O cântico dos pássaros me despertou. Acho interessante como os pássaros conseguem construir seus ninhos em postes de energia elétrica. Os fios de alta-tensão são um perigo para eles, muitos morrem ao pousar nesses fios.

Mamãe despertou sozinha, e fitou a porta que fechava-se naquele instante, denunciando a saída de Michael. Isso a fez suspirar. Ela trocou os lençóis, fronhas, recolheu suas roupas e tacou tudo na máquina com sabão em pó e amaciante, recolheu a camisinha, enrolou-a e jogou no lixo.

Em seguida, foi tomar banho e se arrumar, demorando um bocado para ficar pronta, depois ela vai tomar café da manhã. Sabes o que acontece, quando dois advogados se unem? Uma causa justa.

Talvez nem tenha sido tão justo assim; mamãe acordou sozinha e falo sério ao dizer que ela precisa mudar isso o mais rápido possível. Não é legal ficar aventurando-se toda vez que bate a tristeza, como se o sexo fosse a única solução para os dissabores da vida.

Sou a favor do romantismo. Às exatas sete horas, a campainha toca, mamãe atende e um rapaz a espera com um buquê de rosas e um sorriso no rosto.

— São para a senhora. - diz o rapaz, entregando o buquê de copos-de-leite a ela, as flores favoritas da mamãe.

— Obrigada. - mamãe disse, pegando o buquê e procurando um cartão que possuísse um remetente, pagando o rapaz e fechando a porta em seguida.

Ela sentou no sofá e deixou o buquê sobre a mesa de centro da sala de estar, pegou um cartão que tinha na cor lilás e de lá retirou um bilhete, que dizia:

Nem que tenha todas as estrelas,

Elas não brilham tanto quanto teu olhar,

Desinteressante fato que traz saudade e uma imensa vontade de teus lábios tomar

Nem que todos os sinais foquem em um ponto singular.

Apenas te peço uma chance de meu coração te entregar.

Ass: John Neil Thompson.

Mamãe leu tudo isso em voz alta, a surpresa estampada em seu rosto foi tanta que ela esqueceu de me dar água, mas fiquei feliz por aquelas flores terem tirado um sorriso sincero dela. Não sei quem é esse John Neil Thompson, mas desde que me entendo por gente, mamãe sempre recebe flores dele e ela sempre fica boba assim.

Fico feliz por ela, sabe? Ela merece receber carinho e respeito de alguém, mesmo que seja de um estranho, já que a família da mamãe, meus tios e primos são um pesadelo. Quase morri várias vezes por causa deles e já fiquei bêbada também.

Sabe por que fiquei bêbada? Um santo chamado Paul O’Brien (subentende-se que o sobrenome dele não é brasileiro, não é mesmo?), de descendência inglesa, com aqueles orbes azuis que perscrutam até mesmo a alma mais desavisada possível.

Não que ele fosse uma má pessoa, não era, é apenas excêntrico. A excentricidade dele não é de todo ruim, eu acho, ele pensa que os animais falam com as pessoas, elas que não entendem o que eles querem expressar. Fico pensando se ele pensa que flores também pensam, caso pense, quero conversar com ele e contar como me sinto ao longo dos dias.

Talvez esse John Neil seja um primo de segundo grau, ou amigo, não sei. Ahhh! Água. Mamãe me deu água, finalmente! Obrigada mamãe. Ela leva uma torrada na mão, junto da bolsa e a pasta e sai, batendo a porta levemente.

Fico junto com a solidão novamente. Embora não seja legal eu andar na companhia da solidão, já estou acostumada, mamãe precisa trabalhar ou ela morre de fome. Tadinha, o trabalho dela exige muito dela, ela só sossega no domingo, isso quando consegue sossegar.

Lina surge nos primeiros raios solares, após a saída de mamãe. Estonteante como sempre, pousa no solo da sacada diante de mim, no beiral da janela e passa pelo vitral, parando diante de mim.

— Bom dia, Amarilis! - cumprimenta-me ela, envolvendo seus braços mornos em volta de mim.

— Bom dia, Lina. Tenho uma pergunta para fazer-lhe. - digo, sem rodeios.

— Diga, Amarilis. - responde-me ela, com aquele sorriso encantador.

— Não sei se tu notaste, mas é deveras estranho que tenhas vindo amar-me do nada. Por que eu? - A pergunta que tem martelado minha cabeça desde então vem à tona. Ela pára e reflete, respondendo-me alguns segundos depois:

— Porque meu amor por ti é grande, conheço-te desde que eras uma fada das flores, regando as flores com teu amor, fazendo-as crescer felizes, lindas e viçosas com teus gracejos. És encantadora, Amarilis. Acompanho-te desde sempre, visto que eu estou junto do Sol há mais tempo que os seres do outro lado do véu possam imaginar. - responde-me ela, catedrática, pegando-me de surpresa e fazendo-me ruborizar.

— Eu…Não sabia.. - respondo, sem jeito. Ela sorri e me beija novamente, acariciando-me o corpo com uma delicadeza sem igual, fazendo-me sentir extremamente bem.

Se o amor é tão antigo quanto os seres humanos, não sei. O que sei é que é gostoso ser amada. Ficamos assim até a tarde chegar, as horas passaram tão rápido quanto uma brisa fresca a brincar com meus cabelos, a companhia dela é agradabilíssima e apreciei muito isso.

Infelizmente, ela teve de partir, e com ela se foi uma parte de mim também, como se parte do meu coração e espírito tivessem a acompanhado em sua jornada rumo ao Sol. Ouço a porta abrir-se e fechar-se com certa brusquidão. Mamãe havia chegado bufando por algum motivo que desconhecia até ela falar:

— Raios! Que porcaria de justiça é essa, afinal de contas? Um sobrinho que amarra, amordaça e estupra a tia, ainda rouba seus documentos para fazer sabe-se lá o quê fica impune desse jeito? Por que não pedem logo minha carteira?

Nossa! Como assim, mamãe? Ela esbraveja aos quatro ventos que pedirá as conta. Parece que vida de advogada não é nada fácil, é cada injustiça e absurdo que dá vontade de mudar de país.

Mamãe, se acalme. Olha o coração! Ela larga a bolsa com tudo sobre o sofá, a coitada da bolsa até cai assustada com o disparate de sua dona. Ela murmura um xingamento que não expressarei aqui, mas ela está bem brava mesmo, parece que perdeu o caso ou assumiu o caso, não sei.

Mamãe, a senhora perdeu esse caso? Como se lesse meus pensamentos, ela me responde, enervada.

— Não, Amarilis. Não perdi o caso, eu assumi essa droga de caso dos infernos. Agora estou frita.

Calma, mamãe! Não se exalte. Algum dia ela pode ter um infarto de tanto estresse, pobre mamãe. Ela faz um copo de água com açúcar e toma, devagar, acalmando-se aos poucos. Pergunto-me por que ela assumiu esse caso, se era para ficar desse jeito.

Às vezes, acho que mamãe é doida, não estou dizendo que ela é ébria, ou drogada, ou pula de paraquedas do décimo quarto andar, achando que é montanha. Estou dizendo simplesmente que ela assume riscos que não deveria correr, como esse caso que ela assumiu, por exemplo.



Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.