Nilima e eu andávamos muito ocupados. Ela tentava superar a morte de Kadam mergulhando no trabalho e eu resolvi fazer o mesmo.

O protótipo do veículo que Kadam projetara, Skimmer, finalmente ficou pronto. Eu fui com Nilima para recebê-lo e nós ficamos impressionados com a sofisticação do dispositivo. Nilima me disse que Kadam havia lhe mostrado o projeto antes de irmos à Katra e que ele o projetou baseado nas águas-vivas que nos transportaram no reino dos dragões. Ela não sabia quando ele começou aquele projeto, mas estava pronto para ser usado, depois de ter passado por todos os testes de segurança e eficiência necessários.

Nilima me explicou o funcionamento do veículo e nós passamos a praticar até eu aprender a conduzi-lo com perfeição. Kishan também veio treinar um pouco, porque me ajudaria a conduzi-lo.

Kishan, Kelsey e eu embarcamos em direção à ilha Barren. Eu estava evitando ficar perto deles desde o noivado dos dois. Eu tentava aceitar meu destino e desistir de Kelsey, mas eu não estava conseguindo.

Assim que entramos na embarcação, Kishan saiu para mostrá-la à Kelsey enquanto eu me dirigi à central de comandos para iniciarmos a viagem. Pouco tempo depois, Kelsey me encontrou. Eu mostrei a ela o painel de controle e ela ficou admirando a vista.

— É ruim que não podemos apreciar a brisa.

Eu sorri e apertei o botão que fazia o vidro do teto se abrir. Kelsey sorriu ao sentir o vento em sua pele. Eu me concentrei no trabalho, tentando esquecer que ela estava ali. Eu ainda estava magoado e triste, mas tentava me acostumar com o novo status de Kelsey: noiva de Kishan.

Kelsey saiu da sala sem dizer nada e Kishan veio me substituir depois de algum tempo.

No fim da tarde, chegamos à Ilha Barren. Depois de observamos a ilha e ancorarmos a embarcação, eu desci as escada, deixando Kishan e Kelsey abraçados, no andar de cima.

Era véspera de natal e eu tinha algo para Kelsey. Era algo que eu tinha mandado fazer para ela, antes de seu noivado, quando eu ainda tinha alguma esperança de ficar com ela.

Peguei a caixa embrulhada com papel dourado, ainda sem ter certeza se eu deveria ou não lhe entregar. Resolvi que deveria tentar uma última vez. Se Kelsey entendesse o quanto ela era importante para mim, se ela compreendesse o significado daquele presente, ela talvez repensasse suas decisões recentes.

Quando nós nos separamos pela primeira vez e ela foi para o Óregon, eu compus uma música. Era triste e traduzia a dor de ficar sem ela. Mas depois, Kelsey voltou para mim e eu fui feliz outra vez. Então, aquela música não estava terminada ainda. Eu peguei o violão e toquei. Aquela melodia triste, tornou-se mais animada. Eu queria mostrar a ela como eu era uma pessoa diferente quando ela estava comigo. Mais do que feliz, eu era completo.

Depois que a música ficou pronta, eu a gravei e mandei construir uma pequena caixa de música. Pedi que o marceneiro pintasse um tigre branco no topo, para que, quando ele se fosse, Kelsey ainda se lembrasse.

E eu ainda tinha a esperança de que a felicidade voltaria à minha vida. Eu estava determinado a ser feliz de novo.

Eu deixei o embrulho no quarto dela, sobre sua cama. Também deixei um bilhete:

Kelsey,

Você pode pensar que sou presunçoso em assumir que o fim da nossa música será alegre, mas ainda acredito que há um final feliz para nós, para que a promessa na música um dia seja realizada. Eu terei que praticar a paciência até então. Meu coração está em suas mãos, tome cuidado porque eu não posso viver sem ele.

Visco

por Walter de la Mare

Sentado sob o visco

(verde-claro, visco de fadas),

Uma última vela queimando devagar,

Todos os dançarinos sonolentos foram,

Apenas uma vela queimando,

Sombras à espreita por toda parte:

Alguém veio, e me beijou lá.

Cansado eu estava; minha cabeça ia

Balançando sob o visco

(verde-claro, visco de fadas),

Sem pegadas veio, sem voz, mas só,

Assim quando eu me sentei lá, sonolento, solitário,

Inclinou-se no ar parado e sombrio

Lábios invisíveis – e me beijou lá.

Feliz Natal, iadala

— Ren.

Ouvi quando Kelsey foi para o quarto. Ela ficou lá dentro por algum tempo, depois saiu para se encontrar com Kishan. Eu suspirei resignado. Transformei-me em tigre e dormi.

Na manhã seguinte, pedi ao lenço um buquê de lilases e desci para encontrar Kelsey na cozinha. Parei na porta, para observá-la preparar o café da manhã. Ela se assustou ao me ver ali. Me aproximei e lhe ofereci o buquê. Ela olhou para as flores e de volta para mim. Seus olhos castanhos encontraram os meus, cheios de sentimentos.

— Feliz Natal — Eu disse.

— Você já me deu mais do que suficiente.—Ela respondeu baixinho.

— Quando um homem dá um lilás a uma mulher…

— Ele está lhe fazendo uma pergunta —Ela me interrompeu.

— Você se lembra.

Ela virou de costas.

— Acha que eu iria esquecer?

Coloquei as mãos em seus ombros e a virei de volta para mim.

— Eu te amo, Kelsey. O que sinto por você é mais do que gratidão, mais do que atração, mais do que carinho. Eu nunca escrevi um poema com pontos de exclamação até que a conheci. Você é o ar em meus pulmões, o sangue em minhas veias e a coragem em meu coração. Eu sou uma concha vazia sem você — Segurei seu rosto entre as minhas mãos— Você acende a minha alma com o brilho do seu amor e devoção. Mesmo agora, eu posso senti-lo e ele me sustenta. Você pode negar o que sente com suas palavras, mas seu coração ainda é meu, iadala.

Kelsey passou os dedos pelas minhas mãos. Eu senti seu tremor de leve, senti sua hesitação quando ela deu um passo para atrás, afastando-se de mim. Falei em tom de brincadeira:

— Talvez eu devesse ter trazido um visco.

Ela tornou a virar-se de costas para mim.

— Por que não o trouxe, então? — Perguntou indiferente.

— Não quero dar a Kishan mais motivação.

— Ah.

Kelsey pegou o fruto e começou a pedir uma série de pratos diferentes. A fumaça subia dos pratos, tornando o ambiente perfumado pela comida. Kelsey virou-se e sorriu friamente:

— Feliz Natal, Ren. Obrigada pelo poema e pela caixa de música. Esqueci completamente do seu presente, então estou fazendo o famoso café da manhã de Natal da minha avó. Você está com fome?

Kelsey estava tentando parecer indiferente, mas eu sabia que havia mexido com ela. Ela segurava o buquê de lilases junto ao peito, apertando-os com força junto a si. Sua voz aparentemente firme, era quase chorosa e seu coração batia acelerado. Ela evitava me olhar nos olhos. Eu cruzei os braços e a encarei com firmeza e intensidade.

— Sim — Respondi calmamente.

Kelsey limpou a garganta e agitou as mãos em direção à copa.

— Bem, sente-se, assim você pode começar a comer. Kishan ainda está dormindo.

Eu me sentei, irritado com a lembrança de que Kishan dormira com ela.

Kelsey me entregou os talheres e guardanapos e eu segurei sua mão, deixando-a visivelmente nervosa. Depois ela começou a me servir grandes porções de comida: biscoitos com molho de salsicha, ovos com queijo, batatas fritas com cebola e pimentão, fatias grossas de bacon, maçãs amanteigadas e assadas com canela e um chocolate quente servido com chantilly, chocolate granulado, uma folha de hortelã e uma cereja.

Depois ela se serviu e sentou-se à minha frente.

— Este café da manhã é uma tradição em sua família?

— Sim. Todo ano a vovó ia dormir mais cedo na véspera de Natal. Na manhã seguinte, ela acordava antes de todo mundo para fazer biscoitos. Eu costumava acordar logo depois que ela e misturava o molho enquanto ela fatiava as batatas e cebolas. Seu chocolate quente era um capricho que evoluiu ao longo do tempo. Eu adicionei o chocolate granulado, papai acrescentou a hortelã, e mamãe acrescentou a cereja. Nós normalmente esperávamos até depois que tudo do café estivesse limpo para abrir os presentes.

Seu rosto se iluminou ao falar da família.

— Quando foi a última vez que você comeu deste café da manhã?

— Pouco antes de meus pais morrerem. Eu fiz os ovos e as batatas e minha mãe assumiu os biscoitos. Costumávamos falar sobre a vovó enquanto trabalhávamos. Minha família adotiva não teria gostado deste café da manhã. Carboidratos demais. Mesmo quando têm chocolate no Natal, é diet e sem creme.

Senti um pouco de tristeza e ressentimento nela ao dizer aquilo. Eu me inclinei e peguei sua mão.

— É importante manter as tradições de nossa família vivas. Isso nos ajuda a lembrar de quem somos e de onde viemos.

— E a sua avó?

— Ela morreu quando eu era jovem, mas eu tinha uma tia-avó que passou muito tempo com a gente. Ela era como uma avó de muitas maneiras.

Então, a voz de Kishan interrompeu nosso momento. Por alguns instantes, eu havia me esquecido que ele fazia parte de nossas vidas.

— Kells, eu espero que você tenha guardado para mim o café da manhã!

Ele entrou na cozinha e deu um beijo na cabeça de Kelsey, sem perceber nossas mãos unidas. Eu soltei a mão de Kelsey,, antes de concluir:

— O nome dela era Saachi.