O sol brilhava forte acima do cume das árvores daquela densa floresta. Era possível ouvir toda a vida da fauna que ali vivia. A maioria sequer notava algo fora do extraordinário de suas rotinas e seguiam em harmonia em seu habitat. Entretanto, alguns poucos olhares curiosos se esgueiravam por entre a camuflagem verde para entreolhar o que seus aguçados sentidos captavam.

O tremor do solo aumentava gradativamente, enquanto que o silêncio da mata era rompido por sons nunca ouvidos antes ali.

Vinham, Xena e Gabrielle, montadas na égua Argo.

"Xena, você ainda não me disse" - choraminga Gabrielle, abraçada às costas da guerreira, que prendia um sorriso para que não a denunciasse enquanto tentava se desvencilhar daquela armadilha.

"Gaby, você sabe que eu não sou boa com as palavras como você, é difícil para eu me expressar com elas" - diz Xena, sem desviar os olhos do estreito percurso que tomavam.

"Mas com certeza você sabe dizer algo tão simples como se gostou ou não, sem muitas complicações" - desafia a loira ironicamente.

"Gostei" - respondeu rispidamente. Lhe dóia dizer-lhe apenas isso, soando tão fria, quando na verdade gostaria de desabafar palavras muito mais calorosas. Por que era tão difícil soltar as palavras do peito? - expirou derrotada, uma, duas, três vezes na tentativa frustrada de recobrar o ar que lhe faltava. O que conseguiu, porém, foi apenas ficar zonza. Então fechou os olhos tentando afastar-se daquele turbilhão de pensamentos e anseios, a fim de se acalmar.

Somente assim, se distanciando dos sentimentos, poderia seguir com a tarefa à frente.

Repentinamente, Xena pára Argo e vira seu rosto para Gaby, que a fitava ansiosa, e desiste: - Está bem, está bem. Eu achei muito bom, mas... " E antes que pudesse concluir, Gaby a interrompe, de olhos baixos dizendo: "Mas... Você acha que faltou alguma coisa?" - pergunta ela cabisbaixa.

Xena abre um sorriso, suspende o queixo de Gaby com os dedos e diz: "Não, na verdade o contrário. Eu acho que você me enaltece demasiado em seus contos. Você faz parecer como se eu fosse uma Deusa ou algo assim. Quem lê seus pergaminhos deve pensar que eu sou um ser inalcançável. Não que eu não fique lisonjeada mas, convenhamos, eu não sou de fato a heroína", finaliza com um olhar amistoso e indicativo à amiga, insinuando um elogio à loira que agora franzia o nariz em um largo sorriso, mordendo o lábio. Estava tão surpresa por Xena ter pronunciado sua opinião com uma frase completa quanto com o elogio recebido. Xena, percebendo o rubor de Gabrielle se vira para tentar se recobrar de seu próprio rubor. Quando Gaby sorria daquela maneira, imaginava se não havia algo mais ali. E esses pensamentos sempre a deixavam sem graça e era difícil não perder à pose. Disse desconcertada: "Agora chega dessa história! Ainda temos alguns dias de viagem e eu gostaria de encontrar um bom lugar para acamparmos"- então sacudiu os ombros, ajeitando-se mais ereta em sua égua.

Gabrielle, ainda com um sorriso apertado nos lábios, se afasta e a deixa relaxar. Ela sabia que era difícil para Xena expressar-se e notara a tensão empregada em sua voz.

"Eu não a enalteço Xena, eu não escrevo mais do que a verdade, a minha verdade. Se parece que às vezes te faço soar como uma Deusa e inalcançável, é porque é assim que eu a vejo. Uma Deusa, linda e poderosa sim, mas infelizmente, inalcançável para mim." - Pensou ela.

Ficaram em silêncio, mas o ruído em suas mentes era estrondoso. Era tão difícil distingui-los e organizá-los que simplesmente desistiram de tentar entendê-los. Em parte porque tinham medo do que esses pensamentos significavam e as consequências disso.

Foram surpreendidas por um tilintar familiar: "Espadas! - Manifestou Xena pondo Argo a galopar em direção a batalha, com Gabrielle correndo logo atrás delas. Ficou feliz em poder ter algo ou alguém em que pudesse descarregar toda sua frustração e tensão.

Conforme se aproximavam dos sons da luta, Xena começava a distinguir que haviam diversas vozes masculinas e apenas uma feminina. Parecia ser uma luta injusta, uma pessoa contra vários oponentes. Xena sabia que deveria chegar ali depressa.

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Saltando com seu grito de guerra, Xena repousou as pernas firmes no solo no centro da luta, já defendendo-se de ataques inimigos e, quando o corpo do guerreiro à sua frente caiu revelando quem ela defendia, sua alegria de estar em meio aquela batalha esvaiu-se e transformou-se em um olhar frio e desconfiado: "Najara?" - questionou ela surpresa.

Gabrielle, chegou neste instante e passou por Xena em direção à guerreira abatida, somente à tempo de evitar que esta desabasse no solo com uma profunda ferida em seu abdômen. Segurando seu rosto preste a desfalecer, pôde ouvir seu nome pronunciado por Najara em meio a um sorriso dado por ela: "Gabrielle..."- fechou os olhos inconsciente.

Gabrielle olhou para Xena, que permanecia em posição de combate, mesmo não havendo um só oponente de pé, nem mesmo Najara.

"Xena..."- começou a barda - "Eu sei o que você vai dizer e eu concordo, mas não podemos deixá-la aqui no meio da floresta, ferida e inconsciente. Se fizermos isso, será o mesmo que matá-la nós mesmas." - Vendo Xena ainda imóvel e com os olhos a fitando friamente, reforçou para convencê-la: E não podemos fazer isso."

Xena deu um forte suspiro, como se expelisse algo que ficara engasgado em sua garganta, olhou para Najara no colo de Gabrielle e, sentindo um desgosto por aquela cena, disse ironizando: "Não podemos?". Gabrielle reagiu com uma careta descontente, fazendo Xena aproximar-se para conferir os ferimentos da Guerreira da Luz, repreendida.

"Ela vai sobreviver, só precisa de um curandeiro, outra vez... Vamos levá-la para um e seguir na direção oposta, está bem."- foi mais uma afirmação do que uma pergunta, e Gabrielle consentiu.

Como não havia outro cavalo próximo aparente, Xena colocou Najara em Argo e, ao lado de Gabrielle, caminhava à frente puxando e guiando a égua.

Andaram algumas horas e, escurecendo rapidamente, decidiram acampar em uma gruta que Xena descobriu.

"Xena, ela não me parece estar muito bem."- disse com um tom preocupado em sua voz, o que fez Xena ficar também. Não porque se preocupava com a saúde de Najara, mas ver Gabrielle falar daquele jeito sobre Najara a incomodava. Ela sabia que a bondade no coração da barda sempre à faria ver o melhor das pessoas, por mais que esta pessoa à traísse ou a machucasse inúmeras vezes. Ela era prova disso. Pensar que Gabrielle pudesse ter qualquer sentimento de afeto àquela aproveitadora a repudiava.

"Deixe-me checar novamente"- disse Xena contrariada, aproximando-se de Najara e, discretamente, afastando Gabrielle. Esta última, percebeu os movimentos discretos porém não tão sutis quanto a guerreira imaginava tê-los feito e abriu espaço para que Xena pudesse se concentrar em suas habilidades curandeiras. Esta era mais uma das muitas habilidades que a barda admirava em sua heroína. Ela sabia que Xena não gostava de Najara e, mesmo assim, a estava ajudando.

Se lembrou como teve a impressão de que Xena estivesse notoriamente superprotetora sobre ela em relação à Najara, quando as conheceram. A princípio, porque Xena sempre desconfia de todos, mas de Najara suas suspeitas eram em demasiado, entretanto, totalmente justificadas. A mulher mostrou-se uma psicopata obcecada por Gabrielle a um nível que chegava a perturbar Xena. Gabrielle podia notar isso e por momentos suspeitou que a Princesa Guerreira estivesse enciumada. Racionalizou que era medo de perdê-la como sua ajudante e da amizade que tinham, mas seu coração sentia que podia ser algo mais. Seu coração estava convicto que era algo mais. Ela olhou para Xena, já do outro lado da caverna, e sentiu um redemoinho em sua barriga, sugando-lhe o ar e, buscando preencher seus pulmões, pôs-se de pé em direção à saída, mas não sem que a guerreira a notasse.