali que surgiu a foto que vi ano passado – e que continua pendurada no varal de fotografias de nosso dormitório. Nós dois, eu e Louna, apostamos que ele ainda tem sentimentos fortes por Marla. Sendo Pietr teimoso como uma porta, nunca admitiria em voz alta.

— É, e a Jojo também. Então não tem por que ficar animadinho desse jeito, Thomas.

— Se a Joelle descobrir que você a apelidou de Jojo, você vai apanhar — gargalho. — E não desvie do assunto! Por que não admite que gosta dela de uma vez e aí pode ver como ela vai reagir? Pode ser que ainda sinta algo por você também.

— Olha só quem fala, o cara que é a fim da minha irmã há... o quê, um ano?

Três anos. Mas não que você precise saber.

Vai parecer que eu sou um stalker.

E não é bem assim. Se eu fosse um stalker, meus métodos seriam péssimos. Sou péssimo com emoções. Só entendo de números. Astrologia para mim é uma ofensa.

Céus, estou hiperventilando?

— Calma, todo mundo finge que não repara nisso — é a vez de Pietr rir da minha cara de idiota. E ele faz isso exibindo aquele sorriso convencido de

— Um a zero para você, Benoit. Mas estou falando sério. Na pior das hipóteses, você pode falar que bebeu demais e que era brincadeira. Porém, eu sou da opinião que deveria contar para ela.

Pietr ergue uma sobrancelha para mim, encarando finalmente minha escolha de roupas. Patético, posso ler em seu rosto. Então, ele emite um "hum", pensativo.

— Pensei em algo que resolveria ambos nossos dilemas.

— Lá vem — reviro os olhos de brincadeira.

— É sério! Estou disposto a fazer um trato. Eu digo o que sinto pela Mar... se você também disser o que sente pela Lou. Do contrário, vou guardar isso até o túmulo. Porque sei que você vai fazer o mesmo.

Muito provavelmente. Porque ela não lembra de mim, ô cabeção.

Mas ele e a Marla ainda tem uma chance. No máximo, o que eu vou levar? Um fora educado?

Muito provavelmente. Porque ela não lembra de mim.

Nada que umas doses de mint julep não curem.

— Bem... eu tô dentro. Mas, primeiro, poderia me dizer onde estamos indo, afinal?

Pietr exibe seu melhor sorriso malicioso, atirando em minha direção os ingressos do tal show. Apesar da confusão momentânea, ajusto minha visão para conseguir ler o nome da banda. The Bats.

Ah, merda.

Não se trata de qualquer banda. É a banda da Marla. Quer dizer, antigamente ela era apenas a baterista. Mas aí a vocalista teve um surto de estrelismo, decidiu que mandava melhor na carreira solo e aí as meninas do The Bats se viram sozinhas. Aí entra a Lou e a Jojo. Descobrimos que a Lou tem um vocal incrível. Marla comandou tudo, incentivou a amiga a cantar com as garotas que já estavam enturmadas e... bem, a Jojo nunca tinha dito que era baixista, e a banda não tinha uma baixista. Assim, Austin ganhou a banda mais diversificada possível. Elas fazem apenas covers, mas... convenhamos. É maneiro demais.

O ambiente hoje é o The Roosevelt Room. Se trata de um barzinho charmoso e aconchegante, com a clichê pilha de bebidas atrás do balcão. São necessários ingressos para entrar – por sorte, somos amigos da atração principal.

Infelizmente, a música já começou. A escolhida é Heart of Glass. Ao ouvir a afinação de Louna, penso que Debbie Harry estaria orgulhosa de sua pupila.

Logo ao entrarmos, é inevitável não cruzar o olhar com o dela. Por incrível que pareça, Louna sorri de volta, deixando o verso once I had a love and it was divine com um sopro de riso adorável. Sinto que estou abrindo um sorriso de completa admiração. Porque é esse o sentimento. Admiração.

E é por isso que agora o plano de Pietr parece tão genial.

Louna sempre se sentiu a sombra do irmão gêmeo. Mas, aqui, essa é sua chance de brilhar. Não posso deixar de dizer isso a ela. Seria sacrilégio. Por isso, peço a minha prometida dose de mint julep e me sento junto a Pietr no sofá de couro para apreciar a música.

Heart of Glass termina com uma salva de palmas entusiasta, seguida por outra música que não conheço, mas que tem um tom psicodélico divertido. As meninas, assim como a plateia, se divertem até o intervalo do show. As quatro se sentam conosco, gargalhando de uma piada que ainda não entendemos qual é. Eu e Pietr nos entreolhamos, dando de ombros.

— Você bem que podia falar com aquele da mesa ali do lado, Jo — Mattie, a guitarrista, brinca com a companheira de cordas. — Ele não parou de te olhar um minuto.

— Ah, perdoe-me, Mathilda, mas não vai rolar, não — por sua vez, Joelle se espreguiça e sinaliza para o barista se aproximar. — Infelizmente ou felizmente eu não quero me relacionar com nenhuma alma viva e morta pelo resto da vida. Já tenho amigos suficientes.

Mattie acha graça, mas entendo o que Joelle diz. Você não precisa necessariamente estar com alguém para se sentir completo.

O barista se aproxima da mesa e anota os pedidos das meninas. Pelo visto, para a segunda parte do show, é necessário certo teor de álcool. Ou talvez estejam aproveitando a bebida gratuita inclusa no cachê.

Bem mais provável.

Pietr se ajeita no banco de couro de maneira que a distância entre ele e Marla diminua, mas não tão aparentemente. É uma jogada de mestre. Nesse meio tempo, Mattie já esticou a conversa sobre relacionamentos. Escuto de escanteio Joelle comentar:

— Não sei se é bem sobre não querer se relacionar. É não conseguir se relacionar a alguém.

— Como um trauma? — Mattie questiona, aproximando-se. Interessada.

Louna está terrivelmente quieta. Não sei dizer se está com vergonha do assunto, se não quer participar ou se está se concentrando para a segunda parte do show. Mesmo assim, alcanço sua mão no sofá de couro. Para mostrar que estou ali. Dá para ficar sozinhos juntos, se quiser, é o que estou tentando dizer com o olhar.

Ela sorri para mim, um sorriso mínimo. Aperto o espaço entre seu polegar e o indicador, contente.

— Não! É mais como... eu já tentei, e algo como uma barreira me impede de conseguir me relacionar. É mais como uma aversão. Entende?

— Nojo? — Marla ergue uma sobrancelha.

— Exato! Como nojo. A ideia de amar alguém ou dormir com alguém... me deixa enjoada. Já tentei várias vezes. Simplesmente não dá.

Pietr lança um olhar à Marla de compreensão.

— Já ouviu o termo "assexual", Jo? Ou "arromântico"? — Pietr pergunta, tomando um gole de sua bebida.

— Eu... não... — por sua vez, Joelle encosta no sofá, pensativa. — Mas vou pesquisar sobre.

— Faz isso, pode se surpreender.

Marla lança a ele um olhar que interpreto como admiração contida. Logo ela desvia o olhar para o bar, como se realmente tivesse algo de mais interessante lá. Louna parece estar observando o mesmo que eu. Olha para mim com uma erguida de sobrancelha cômica.

— Aposto que eles não passam dessa noite — ela sussurra, se inclinando para chegar mais perto. É a primeira coisa que diz hoje, e não poderia ter sido melhor.

— Aposto que eles não passam da próxima hora — replico, com uma gargalhada.

— Tem razão. Fica um a zero para você, se ganhar.

É sua chance. Seja óbvio.

— Ah, é? E ao final do dia, qual é o prêmio? Considerando que eu ganhe, é claro.

Louna solta uma gargalhada, optando por brincar com o canudo da própria bebida. Daí, ela abre um sorriso malicioso.

— Por que a gente não deixa o prêmio em aberto e quem ganhar escolhe na hora?

Sinto meu coração acelerar horrores, ao passo que Louna estende uma mão para mim para selar o acordo. Umedeço os lábios e aperto sua mão, concordando com aqueles termos absurdos.

Dá-lhe, mint julep...