O cravo vermelho

Nathaniel Wycombe e Charlotte Bridgerton


Kent, 1844

Haviam poucas coisas que Charlotte Bridgerton valorizasse mais que a família. Quando tinha apenas onze anos, era comum que outras crianças a convidassem para suas festas de aniversário. Assim como, claro, a todos os seus outros primos da mesma faixa etária. Então, constantemente, um grupo de meninos com traços bem parecidos era visto aprontando nas mais diversas casas aristocráticas de Mayfair, para o terror de todos os pais.

Normalmente, as envolvidas eram: Jane, Katherine, Agatha e, claro, Charlotte, como mais velha e mandante do grupo. Como era consideravelmente mais nova que seus irmãos mais velhos, e bem mais velha que sua irmã mais nova, nenhum dos três lhe eram adequados para as brincadeiras que gostava de fazer. Então, só lhe restavam as primas, que a seguiam e veneravam como uma irmã mais velha, papel que ela sempre cumprira com muita satisfação.

Logo, ao ver aquela detestável Ruby Cavender importunando Agatha, não pôde evitar se meter no assunto.

— Senhoritas, poderiam me dizer sobre o que estão conversando? - com seu sorriso mais irônico possível, Charlotte ficou ao lado da prima, dando o braço a ela.

Ruby conhecia bem a Bridgerton, e ambas sabiam que não gostavam uma da outra. Debutaram na mesma época, e a Cavender sempre fizera questão de tentar denegrir a imagem de Charlotte, fazendo comentários maldosos e espalhando boatos falsos. Porém, Charlotte, com seu temperamento forte, soubera muito bem se defender, o que não era o caso de Agatha. A prima tinha uma personalidade gentil e calma, com muita dificuldade de conseguir agir de forma perversa com alguém, mesmo que seja para contra-atacar. Portanto, era bem comum que a prima se envolvesse no assunto, espantando a outra garota sempre que podia.

— É um assunto particular. - Ruby lhe devolveu o sorriso irônico, abanando-se com um leque. Ergueu o queixo com superioridade, e fixou seus olhos azuis em Agatha, que ainda estava quieta e amuada. - não é, Srta. Bridgerton?

— Se esse assunto particular é uma ofensa à aparência de minha prima, sinto lhe dizer que também é um assunto meu. - a mais velha retrucou, soltando-se de Agatha e dando dois passos até a outra dama. Mantinha uma pose ameaçadora, como uma gata defendendo seus filhotes. - não me importava quando procurava incomodar-me, Srta. Cavender, mas incomodar a minha família já é outra história.

— O que lhe fez pensar que eu a estava importunando? - ela bufou. - eram apenas algumas dicas, que geralmente são pedidas de bom grado por outras debutantes. Está claro a todos que ela tem braços e bochechas grandes, estou apenas tentando ajudá-la a se livrar deste fardo.

— Guarde suas dicas para você, porque não estamos interessadas! - a Bridgerton explodiu, ficando perigosamente perto de Ruby. Agatha, temerosa, andou até ela e segurou uma de suas mãos, pedindo que esquecesse aquilo, mas Charlotte nem mesmo a escutou.

— A senhorita está sendo rude e mal-educada! - a outra retrucou, com expressão de repulsa ao olhá-la. - os comentários feitos sobre a senhorita certamente fazem jus!

— Se refere aos comentários espalhados pela sua pessoa? Porque certamente não me importo com eles.

— A senhorita tem uma personalidade terrível. E você – ela olhou para Agatha com raiva. - está gorda. Com licença.

Quando a Cavender finalmente se virou, ofendida, Charlotte disse bem alto, para que sua voz ecoasse pelo corredor vazio da mansão:

— Ainda que ela fosse gorda, pode facilmente emagrecer. E a senhorita, com este nariz enorme, apenas nascendo de novo!


~


Nathaniel Wycombe era o segundo filho do conde de Billington, sendo o único filho homem e o herdeiro, por direito, ao condado. Todos o chamavam de lorde Billington – um título de cortesia – mas diferente de seu pai, Nate tinha uma personalidade calma e muita vezes tímida, ainda que disfarçasse bem. Não era bem-visto um homem que tivesse dificuldade em se socializar, e sofrera muito com isso quando garoto, tendo sempre que ser defendido por seu primo, Lewis Kemble, de ser importunado por outros garotos. Lewis tinha dado tudo de si, mas infelizmente, sendo dois anos mais velho, era impossível que o protegesse dentro de sala, quando os outros meninos colocavam taxinhas em seu assento e beliscavam suas mãos quando o professor não estava olhando.

Perturbados com a má adaptação do filho, Charles, seu pai, o tinha ensinado a lutar ele mesmo, sempre que voltava para a casa nas férias de verão e natal. E sua mãe, sempre tão gentil e doce, se preocupara em melhorar suas habilidades sociais – como não permitir que gaguejasse e conseguisse olhar nos olhos de qualquer um ao falar - para que, de forma alguma, demonstrasse fraqueza ou hesitação ao dirigir a palavra.

E agora, aos 25 anos, podia dizer com certeza que o apoio dos pais lhe ajudara muito até ali. Apesar de ainda ter os mesmos cabelos ruivos e o rosto repleto de sardas, Nathaniel agora era um homem. Falava com clareza, sem gaguejar, praticava esgrima e cavalgava, tudo em prol da saúde e da boa aparência, que o fizera ser considerado um bom partido entre as debutantes e suas mães, para seu pesar. Apesar das mudanças, sua natureza ainda era a mesma, de forma que sua timidez ainda se manifestava de uma forma que, aos olhos dos outros, parecia fria e distante. - teve esperança de que isso afastasse as debutantes e suas mães, mas pareceu surgir efeito contrário – E ali, no baile que seus tios ofereciam durante o primeiro dia da semana em sua casa de campo, fora cercado por diversas matriarcas praticamente brigando por sua atenção.

— Melhore esta cara, ou todos começarão a comentar. - Lewis disse em seu ouvido, quando fugiu para pegar um pouco de ponche.

— Me sinto sufocado. - suspirou profundamente, depois de dar várias goladas. - são pessoas demais para que eu tenha que lidar ao mesmo tempo.

— Já deveria estar acostumado com isso. - disse o primo. - um dia será um conde, as pessoas vão querer sua atenção, de uma forma ou outra.

— É fácil dizer quando se é uma pessoa sociável. - olhou de canto para ele. - é tudo muito natural para você, mas para mim não. Se pudesse, nesse momento estaria no quarto, rabiscando alguma coisa, longe deste salão abafado.

Era um dia especialmente quente de verão, e o calor se intensificava no salão de festas graças ao grande número de convidados juntos em um só ambiente. Para ele, era como o inferno na terra.

— Também fugiria se pudesse, mas tenho que fazer o papel de anfitrião. Mamãe me obrigou a ficar aqui, queria que eu dançasse com todas as damas que geralmente tomam chá de cadeira.

Seu primo, o conde de Macclesfield, era um homem de sorriso fácil e muito querido pelas pessoas. Seus cabelos e olhos negros como a escuridão o ajudavam em seu charme conquistador, o que era algo que faltava em Nate, mas nunca sentira ciúmes do primo. Ambos olhavam para os convidados transitando, quando coincidentemente uma dama em particular passou perto deles, seguindo pelo corredor à direita.

— Que coincidência, estava pensando especificamente nela quando disse isso. - disse o primo.

— Ela é uma Bridgerton, certo? Filha do terceiro filho, aquele com C…

— Agatha Bridgerton, filha de Colin Bridgerton. - Lewis lhe informou, ainda olhando o ponto por onde ela passara. - o pai dela é bem conhecido, principalmente por seus livros. Li todas as coleções, são espetaculares.

— Nunca os li, talvez deva comprar. - ponderou. - por que pensava justamente nela?

— Mamãe sempre me obriga a dançar com ela, diz que é uma pena que uma menina tão graciosa não atraia a atenção dos cavalheiros. Talvez por ser um pouco mais… Ahn… Bem...

Era admirável como seu primo tinha dificuldade em falar mal de alguma dama, ainda que uma não tão próxima assim. Ele era, de longe, um cavalheiro da cabeça aos pés. Já satisfeito em ver a confusão do melhor amigo, pôs a mão em seu ombro.

— Não precisa explicar, sei o que quer dizer. - ele sorriu, e antes que o outro respondesse, ouviu por trás alguém chamando por Lewis, então pediu licença para ir ao banheiro.

No entanto, Nate jamais imaginou que o que encontraria ao seguir o corredor. Era simplesmente duas Bridgertons: Charlotte e Agatha Bridgerton – já antes mencionada – e Ruby Cavender, uma das damas cuja mãe costumava tentar jogar em seus braços. Nunca passara muito tempo com a jovem, e sinceramente a achava um pouco estranha. Era como se houvesse algo errado com ela, mas não sabia dizer exatamente o que.

Nenhuma das três o avistara, e ele não fazia questão de se esconder. Elas estavam discutindo, como se Charlotte estivesse defendendo a prima. Ao ouvir o que diziam, constatou que era aquilo mesmo, e não gostou muito dos comentários ofensivos da Cavender, que claramente queria irritar as duas.

Ainda que ela fosse gorda, pode facilmente emagrecer. E a senhorita, com este nariz enorme, apenas nascendo de novo!”

Nate teve que concentrar todas as suas forças para não ser indelicado e rir ali mesmo, e torceu para que, apenas um pouco, conseguisse ter tanto controle sobre si quando Lewis tinha.


~


Ao avistar o futuro conde de Billington de pé diante delas, com os lábios cerrados, Charlotte piscou várias vezes, tentando não perder a pose imponente diante das pessoas ali presente. Uma leve coloração rosada atingiu suas bochechas, mas ainda não era suficiente para que ela se rendesse. Afinal, não era ela a errada, e sim a filha dos Cavender por comprar briga com ela no meio de uma festa.

— H-Há algo de errado aqui, senhoritas?

O cavalheiro perguntou, em um tom forçado muito estranho, como se estivesse se segurando. Ruby cerrou os punhos e tentou manter a compostura, mesmo diante de uma situação extremamente constrangedora.

— De certo que não, lorde Billington. Com licença, não posso permanecer muito tempo longe de minha mãe. - ela praticamente sussurrou, logo saindo em passos apressados após uma breve mensura.

Quando ela saiu, restou apenas silêncio e três rostos se encarando, nenhum deles sabendo o que dizer, até que ele caminhou na direção das duas damas.

— Acho que a senhorita se lembra de mim. - ele se curvou, mirando Charlotte, agora mais controlado. Quase sucumbira a um ataque de risos.

— Sim, me lembro. - ela pigarreou, se recompondo e fazendo uma breve mensura. - irmão de Lily, não? São muito parecidos.

— Obrigado, minha irmã é muito bela, então tomo como um elogio. - ele se virou para Agatha. - acho que ainda não fomos formalmente apresentados, sou Nathaniel Wycombe.

— A-Agatha Bridgerton, é um prazer. - a Bridgerton mais nova lhe estendeu a mão, acanhada, e a recolheu assim que ele a beijou. - me desculpe, mas a verdade é que tenho que voltar agora, minha mãe deve estar à minha procura. - Agatha se virou para a prima, sussurrando. - obrigada, Lotte, mas temos que ir.

— Pode ir na frente, logo a encontrarei. - avisou a outra, olhando nos olhos de Nate. - gostaria de conversar um instante com Vossa senhoria.

Agatha hesitou por um instante, sabendo que não era exatamente apropriado deixar a prima sozinha com um cavalheiro, apesar de se tratar de um espaço aberto e com uma moderada circulação de pessoas. Sabia que seu tio Anthony cuspiria fogo se descobrisse qualquer atitude indecorosa da parte dela, mas considerou que a prima já era madura o suficiente para tomar suas próprias decisões, então resolver confiar nela e se retirou.

Charlotte não era uma pessoa de dar voltas e voltas para abordar o assunto. Quando queria dizer algo a alguém, era curta e clara, e mesmo com um conde não seria diferente.

— Espero que não comente o que aconteceu aqui. - cruzou os braços, uma atitude não muito acordante para uma dama. - não preciso de mais boatos a meu respeito.

— Não precisa se preocupar, Srta. Bridgerton, não sou afeito a maledicências. - garantiu ele, e então murmurou para si mesmo: - na verdade, especialmente eu…

— Fico muito agradecida.

Nathaniel de repente se sentiu um pouco tonto, e teve que se apoiar na parede. Maldição, era aquele clima quente, parecia que nem no corredor o calor diminuía, e o paletó preto que usava servia apenas para armazenar a alta temperatura de seu corpo.

— Milorde? - ouviu Charlotte chamar e correr até ele, ajudando-o a se manter em pé. - o senhor está bem? Deseja que eu chame alguém?

— Estou bem, estou bem. - passou a mão nos cabelos, ainda zonzo. - preciso de ar fresco.

— Venha por aqui.

Ela pegou uma das mãos dele e o arrastou até a parte de fora da casa, onde havia um pequeno jardim com um banco envolto das mais diversas flores, além de um dossel que parecia suportar o peso de um aro de flores que, iluminadas apenas pela luz da lua, pareciam-lhe ser brancas.

— Muito obrigada. - ao se sentar ele já sentia que conseguia respirar melhor. O ar de fora que lhe preencheu os pulmões pareciam ser os mais limpos que já respirara. - por favor, sente-se também, ou terei que me levantar.

— Não se incomode. - ela olhou em volta, pensativa sobre o quão comprometedora poderia ser aquela situação.

— a senhorita é muito gentil. - ele sorriu, olhando-a de pé ao lado dele, até que se lembrou de quando a mão dela tocou a dele, ao levá-lo para lá, e acrescentou: - e delicada.

— Eu? Delicada? - ela riu, sentando-se ao lado do ruivo com intimidade. - a última coisa que sou é delicada. Meus irmãos costumavam caçoar de mim, me chamando de macaquinha.

— Macaquinha… - Nate riu de canto. - suponho que a senhorita era uma amante de árvores.

— E como! Eu e Ed estávamos sempre disputando quem chegaria primeiro ao topo das árvores, e ele, como mais velho, sempre ganhava. Só o que me restava era treinar, fiquei com calos nas mãos que viraram bolhas terríveis. Até hoje os gritos de minha mãe ecoam em meus ouvidos.

— Que interessante, minha mãe sempre gostou bastante de árvores.

— É mesmo?

Ela achou interessante a pequena peculiaridade sobre a condessa.

— Sim. Durante a infância ela sempre nos contou sobre quando conheceu nosso pai. - virou-se para ela com o olhar divertido. - ele caiu de uma árvore literalmente aos pés dela.

— E eles se casaram... Como isso é improvável! - riu ela.

— Além de tudo, minha mãe era a simples filha mais nova do vigário local.

— Já ouvi comentários sobre isso. O marquês de Castleford também se casou com a filha de um vigário, certo?

— Sim, a irmã mais velha, minha tia. Sempre me considerei muito sortudo por meus primos serem meus vizinhos, durante muito tempo eles foram meus únicos amigos.

— O que quer dizer com isso?

Nathaniel se pegou surpreso com a genuína curiosidade de Charlotte Bridgerton. Ela devia ter por volta dos vinte anos, cabelos castanhos claros e olhos da mesma cor, nada que não fosse comum entre as outras damas da alta classe. O que chamava-o atenção na moça era puro e simplesmente sua forma de andar, gesticular e falar, com uma naturalidade que jamais vira antes em uma debutante.

Salvo as próprias irmãs e, talvez, as primas, nenhuma dama jamais deixara de agir com polidez e decoro em sua presença. Por algum motivo, as regras sociais ditavam que as pessoas deveriam agir sempre da mesma forma, falar do mesmo jeito e tratar as pessoas de forma diferente apenas se baseando em sua classe social. E as mulheres, como sempre, eram as mais condenadas quando cometiam qualquer mínimo desacerto, diferente dos homens, que sempre eram tolerados e relevados em demonstrações de falta de educação.

Mas a moça ao seu lado estava tão feliz em conversar sobre família que deixara todo o decoro de lado, deliciando-se de sua companhia como faziam amigos de longa data. Por isso, se sentiu à vontade para compartilhar com ela o que deixou escapar em um deslize.

— Eu sempre fui muito tímido, além de gago, então nunca tive muito amigos. - explicou. - essa aparência também não me ajudou muito na escola, ruivo, sardento… Elas apenas pioraram quando comecei a praticar esportes debaixo do sol.

— Não pode ser verdade. O senhor está falando tão bem agora, não me parece nada tímido. - disse ela, incomodada com a forma como ele falava de si mesmo. - e estes meninos que caçoavam de sua aparência eram todos uns bobos! Se fosse comigo, milorde, certamente, eu iria…!

Ele começou a rir quando Charlotte cerrou os punhos e grunhiu, como se quisesse ali mesmo voltar à infância e socar as crianças que o atormentavam. Nate ouvira alguns comentários sobre o gênio desta srta. Bridgerton em específico, que era comum vê-la ralhando com outras pessoas, mas estava claro para ele em apenas alguns minutos de conversa que Charlotte não fazia aquelas coisas por si mesma. Assim como anteriormente, a moça queria apenas defender a própria família, que ela amava mais que tudo neste mundo.

— Nate.

Ela piscou, confusa.

— Pode me chamar de Nate. Sempre achei “Nathaniel” um nome tediosamente longo.

Charlotte pensou, naquele momento, que o sorriso de Nathaniel – não, Nate.— era um dos mais bonitos que ela já vira. Não soube o motivo exato, mas aquele ar tranquilo que ele exalava fez algo se remexer dentro dela, como se seu estômago tivesse recebido um alimento que não caiu bem. Era uma analogia estranha, ela admitia, mas de alguma forma, exemplificava com exatidão o que se passava dentro dela.

Passou a prestar mais atenção aos detalhes do rosto dele. Ele era, de fato, muito sardento. As manchas se espalhavam por todo o rosto dele, curiosamente se concentrando mais em cima do nariz e nas bochechas. Seu cabelo era ruivo avermelhado, mas no escuro daquela noite, parecia levemente castanho e, sem dúvida, ele precisava de um corte, já que uma franja começava a cair em sua testa. Queria conseguir distinguir a cor dos olhos dele. Pareciam pretos ou azul bem escuro, mas a iluminação não lhe deixava ver bem, e se lamentou por isso.

— Me permite… Fazer uma coisa?

Seu coração começou a palpitar, e suas mãos suaram. Suas primas a avisaram sobre isso. Quando um cavalheiro desejava beijar uma dama, era comum que a frase começasse daquela forma.

— O-O que seria?

Ele se abaixou e pegou alguma coisa do chão, logo depois aproximando o rosto dela. Lotte fechou os olhos, preparando-se para sentir os lábios dele nos dela, quando surpreendeu-se ao sentir algo no cabelo.

Nate se afastou, mirando-a como se fosse uma pintura feito pelo mais talentoso artista. Por alguns segundos, nenhum dos dois disse nada, apenas olhando um ao outro.

— Queria muito ver isso… - ele sussurrou, e ela continuou confusa.

— O que é isto? - tocou de leve. Parecia uma flor.

— É um cravo amarelo. Achei que combinaria com você.

Um cravo amarelo? Era isso? Ele só queria colocar um cravo amarelo no meio de seus cabelos? A frustração e vergonha tomou conta de si, percebendo que se enganara. Achava que seria como Amelia, Belinda e Caroline lhe disseram: encontro às escondidas, flertes aqui e ali e… Beijos roubados.

E o pior de tudo é que ele dissera que ela combinava com um cravo amarelo. Ora, será que ele sabia o que cravos amarelos significavam?

— Tenho que voltar.

Ela arrancou a flor do cabelo de uma vez, e ficou de pé. Como um bom cavalheiro, ele também se levantou, confuso pela reação dela.

— Srta. Bridgerton? Está tudo bem?

— Não, não está tudo bem. - ela disparou, cerrando os punhos. Ele notou que ela fazia muito isso. - por que o senhor fez isso?

— Não gostou do que eu fiz? Peço perdão se fui desrespeitoso.

Ela se virou para ele com raiva.

— Não, não foi! - ela praticamente gritou. - esse é o problema, maldição! Eu queria que me beijasse!

Era vergonhoso ter que admitir algo assim, então virou-se de costas, para que ele não pudesse ver o rubor em suas bochechas. Cruzou os braços. Cravos amarelos não eram um bom sinal, significavam recusa e desprezo. Não queria ter aquilo nela, ainda mais sendo como um presente dele.

Para sua surpresa, ele a virou e puxou junto de si, colando o corpo dele no dela. Não reparara antes, mas ele era uns bons dez centímetros maior que ela. Não era tão alto quanto Edmund, mas era maior que a média. E seu rosto… Bem, mesmo que Charlotte não fosse exatamente a pessoa mais paciente do mundo, ocorreu-lhe que não seria um sacrifício se sentar junto dele e contar todas as sardas de seu rosto. Ali mesmo ela começou a contar, e quando chegou ao número oito, ele encostou a testa na dela.

— Tem certeza… Que quer que eu a beije?

O hálito quente e úmido dele a fez arrepiar, e o calor que fazia naquela noite de verão se intensificou de repente. Durante todas as suas outras temporadas sociais, jamais nenhum homem lhe fascinou tanto quanto aquele Sr. Nathaniel Wycombe. Recebera propostas, – e quantas! - mas nunca conseguia se vislumbrar ao lado de qualquer um de seus pretendentes. Mas de alguma forma, aquele cavalheiro… A fez sentir alguma coisa.

— Não sabia que era um libertino.

Ela engoliu o seco, a voz saíra fraca demais.

— Não sou, mas isso não quer dizer nada. Se for o que a senhorita…

— Charlotte. - disse ela. - me chame de Charlotte.

— ...Charlotte. - ecoou ele. - se quiser, posso lhe mostrar que sei beijar.

— Mostre-me. - ela não hesitou, olhando-o nos olhos.

E ele mostrou, colando os lábios ao dela no mesmo instante. Diferente de outros cavalheiros, Nate nunca fora dado à libertinagem. Claro que, quando a necessidade chamava, não era difícil conseguir uma mulher em sua cama. Mas aquilo com Charlotte era tão real, tão excitante, mas ao mesmo tempo, muito mais do que algo carnal. Era como se, durante toda a sua vida, estivesse esperando apenas pelo beijo certo – o beijo dela, e sentir aqueles doces e macios lábios que acabariam viciando-o.

— Você tem que ir. - ele se separou dela de uma vez, em alerta. Escutara vozes, poderia ter alguém vindo.

— Irá me ver? - indagou ela, com os olhos esperançosos. Ele riu de leve, que pergunta boba.

— Claro que sim. Agora vá.

E ela foi, ainda hipnotizada pelo acontecido.

Nate olhou para o chão, e reparou que ela deixara cair a flor de antes.

Só naquele momento notou que era que um cravo amarelo que, certamente, seria muito mais belo se fosse vermelho.

~


No dia seguinte Nathaniel já acordou com os pensamentos longe, mais precisamente na propriedade vizinha, dos Bridgertons. Desde que falara com Charlotte, não conseguia tirar ela e seu charme de sua cabeça. Não sabia ao certo, mas tivera a impressão de ter sonhado com ela aquela noite. Os cabelos castanhos e volumosos pareciam os de uma deusa, e suas feições, que antes ele considerara tão comuns, pareciam únicas extraordinárias.

Num pulo, ele saiu da cama e procurou seu bloco de desenhar. Nunca dissera a ninguém além de Lewis sobre aquilo, mas seu maior prazer era desenhar. No início, era como uma espécie de fuga para os problemas; escondia-se dos outros garotos com papel e lápis e, finalmente, conseguia fugir para uma realidade diferente da dele. Mas então fora melhorando, se tornando menos dependente daquilo até que percebeu que simplesmente gostava de desenhar. E, naquele momento, o que ele mais queria desenhar…

Era ela.

E então ele desenhou. Com uma memória que jamais pensara ter, traçou com exatidão cada linha de seu rosto, tomando cuidado especialmente com o cabelo, que tinha que ter o caimento perfeito que vira antes. Como seriam eles soltos? Se perguntou. Provavelmente mais lindos. Colocou o mesmo cravo de ontem entre eles, enfeitando suas madeixas.

— Nate?

Tirou os olhos do desenho, surpreso. Era a voz da irmã, impaciente. Será que ela estava batendo à sua porta há muito tempo? Colocou o bloco de desenho na gaveta da escrivaninha e abriu a porta.

— Ah, você já está pronto para o café da manhã. - observou Lily, vendo o irmão arrumado. O valete estivera ali uns minutos antes, ajudando-o a se vestir.

— Esperava me encontrar sem roupa? - implicou ele. Ela entrou no quarto com naturalidade e se sentou na cama dele. Já fizera isso algumas vezes.

— Seria a visão do inferno.

— Pare de praguejar, irmãzinha.

Ela não respondeu nada, parecia estranhamente distraída, e isso o preocupou um pouco. Apesar de Mary ser a irmã o qual tinha a idade mais próxima, Lily sempre fora sua irmã preferida, mesmo sendo três anos mais jovem. Nunca pensara muito sobre isso, mas provavelmente se devia ao fato de Lilith ter sido como um garoto durante a infância. Sempre gostara de pular cercas montada em cavalos, escalar árvores, nadar no rio e brincar com espadas, enquanto Mary sempre fora mais feminina e delicada, não tendo muito em comum com Nate.

— Algum problema, Lily?

— Você poderia… Hm… - a irmã estava… corando? Isso era novidade. - poderíamos fazer uma visita aos Bridgertons?

— Por que precisa me pedir isso? Pode ir com a mamãe, ela e Lady Bridgerton se dão muito bem.

— Não posso ir com a mamãe, ela jamais vai me deixar ficar sozinha! - exclamou ela, ficando de pé.

— E por que você quer ficar sozinha?

— Não exatamente sozinha, eu… - a irmã olhou para ele, depois para o chão, depois para ele de novo, finalmente tomando coragem: - quero ficar a sós com o Sr. Bridgerton.

Qualquer outro irmão teria ficado enciumado, mas ele não era assim com Lily. Por muito tempo ela tinha sido uma de suas melhores amigas, então também não a constrangeria. Se ela estava interessada em Edmund Bridgerton, – imaginou que se tratava dele. - ele a ajudaria. Não o conhecia muito bem pois o outro era uns quatro anos mais velho, mas tudo o que ouvira sobre ele só eram coisas boas.

E além de tudo, ele era irmão de Charlotte.

— Tudo bem, irei com você. - ele sorriu, vendo um sorriso crescer no rosto dela. - mas não deixe que Gracie descubra, ou era irá nos seguir. Ela é apaixonada por aquele menino Bridgerton loirinho.

Os dois riram, mas não houve escapatória. A pequena Gracie estava por perto quando Lilith avisou à mãe, e antes que os irmãos mais velhos vissem, a menina já estava montada em sua pequena égua seguindo-os até a famosa Aubrey Hall. As melhores semanas em casas de campo eram as de Lady Bridgerton, uma senhora tão popular que seus convites eram às vezes mais disputados do que de algumas marquesas e condessas.

Seu pai lhe dissera certa vez que o lorde Bridgerton morara ali durante toda sua infância, e que era comum que ele e tio Robert, vizinhos de idades próximas, fossem convidados para brincar com os Bridgertons. Ao que parecia, depois da morte prematura do antigo visconde, toda família, ainda em luto, se mudara para Londres, possivelmente para tentar apaziguar a dor causada pela perda.

Quando foram anunciados pelo mordomo da família, se surpreendeu ao ver Charlotte, Lady Bridgerton e lorde Bridgerton na sala de chá. Não que não quisesse ver lorde Bridgerton, mas ele o causava certo… Nervosismo. Talvez fosse pelo jeito imponente do visconde, sempre sério e pragmático.

— Milorde! - Charlotte sorriu, ficando de pé no mesmo segundo. Sorriu para ela, feliz em vê-la. Ela usava um vestido casual num tom rosa-claro que estava na moda.

— Boa tarde, lorde e Lady Bridgerton, espero que não estejamos atrapalhando.

Nate se curvou como a etiqueta ditava para o visconde, beijando a mão de Lady Bridgerton primeiro, e demorando-se um pouco mais em Charlotte. Sentindo o olhar pontiagudo do pai dela, se afastou da moça. Lilith também fez mensura aos dois, dando um sorrisinho para a melhor amiga.

— Gostaria de conversar um pouco com Charlotte, isso seria possível? - ela perguntou.

— Claro, podem ir, vocês duas. - a viscondessa concordou na hora, parecia realmente gostar de sua irmã.

— E você, senhorita? - lorde Bridgerton perguntou para Gracie depois que as meninas saíram, que até então estivera escondida nas pernas do irmão. - a que devemos sua ilustre visita?

— Eu… Ahn… - Gracie, que contava com apenas oito anos, estava encabulada diante dos dois. - o Anthony pode brincar?

— Acho que não fala de mim, certo? - o visconde brincou, e Nathaniel demorou um pouco para entender. “Anthony” também era o nome de batismo do visconde, lembrou-se.

— Claro que pode, querida, venha comigo.

Lady Bridgerton levou sua irmã para algum lugar, provavelmente onde o menino estava, deixando os dois cavalheiros sozinhos. Anthony Bridgerton era um homem forte para a idade, que devia ser entre 55 ou 60 anos, um pouco mais velho que seu pai. Era alto, e tinha a maioria dos fios grisalhos causados pelo tempo, mas alguns fios castanhos ainda eram visíveis, bem característicos do sobrenome Bridgerton. Ele o encarou com severidade, como se o avaliasse. Nate começou a se sentir incomodado com o olhar dele e aquele silêncio.

— Me desculpe, lorde Bridgerton, acho que atrapalhei seu chá com a família.

— Não se incomode com isso, rapaz. - disse ele. - como está seu pai? Soube que ele não compareceu ontem porque estava indisposto.

— Resfriado comum, nada que precise se preocupar.

— Que bom, diga a ele que venha me visitar quando estiver melhor, já conversei com Castleford sobre uma caçada à tarde.

— Direi a ele e mandarei seus cumprimentos. - assentiu Nathaniel. Céus, era agora… Ele teria que pedir permissão a ele para cortejar sua filha. Seu lado tímido aflorou, aquilo seria difícil. - milorde, o que eu também gostaria de tratar é…

Quando finalmente Nathaniel iria falar, a porta foi aberta e Charlotte, claramente bastante empolgada, foi em passos rápidos até eles. Ela parou na frente de Nate, com um sorriso estampado no rosto.

— Lily está caminhando com Edmund e Gracie foi brincar com o pequeno Anthony, o que acha de darmos uma cavalgada?

— Ainda não terminou seu chá, Charlotte.

O comentário de lorde Bridgerton fez a moça fechar o rosto.

— Qual é o problema? Somos ingleses, tomamos chá o tempo inteiro.

— Deixe-a, Anthony. - a viscondessa entrou na sala, sorrindo para todos. - podem ir, mas não voltem muito tarde.

O sorriso de Charlotte voltou, e Nate agradeceu aos pais dela quando se retiraram. Pelo jeito, teria que falar com lorde Bridgerton em outro momento. Talvez quando voltassem conseguiria conversar com ele adequadamente em seu escritório, tomando um bom conhaque. Seria um ambiente mais masculino e talvez ele parecesse mais masculino em um lugar assim.

— Parece que Nathaniel está interessado em nossa Charlotte. - Kate comentou quando o jovem casal saiu. Quando voltou a se sentar, o marido sentou-se ao lado dela. - como o tempo passa rápido, lembro-me dele ainda menino.

— Não sei se gosto disso. - retrucou Anthony, carrancudo.

— Por que? Ele é um ótimo rapaz. Não tem má reputação, gosta mais do campo…

— Só tem 25 anos, é um tanto imaturo para ela.

— Não diga isso, Anthony. Seu pai não se casou com 19?

— Foi uma exceção à regra.

Katharine riu de leve, revirando os olhos.

— Mesmo assim, acho que Nathaniel fará bem a ela, ele é calmo e gentil.

Anthony suspirou, de repente cansado.

— É, assim espero… - murmurou distraído. - assim espero…


~


— Senhorita Bridgerton, cuidado! - Nathaniel alertou a moça, que corria com o cavalo em alta velocidade.

Não duvidava da capacidade de montar, mas ela estava indo rápido demais para alguém que montava de lado. Talvez, se ela estivesse que nem ele, montada de frente, tivesse mais equilíbrio, mas daquele jeito…

— Não seja tolo, eu nunca caio! - retrucou ela, mesmo assim, diminuindo a velocidade, até seus cavalos estarem parados um perto do outro. - a não ser uma vez, que caí e quebrei um braço, mas isso foi totalmente culpa de Miles que assustou meu cavalo.

— Isso é muito perigoso. - advertiu ele, ainda meio agitado pelo medo que sentira segundos antes. - poderia ter caído e quebrado o pescoço.

— Se pensássemos sempre dessa maneira, nunca poderíamos fazer nada na vida. - mal resistindo à vontade revirar os olhos, Charlotte desceu do cavalo, amarrando-o em uma árvore. - é normal que se sinta nervoso assim sobre tudo, milorde?

— Me chame de Nate. - ele pediu de novo, também descendo do cavalo. - e não, não sou assim sempre, pelo menos não em relação a mim. Mas não gosto da ideia de pessoas queridas se machucando, por isso acabo sendo cauteloso.

Charlotte piscou, surpresa por ser considerada uma pessoa importante para lorde. Ele havia mexido com ela, mas não sabia que ele nutria o mesmo tipo de sentimento. Ele se mostrara interessado, claro, mas vários outros cavalheiros de Londres se encantaram com ela, e alguns até chegaram a fazer propostas de casamento. Todos foram recusados, para o pesar de sua mãe, mas o que ela poderia fazer? Nenhum deles lhe causara nem mesmo um arrepio. Eram tão normais e pomposos, características bem diferentes do que ela apreciava.

Mas tampouco se imaginara, um dia, atraída por um homem como lorde Billington. Ela gostava de aventura, tinha o temperado explosivo do pai e tomara mais sermões da mãe sobre usar calças do que qualquer outra debutante britânica. Enquanto ele era calmo, controlado e parecia ser o filho perfeito que qualquer pai gostaria de ter.

— Pensei em caminharmos a partir daqui, se importa?

— Absolutamente.

Depois que ele amarrou o próprio cavalo e começaram a caminhar, várias perguntas vieram à sua mente. Dificilmente o via em Londres. Onde ele morava, em Kent? Qual era a comida preferida dele? Será que mantinha alguma amante? Qual era a matéria sua preferida na escola? Ele poderia repetir o beijo da outra noite?

— Se importa que eu pergunte uma coisa, srta. Bridgerton?

— S-Sim. - a fala repentina dele a pegou de surpresa. - quero dizer, sim, pode perguntar, e não, não me importo.

— Por que a senhorita disse aquilo sobre a Srta. Cavender?

Ela piscou um pouco, tentando se lembrar do que ele falava.

— Ah, sim, Ruby Cavender. - ela fez uma careta de desgosto. - não gosto dela de forma alguma. Seu passatempo preferido é incomodar outras meninas impopulares, e além de tudo, ela inventou muitos boatos a meu respeito.

— Boatos de que espécie?

— Ela espalhou uma vez que eu mantinha relações impróprias com um dos cavalariços. - bufou. - e mais coisas desse tipo, com a intenção de manchar minha imagem. Ainda bem que as pessoas ainda têm bom-senso, pois praticamente ninguém acreditou nela.

— Isso é ridículo. - respondeu ele, mas de repente, sentiu um misto de ciúme e dúvida. - são boatos são fundamento, certo?

— Claro que são. - ela revirou os olhos. - mas o pior de tudo, para mim, é a cisma que ela tem com minha prima Ágatha. Desde que ela debutou fiquei mais concentrada em defendê-la do que em achar um marido.

Nate sorriu, percebendo que admirava Charlotte. Ela não era apenas um rosto bonito e um dote abastado. Era uma moça encantadora, com seu jeito único de falar e se expressar. Era uma moça que amava fortemente tudo a seu redor, mas em particular sua família, que certamente gentil e amorosa. Ele amava a própria família, é claro, mas se juntar ao enorme clã Bridgerton lhe pareceu uma ideia interessante.

— A senhorita fica linda com essa expressão de raiva.

Quando o ruivo disse isso, Charlotte olhou-o, sentindo a barriga se revirar mais uma vez. - Ah, aí estava essa sensação de novo. O corpo inteiro formigou, e de repente ficou difícil respirar. Ele a olhava como ela olhava para um belo pedaço de torta, ou até para uma bela obra de arte.

— Eu a desenhei. - disse ele, e quando percebeu, já estava bem de frente para ela.

— Verdade? Não sabia que desenhava.

— Não sou tão bom. - sorriu de canto, modesto. - deveria ter trazido hoje.

— Gostaria de ver.

Era uma pena que não estivesse com lápis e papel ali, pois o que mais querida era registrar aquele momento.

— Srta. Bridgerton… - ele pegou as mãos dela, concentrando-se no que tinha para dizer. Repassou a frase “se importa se eu a cortejá-la?” algumas vezes na própria mente, até que finalmente disse: - se impota se…!

— Charlotte?

Uma voz masculina os interrompeu, e quando ambos viraram, viram um homem de cabelos loiros que deveria ser apenas um pouco mais velho que Nate, parado, diante deles. Nunca o havia visto ali Kent, e nem mesmo em Londres. Suas vestes indicavam que era nobre, mas…

— Rupert?

Charlotte parecia abismada, e na mesma hora ela soltou suas mãos de Nathaniel e correu até o rapaz, atirando-se sobre ele para abraçá-lo.

— Rupert, meu Deus, não o vejo há tanto tempo! - disse ela, irradiando felicidade. - você disse que não faria uma viagem muito longa!

— Me desculpe, Lotte, queria ter avisado, mas muitas das minhas cartas não chegam, sabe como é o correio internacional. - ele sorriu com pesar. - cheguei a Londres uma semana atrás, então mamãe me disse que os encontraria aqui.

— Papai e mamãe ficarão muito felizes em vê-lo! Onde estava mesmo? Índia?

— E depois fui à China. - completou. - é uma cultura totalmente diferente, muito interessante.

Rupert Bagwell era seu primo em primeiro grau, filho da irmã de sua mãe. Ele era um viajante nato, desde que terminara a universidade nunca estava no mesmo lugar, e achava isso fascinante. As histórias sobre suas viagens eram mais interessantes que muitos livros de romance, e costumava passar muito tempo conversando com o primo sobre suas estadias nos mais diversos países.

De repente, se lembrou de Nathaniel. Tinha que apresentá-los, óbvio, e estava ansiosa por saber a opinião dele sobre o possível pretendente. Estava certa de que Rupert gostaria dele, afinal, ela mesmo gostava.

Mas quando se virou, Nate não estava mais lá, e não o viu mais pelo resto do dia.

~

Um sentimento muito ruim abateu Nathaniel quando Charlotte o largou e correu até aquele outro cavalheiro, ignorando por completa a existência dele ali. Logo naquele momento, em que finalmente juntara forças para dizer a ela que queria cortejá-la. Poderia ser pouca coisa para outro homem, mas não para ele. Nunca cortejara uma moça e, mesmo agora, ele ainda tinha problemas de timidez, o que tornava difícil dizer algo dessa espécie.

Quando virou-se emburrado, pegou seu cavalo e marchou de volta à Aubrey Hall, sua raiva se dissipou e transformou-se em preocupação quando viu Edmund Bridgerton correndo desesperado com uma criança no colo, que coincidentemente era sua irmã mais nova, e, claro, sua outra irmã mais nova vinha logo atrás, erguendo as saias e puxando o outro menino Bridgerton pela mão.

Ao que parecia, Gracie havia brigado com o menino, e no meio da briga, bateu o queixo no chão e abriu uma ferida horrível. Nathaniel tinha certeza de que ela levaria alguns pontos, mas não disse nada para não assustar ainda mais a irmã mais nova. Não foi nem preciso dizer que aquele fim de tarde foi bastante tumultuado. Voltaram para casa de carruagem, ainda que Lady Bridgerton tivesse insistido que a tratassem ali e chamassem um médico.

Já de volta a Wycombe Abbey, a menina foi devidamente tratada e costurada pelo médico aos gritos e choros, durante a madrugada. Nem seu pai e nem sua mãe dormiram muito bem aquela noite, preocupados com a mais nova. Sentiu pena de Gracie, mas Nathaniel sabia que aquilo não era nada demais, apenas a preocupação normal de pais com filhos mais novos.

O que não parava de incomodá-lo era se lembrar Charlotte, abraçando aquele outro rapaz. Ele era mais belo que Nate, certamente. Tinha olhos azuis e pele limpa, sendo a última característica algo que o futuro conde não tinha. Tentou até algumas soluções caseiras para diminuir as sardas, mas nada adiantava. Passou a ignorar aquilo, mas e se talvez fosse feio?

No dia seguinte a casa amanheceu mais tranquila, todos cansados pelo estresse da noite passada. Cada um estava em seu próprio mundo, e em especial Lily estava mais avoada desde que voltara da caminhada com Edmund Brigderton, e quando a noite caiu, viu-a suspirando pelos cantos. Perguntou-se o que tinha acontecido, mas preferiu não se meter naquele assunto. Assuntos femininos.

Tirou o paletó, as botas e se jogou na cama, cansado. Segurava seu bloco de desenhos na mão, admirando o último retrato feito, da Srta. Bridgerton. Ainda estava com ciúme, mas queria ver Charlotte. Depois de pensar melhor, percebeu que provavelmente estava se apaixonando pela Bridgerton. Queria vê-la.

— Charlotte Bridgerton… - murmurou, passando de leve o dedo pelo papel. - Charlotte… Wycombe.

Gostou de como soou.

— Charlotte Wycombe. - nossa, aquilo era satisfatório. - apresento-lhes, Charlotte Wycombe, a condessa de Billington.

— Isso é uma proposta?

Nathaniel nunca tomara um susto tão grande quanto aquela noite, quando viu uma mulher parada à porta que dava passagem à sacada de seu quarto em Wycombe Abbey. Ficou de pé no mesmo segundo, esticando instintivamente a mão até a gaveta em que ficava sua arma, quando sua consciência finalmente o fez refletir. Era… Charlotte?

— Charlotte? - ele mal podia acreditar. - o que faz aqui?

— Eu escalei até sua sacada.

Ele quase infartou.

— O que?! Ficou louca?! - ele correu até ela, afastando-a da porta como se ela pudesse correr e se jogar a qualquer hora. - não ouviu o que eu disse ontem? Você não pode ficar se colocando em perigo dessa forma!

— Sou uma ótima escaladora, esqueceu? Meu apelido era macaquinha. - ela deu de ombros, resoluta.

— Nunca mais faça isso, está me ouvindo?! - ele a puxou para si, desesperado. - nunca mais se arrisque, porque se algo lhe acontecer…!

Ela o calou com um beijo, uma ação completamente incomum para uma debutante. Por alguns segundos ele ficou parado, se acalmando, até que finalmente conseguiu aproveitar aquele momento. Já era noite, o quarto estava escuro, e de alguma forma, tudo pareceu ainda mais romântico.

Depois que Nate não voltou no dia seguinte, Charlotte saiu escondida e foi até a propriedade dos Billington à cavalo, determinada a ela mesma conversar com ele. Obviamente não receberiam uma dama aquela hora, - ou até receberiam, mas não era o apropriado. Então escalou até o quarto dele, no segundo andar, como se não fosse nada, e não pôde deixar de ouvir ele dizer aquelas palavras:

Charlotte Wycombe.

— Acho que… - quando finalmente se separam, ele a encarava, abismado. - acho que já a amo.

Charlotte sorriu, sentindo-se emocionada. Nunca achou que ficaria tão feliz ouvindo aquilo. Deus… Aquilo era perfeito.

Era isso que ela procurara durante todo aquele tempo.

Ele.

— Eu também! - ela assentiu, jogando-se no colo dele e beijando seu rosto todo. - também o amo! Ah, como estou feliz!

— M-Mas e aquele Rupert?

— Rupert? - ela faltou gargalhar. - Rupert é meu primo, Nate!

Primeiro ficou em dúvida, depois envergonhado e, em seguida achou graça.

Aquela noite, Nathaniel teve certeza do que queria, assim como Charlotte, e sem que ninguém soubesse, anteciparam os votos de casamentos. Durante a madrugada, quando a Bridgerton finalmente dormiu serena, Nate tirou um cravo de um vaso que colocara ali dois dias atrás.

Mas dessa vez eram cravos vermelhos, que significavam amor, respeito e paixão. Colocou a flor em meio aos cabelos dela com delicadeza para não acordá-la, e admirou-a, percebendo que tinha razão.

O cravo vermelho combinava muito mais com ela.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.