Acordará melhor aquela manhã, pela primeira vez não sentia um peso dentro de si, o cansaço ou o medo não o puxavam para baixo. Se trocou, fez suas higienes matinais, sem reflexos estranhos ou olhos mudando de azul para laranja e foi para a cozinha tomar o café. Decidiu que não iria a escola hoje, era o último dia, não tinha o que fazer lá, apenas pegou Silver e foi pedalando pelas ruas de Derry.

Parando na beirada da descida de uma das ruas, o garoto Denbrough olhou para o horizonte, olhou para o céu e por fim para sua bicicleta, um sorriso audacioso se estampava em seu rosto. Se posicionou bem em Silver, deixou o vento soprar em seus fios loiros, era hora de vencer o diabo pela terceira vez:

— Hi-yo Silver, VAMOS! – Bill começou a descer a ladeira, quanto mais descia, mais Silver ficava veloz e mais o garoto se sentia livre.

A medida que corria, mais seu coração acelerava, viu que estava quase em uma rua paralela, faltava pouco para chegar, os carros corriam em alta velocidade, não tinha como parar agora, apenas deixou a bicicleta continuar seu percurso se agarrando firmemente e com os olhos semicerrados pela insegurança; só pode-se ver um vulto azul passando e vários carros freando ao mesmo tempo, o garoto abrirá os olhos, jurava que pode sentir a ponta do dedo do Diabo em seu ombro quase o alcançando, isso só aumentava sua ansiedade.

Bill gritava e uivava, era uma sensação inexplicável, se sentia nas nuvens encima da bicicleta, como se nenhum mal pudesse pega-lo, um pouco distraído quase não reparou que uma senhora estava em seu caminho, olhando para os lados, tentava achar alguma forma de parar a bicicleta, não tinha como, Silver desde sempre foi muito grande para o garoto; olhando desesperadamente para os lados, pois faltava pouco para atropelar a senhora, avistou um poste, jogou o peso de seu corpo para o lado e segurou o poste fazendo força para fazer uma curva com seu corpo e não pegar a senhorinha. Com o plano executado com sucesso, Bill olhou pata trás para ver se a senhora estava bem, mas então ficou perplexo com o que viu, o rosto da senhora estava com a pele caindo aos pedaços, um sorriso avermelhado podia ser visto, aquele sorriso era inconfundível, em uma das mãos ela segurava um balão vermelho e na outra um braço, não qualquer braço, mas sim o braço de George, a Coisa acenava para Bill com o braço desmembrado de George; não sabia como reagir, voltou sua atenção para frente e com a velocidade que estava, a bicicleta tropeçou na calçada e o menino foi jogado com tudo no gramado do parque. Se apoiou no chão com dificuldade, mas ao colocar sua mão esquerda no chão, sentiu uma dor latejante, havia se cortado na queda, um caco de vidro estava enfiado na sola da mão, o retirou com cuidado, a ferida estava um pouco aberta e sangrava muito, levantou com dificuldade e o corpo um pouco tremulo por causa do impacto, se apoiou em Silver já subindo nela e decidiu ir ao lugar ideal para refletir melhor.

Foi indo para uma parte da floresta, atravessou uma ponte e por fim desceu a pequena ladeira de terra. O Barrens era o melhor lugar para quando quisesse pensar e organizar sua mente, pois era calmo, silencioso, o som que a água do canal fazia era relaxante; Bill lembrava com carinho das vezes que ele e seus amigos brincaram aqui, lembrava de quando construíram uma barreira para impedir a água de passar mas depois tiveram que desfaze-la, pois o guarda florestal falou que isso poderia inundar as redes de esgoto de Derry, o garoto lembra perfeitamente as palavras que o vigia havia falado “Se vierem brincar aqui, venham sempre juntos, isso quer dizer que jamais devem se separar, sempre permaneçam unidos. Prometem?”, todos prometeram naquele dia, sempre juntos e que nada os separaras.

Sentou em uma das pedras, tentava entender o que era aquilo que tinha alguns minutos antes na rua, como era possível e por que estava acontecendo? Não conseguia se concentrar, sua mão doía muito, olhava para ela, o corte era horrível:

— Droga! O-o que eu vou f-f-fazer? – Colocou o capuz de sua blusa e enfiou a cara em seus joelhos, se encolhendo, estava frustrado, preocupado e com medo, apenas queria sumir.

Enquanto se permanecia imóvel, o garoto Denbrough pode ouvir uma voz, parecia ser uma voz feminina e infantil, saia em forma de reclamação e um pouco manhosa, se levantou para ver o que era, seguiu o som e pode ver uma menininha perto do lago, com um papel meio amassado, dobrando e desdobrando:

— Porcaria! Eu não consigo, eu sou horrível – a menina sentou no chão e se encolheu, dava para ouvir alguns soluços fracos, Bill se aproximou cuidadosamente da menina, se agachando para ficar na sua altura:

— O-Oi – A cumprimentou, distraída a menor se assustou e o maior deu uma risadinha – Desculpa, não q-queria a-a-assusta-la.

A menina se endireitou um pouco, seus olhos eram brilhantes, ela deu um sorriso envergonhado para Bill que o retribuiu com simpatia:

— Ouvi você r-reclamar de a-a-algo

— Sim, eu estava tentando fazer um barquinho de papel, mas eu já tentei várias vezes e não consigo, não levo jeito pra isso – A menina abaixou a cabeça novamente, Bill a olhava e então, ainda sorrindo, chamou sua atenção

— M-me empresta sua f-f-folha? – A menina deu a folha ao maior sem entender muito bem, enquanto isso, o garoto dobrava de um lado, ajeitava do outro, puxava e arrumava com um pouco de dificuldade por causa da mão machucada e finalmente finalizava o trabalho – Pronto!

Os olhos da menor brilhavam mais do que da primeira vez, era um olhar de admiração e adoração, sorria espontaneamente:

— Ele é lindo! – A frase da menina fez o coração do garoto Denbrough pular, foi a mesma frase que George disse ao irmão quando recebeu o barco, mas ao invés de ficar triste, Bill olhou com simpatia para a menina

— E-Ela é uma e-e-embarcação, toda a e-e-embarcação chamamos de e-ela

— Ela. Ela é muito linda! Posso coloca-la na água?

— P-primeiro precisamos passar c-c-cera para que ela flutue e não e-e-estrague – Bill e nem a menina tinha cera, então lembrou que seu pai havia dado uma gorjeta para ele, pediu para que a menina o esperasse ali e rapidamente foi na marcenaria comprar cera.

Depois de alguns minutos, o garoto havia voltado com a cera, um pequeno pincel e uma caneta esferográfica, dava pinceladas de leve na parte de baixo do barco, terminado, o apoiou em uma pedra:

— Qual o seu nome? – A menina ficou meio insegura de dizer, aposto que sua mãe havia a ensinado a não falar com estranhos e claro que ela estava certa – Não precisa ter medo, p-posso me a-presentar primeiro, e-e-eu sou o Bill

— E-eu sou Bianca – A menina estava um pouco envergonhada, isso a torna mais fofa, pensou Bill

— Que nome bonito

— Obrigada – Sorria a menor com as bochechas coradas.

Com a caneta esferográfica, Bill escreveu “S.O.S Bianca” na lateral do barco e entregou a menina que sorria de felicidade e já ia colocando na água; os dois ficaram olhando o barco sendo levado para a correnteza fraca da água, a luz do Sol batia bem encima do lago deixando a paisagem mais bonita, Bill admirava aquilo com gosto, distraído levou um leve susto quando sentiu algo agarrar sua cintura:

— Obrigada Bill – Bianca abraçou a cintura do garoto e permaneceu; Bill corou um pouco mas então sorrindo com a boca fechada e também com os olhos, passou seu braço em volta da pequena.

Já entardecendo, Bill perguntou onde a garotinha morava e lhe deu uma carona em sua bicicleta para ela não ter que voltar sozinha por preocupação. Desceu da bicicleta com ela em seu colo, pois Silver era alta, foi até a varanda da casa e tocou a campainha, uma moça de estatura média, esbelta, pele clara, cabelos ruivos e olhos verdes atendeu, Bill deduziu que fosse a mãe da menina, pois as duas eram idênticas:

— Bianca, eu já estava preocupada – Disse a mulher, mas não em tom de reprovação, mas sim de alívio, abraçando a filha

— Desculpe mamãe, eu estava brincando no Barrens, o Bill me trouxe e volta – A mulher levantou o olhar para o garoto e sorriu simpaticamente

— Obrigada meu querido, por traze-la de volta

— M-magina, sua filha é um a-a-amor – As duas sorriram para o garoto e ele sorriu um pouco envergonhado para as duas

— Bom, se despeça de seu amigo filha

— Tchau Bill, obrigada pelo barco! – A menina pulou em sua direção e Bill a pegou no colo a abraçando, então se despediu da mãe e foi embora pra casa.

Já havia anoitecido, o garoto estava sentado em sua cadeira, pensativo por causa do dia de hoje, mas então sua mão começou a latejar mais do que da primeira vez, olhou para ela cerrando os dentes por causa da dor e se assustou, a pele cortada estava se regenerando rapidamente, toda a dor que estava centrada na mão começou a se espalhar para o corpo todo, pode sentir seus olhos mudarem novamente e então caiu da cadeira; poucos segundos se passaram e uma criatura enorme se erguia e pulava rapidamente para a janela aberta, apenas seus olhos laranja vivo eram bem vistos na escuridão, era a hora da caçada.